domingo, 29 de novembro de 2020

MAR-CAIS

Resultado de imagem para lágrima

Nem poema 
Nem rima 
Minha lágrima 
Obra prima

 (Fernando Alexandre)
-outono 92-

MANEMÓRIAS

Foto: Panorâmica Balneário de Ingleses 2019 
Foto Cid Junkes

BALNEÁRIO DE INGLESES: A TRANSFORMAÇÃO DE UMA VILA DE PESCADORES

por José Luiz Sardá
 
Conta a história que a origem do bairro Ingleses é atribuída ao naufrágio de uma nau inglesa, ocorrido na metade do século XVIII, em frente a Ilha do Mata-Fome, como é conhecida popularmente pelos nativos e pescadores. Esta ilha serviu de abrigo aos náufragos e alguns destes sobreviventes constituíram famílias com as nativas do lugar. Naquela época era um povoado bastante habitado e todos se agrupavam no entorno da pequena capela consagrada a Nossa Senhora dos Navegantes, construída por um abastado lavrador, em 1881, sobre os cômoros de areia. Na década de 1960, devido ao aumento da população, a capela foi demolida com o objetivo de construir uma igreja maior. Até hoje a tradicional festa religiosa de Nossa Senhora dos Navegantes atrai multidões de romeiros e devotos.

Naquela época, Ingleses do Rio Vermelho abrangia parte da costa Leste da Ilha de Santa Catarina, desde o atual bairro São João do Rio Vermelho, até o balneário de Ingleses. Foi criado por Decreto-Lei de 11 de agosto de 1831, sob a invocação de São João Batista. Posteriormente, em 04 de dezembro de 1962, por Decreto foi criado o Distrito de São João do Rio Vermelho. O surgimento desta freguesia açoriana, que se desenvolveu a partir do núcleo original e pelos principais caminhos, vielas e becos abertos sobre as planícies das Aranhas e do Capivari, além de alavancar o povoamento da região, serviu também como posto de reconhecimento de embarcações que chegavam pelo lado Norte da Ilha.

Era uma vila cujos habitantes se dedicavam, na maior do tempo, à agricultura e à pesca. Na década de 1960 os engenhos de farinha e de açúcar dominavam a paisagem local. Entretanto, a partir dos anos 1970 deixaram de existir. A atividade pesqueira era intensa. Existiam as denominadas “Salgas”, um tipo de armazém onde os pescados eram preparados com sal, estocados e depois comercializados. A partir do final a década de 1980, aproximadamente, as terras que serviram basicamente à agricultura foram parceladas e transformadas em grandes loteamentos e condomínios edilícios. A crônica ausência de adequado planejamento urbano permitiu a chegada de milhares de migrantes na região, notadamente de gaúchos, paranaenses, paulistas e catarinenses do interior. 

Nos anos 1990, o “boom” do turismo no balneário passou a representar importante fonte de renda à população, mas, infelizmente, trouxe profundas modificações no cotidiano dos nativos e prejuízos ao meio ambiente, transformando de modo irremediável a bucólica e pacata vila de pescadores e pequenos agricultores. A especulação imobiliária, ora hipervalorizando as áreas mais próximas da praia, ora oferecendo a pouco troco áreas sabidamente problemáticas, provocou absurdo crescimento desordenado, vindo a afetar diretamente o cotidiano da população local. Os imóveis simples originários, localizados ao longo das vias e da estrada principal, rapidamente se transformaram em supermercados, restaurantes, shopping, hotéis, pousadas, resorts, loteamentos, conjuntos habitacionais e pontos de prestadores serviços diversos.

Não é de hoje que o bairro Ingleses e seu entorno vem sofrendo grande pressão sobre seus ecossistemas, cujo funesto resultado se traduz em sérios danos ambientais. Exemplos claros disso são: a) áreas de dunas invadidas pela população de baixa renda, originando grandes bolsões de pobreza: b) poluição no Rio Capivari, onde efluentes de esgoto são despejados in natura no leito do rio: c) processos erosivos no cordão praial por força da ocupação desenfreada e desregrada: d) descaracterização das encostas e ocupações irregulares nas áreas de preservação ambiental. Segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, as planícies dos bairros Sitio Capivari e Santinho tiveram significativo aumento populacional, consubstanciando, ambas, a região que mais cresceu nos últimos dez anos em Santa Catarina. Dados apontam que os seis distritos do Norte da Ilha, já no ano 2.020, terão uma população flutuante/residente aproximada de 460 mil pessoas.

MAREGRAFIAS

DUNAS Veja mais fundo no www.jackoartphotos.blogspot.com

CAMINHOS...

Foto Fernando Alexandre

CHINESES NA ILHA! E NO SÉCULO XV...

Semelhança das inscrições rupestres com ideogramas chineses despertou a investigação


 Inscrições rupestres de Florianópolis seriam ideogramas chineses
Filho de pescador ilhéu e agente de vigilância descobre evidências da presença de navegadores chineses em Florianópolis no século XV. Anônimo no Brasil, ele é reconhecido na China e nos Estados Unidos como o maior pesquisador do mundo da área



Foi o interesse apaixonado pela história da Ilha de Santa Catarina que levou Fausto Guimarães, filho de pescador, a “atravessar a ponte” para a China e a ser reconhecido no Oriente e nos Estados Unidos como o maior pesquisador do mundo sobre a presença dos chineses nesta região antes da chegada de Cabral. Agente de vigilância do INSS, ele lançou, sexta-feira (15), às 19 horas, no Restaurante Árabe Falah, em Florianópolis, sua quarta publicação sobre a passagem pelo Brasil de dois dos cinco almirantes da dinastia chinesa Ming, entre os anos de 1421 e 1423. Criado no Morro do Céu, Fausto tornou-se não apenas um grande especialista nas incursões chinesas pelo Novo Mundo, como autor de uma descoberta arqueológica capaz de revolucionar tudo que se sabe sobre as relações entre os indígenas que aqui habitavam e esse povo do Oriente. Capaz também de mudar o entendimento sobre as inscrições rupestres e os artefatos de pesca locais que, na sua hipótese, são uma transferência de tecnologia chinesa na troca de conhecimento com os índios Avás.

Para início de compreensão da importância de suas pesquisas, a partir delas a origem das inscrições rupestres dos sítios arqueológicos teria uma versão muito diferente da conhecida: “Já temos evidências para demonstrar que nos desenhos dos dois costões do Santinho ou da Ilha do Arvoredo, por exemplo, há presença de caracteres chineses”, afirma Fausto. O encontro feliz entre o manezinho da Ilha e o mundo do Oriente aconteceu há 15 anos quando caminhava pela praia do Santinho e é tão 
Inscrições rupestres poderiam indicar a troca de símbolos indígenas e ideogramas chineses (Ilha do Campeche)

fascinante quanto a história que ele passou a contar a partir daí, traduzidas do português para o mandarim e para o inglês. Junto com as publicações, ele tem realizado inúmeras palestras em congressos internacionais sobre as incursões marítimas das dinastias chinesas pelas Américas no período pré-colombiano, patrocinadas pelo governo e por instituições de pesquisa na China e nos Estados Unidos, onde suas teses já são referência.

Não limitado a publicar suas descobertas em forma de romance no primeiro livro “A rampa do Santinho, um legado chinês na Ilha de Santa Catarina” (Editora Insular, 2010), edição bilíngue português-mandarim de 456 páginas, o servidor recorre agora às histórias em quadrinhos para divulgar essa narrativa épica. “A grande maioria dos florianopolitanos e brasileiros – e mesmo os entendidos na cultura local – desconhece completamente os impactos da presença chinesa na Ilha”, enfatiza Fausto, 52 anos, que foge ao estereótipo brasileiro com o cabelo ruivo e os olhos claros. “Desconhecem inclusive o fato histórico das navegações marítimas chinesas”. Em A grande viagem às Terras do Oeste (Brasil) – 1421, a revista em quadrinhos que ele lança na sexta-feira vem para romper um pouco o silêncio sobre esse contato prodigioso entre dois povos fundadores da cultura local, na sua visão. Compõem as ilustrações um mix de tecnologia virtual com alguns desenhos dele mesmo e de outros autores, mas a maior parte são adaptações fotográficas, a exemplo das fotos aéreas da região dos Ingleses e do Santinho, explica Fausto, que trabalha na Previdência Social há 33 anos.

Tanto livro como revista são, conforme o autor, coerentes com paradigmas e estudos já consolidados sobre as experiências dos chineses com outros povos. Sem referências exatas de realidade para compor uma etnografia, optou por preencher as lacunas com as suas suposições, narrando em forma de romance a relação desses exploradores com os índios Avás, que habitavam a Ilha de Santa Catarina e arredores. “Mas tudo que escrevi explorando a imaginação parte das minhas pesquisas e do
Agente de vigilância lança sua quarta publicação

conhecimento estabelecido por outros autores”, esclarece Fausto, que fará distribuição gratuita das revistas no lançamento. Com a ajuda das comunidades Guarani, árabe e chinesa, organizou para o evento uma grande performance com música, dança e teatro em torno de episódios do seu épico que mostram a pluralidade cultural dessas relações entre povos.
Primeiro livro do autor é a história romanceada das relações entre chineses e os índios Avás na Ilha de Santa Catarina

Até 15 anos atrás, antes da publicação do romance de Fausto, os pesquisadores canônicos só falavam das expedições europeias ao Brasil e ao Novo Mundo como um todo. Ao longo de seis séculos, a misteriosa passagem dos chineses manteve-se desconhecida dos historiadores modernos como um tesouro secreto. Com esse episódio, o romance entre a índia Iracema e o marinheiro Xiao também ficou guardado feito uma pérola em concha fechada para ser reinventado pela pena do autor. Interessado pela cultura chinesa desde que estudou acupuntura no Ceata, em São Paulo (1995), e desde a graduação no curso de História da UFSC (1997), Fausto fez sua primeira viagem à China em 2005. Ficou entusiasmado pelas viagens marítimas pré-colombianas ao ouvir de uma guia turística chinesa sobre sua presença no Amazonas, reforçando a ideia da sua presença em Meiembipe (nome indígena de Florianópolis) e confirmar suas suspeitas de que as inscrições rupestres tinham a marca da cultura oriental.

As investigações bibliográficas e em campo acabaram tomando conta do seu tempo livre e deram origem ao segundo livro, que apresenta a trajetória dos seus estudos e fundamenta suas hipóteses. Em Do Shan Hai Jing às épicas viagens do almirante Zheng He; estariam os chineses visitando as Américas e o Brasil há mais de quatro mil anos?, ele explica os elementos que foi interligando para creditar a narrativa sobre os rastros deixados pelos chineses na Ilha. Entre eles estão os registros do Padre Alfredo Rhor, no primeiro congresso local sobre Arte Rupestre, em meados de 1960, revelando ter tirado e extraviado na década de 40 a pedra com a imagem de uma santa que se atribuía à padroeira dos navegantes. Diante desse objeto sacralizado pela comunidade local, as mulheres dos pescadores faziam suas preces para pedir proteção antes de os homens se lançarem ao mar, numa espécie de ritual pagão.
Depois de investir no romance, Fausto recorreu a histórias em quadrinho para divulgar essa história ignorada que desmonta a vulgata ocidental sobre o descobrimento

Décadas depois, conversando com o pai pescador e com as mulheres mais velhas do Santinho, que alegaram ter ouvido a explosão da pedra quando crianças, Fausto verificou que o artefato tinha uma localização e um tamanho muito diferentes dos mencionada pelo arqueólogo. “Segundo os relatos, o santuário devia ter o tamanho de uma porta, e não os 33 centímetros informados pelo padre”. A descrição da imagem feita pelo padre também difere da apresentada pelas mulheres, o que levou Fausto ao seu primeiro grande achado: tratava-se, na verdade, não de uma santa católica, mas de uma mulher grande e forte, com um chapéu quadrado e um manto nas costas, que corresponde à figura de uma chinesa chamada Mazu. Hábil nadadora, essa personagem viveu de fato no século X numa colônia de pescadores chamada Meizhou. no litoral de China. Entre seus feitos, consta ter salvado vários homens de afogamento com seus braços grandes e fortes. Depois de sumir no mar, Mazu foi mistificada como uma espécie de padroeira dos pescadores.
Com equipe de pesquisadores na China

As surpresas não terminam por aí. Nesse trabalho de campo, o autor confirmou no costão esquerdo da Praia do Santinho, bem na entrada pelo mar, a existência de uma pedra com um furo de dinamite, provavelmente a da imagem da Santa dos Navegantes oriental, implodida pelo padre, e descobriu ao lado dela uma espécie de rampa cortada na pedra, visivelmente manufaturada, que serviria ao atracamento das embarcações. Tomou cuidado para registrar essa descoberta na certeza de que em breve suas evidências seriam confirmadas, assim como outros indícios impactantes: num museu de Hong Kong, identificou muitos instrumentos de pesca, como puçá, coca, jererê, tarrafa que os índios usavam na Ilha de Santa Catarina. “Todos esses artefatos para pegar siri existem na China”, diz Fausto, sustentando ainda a tese de que a sofisticação das técnicas de pesca na Ilha, identificadas pela presença abrupta e inexplicável de esqueletos de grandes peixes nos sambaquis, seria resultante desse contato profícuo entre Avás e orientais. “Sem falar na semelhança etimológica e material da jangada nordestina com um pequeno junco chinês”, comenta o pesquisador, com uns olhos arregalados de espanto pelas possibilidades de interconexões multiculturais que a investigação de sua Ilha lhe trouxe. Da mesma forma, reflete, os chineses, que têm como padrão de comportamento o contágio e a apropriação cultural devem ter aprendido muito com os índios.

NO CONTEXTO DA MISSÃO CHINESA PELOS MARES

Estudante de mandarim há seis anos, logo o vigilante-historiador se faria um dos grandes pesquisadores das expedições chegadas à Ilha por ordens do imperador Zhu Di. O chefe da dinastia alistou cinco almirantes para, sob o comando de seu homem de confiança, o almirante Zheng He, cumprirem uma desafiadora missão: descobrir terras além da África e cartografar todos os oceanos do mundo. O imperador estava decidido a implantar uma importante mudança cultural no mapa político e geográfico do planeta. Desejava romper definitivamente com uma tradição de milênios, pela qual os chineses mantinham-se fechados ao olhos do mundo. Nessa expedição, Hong Bao seria o responsável pela “descoberta” de terras, hoje conhecidas como Brasil. Junto com ele, outros chineses, indianos e um africano de nome Kebec, empreenderiam uma impactante relação com os índios Avás, que significa gente em Guarani e substitui a denominação europeia de Carijós (índios escuros e claros).
Na hipótese do historiador, algumas inscrições são feitas de símbolos indígenas e outras de caracteres chineses

Conta o livro, sempre preservando o tom solene e misterioso de um grande épico que versa sobre o encontro de dois povos de diferenças abissais: “Hong Bao é o comandante da missão que se dirige para a terra do Oeste. Sob suas ordens homens e mulheres viverão em comunhão com ideais confucianos. O mundo dos nativos Avás nunca mais será o mesmo. Os chineses levarão seu conhecimento e em troca receberão o respeito dos povos desta terra”. Além de criar a história amorosa de Iracema e Xiao, o romance fala da vida simples do cacique e de seu povo, a trama de Seci para roubar Xiao de Iracema e as armadilhas feitas pelas índias amazonas para capturar seus prisioneiros. Pergunto se essa relação não foi romantizada, considerando que na história mundial os países expedicionários sempre foram truculentos e dominadores com outros povos em suas explorações marítimas. E ele me responde com uma aula sobre o pensamento e a história chinesa, segundo a qual os ditadores que barbarizaram a Ásia não eram de fato chineses, mas pertenciam a outras nações que invadiram a própria China, como os mongóis e manchus. “Ao contrário das explorações europeias que marcaram nossa colonização, a base desse relacionamento chinês com outros povos sempre foi a paz e o respeito”, garante, citando várias fontes bibliográficas e episódios históricos.
Revista em quadrinhos ilustrada pelo próprio autor

Em 2013, Fausto viajou à China a convite da Universidade de Macau e da Universidade de Shanghai para participar do seminário Viagens Marítimas Chinesas do Século XV. Nessa expedição de rota contrária aos antepassados de Hong Bao, apresentou seu trabalho sobre as evidências arqueológicas da possível passagem dos chineses pela Ilha de Santa Catarina antes da chegada dos portugueses, na Associação Macau para promoção e Intercâmbio entre Ásia-Pacífico e América Latina (Mapeau) na cidade de Macau. Em dezembro de 2016, já era o maior especialista no assunto e viajou a vários centros acadêmicos de pesquisas sobre explorações marítimas da China, em cidades como Beijing, Nanjing, Guangzhou, Hong Kong, entre outras, para divulgar seu terceiro livro, em inglês: From the Shan Hai Jing to the Epic Journeys of Admiral Zheng He in the XV Century; Where the Chinese visiting the Americas and Brazil over 4000 years ago? Por todos os institutos de pesquisa onde passou, só recebeu um gesto de imediato reconhecimento de ideogramas chineses quando mostrou as inscrições rupestres do Santinho e da Ilha do Arvoredo: “tui, tui, tui” (sim, sim, sim), respondiam-lhe com aquele gesto de cabeça afirmativo típico dos chineses. 

Na Califórnia, onde o interesse pelo tema é fortíssimo, há também inscrições rupestres com evidências de ideogramas. Os estudos apontam, contudo, que elas resultam de visitas chinesas mais antigas ao continente americano, de cerca de dois mil anos atrás, o que poderia perfeitamente ter ocorrido no Brasil. “Quando se fala em história, tudo são possibilidades”, reconhece Fausto, que não tem a pretensão de ser a última palavra a vencer essa distância de milênios, mas coloca em dúvida a vulgata do pioneirismo ocidental a partir das pegadas orientais que encontra pelas praias e no próprio corpo dos Guarani. “Não podemos mais é manter no encobrimento a presença de culturas anteriores à chegada dos navegadores europeus”. 

Em outubro, o pesquisador anônimo em sua terra, mas famoso entre os sinólogos do Oriente e dos EUA, apresentará seu trabalho num simpósio de quatro dias sobre diáspora chinesa pelo mundo e pelo Brasil, na Califórnia, no hotel Hilton, em São Francisco. Essas viagens a convite de outros países são sempre patrocinadas, mas as pesquisas de campo ou documentais resultam de investimentos do próprio bolso. De tanto estudar as expedições não-ocidentais ao Brasil antes da invasão europeia, ele próprio se tornou um navegador a refazer obstinadamente, pelos livros ou pelas explorações físicas, as pontes que fazem as ligações estreitas entre dois povos muito mais próximos do que nossa vã herança ocidental é capaz de imaginar…
(Por Raquel Wandelli no https://jornalistaslivres.org/)

MAR DE POETA

TRABALHADORES DO MAR

Foto Fernando Alexandre

Capitão Aldemir, Chiquinho e Fabrício - três gerações no remo e no espinhel no Pântano do Sul!


sexta-feira, 27 de novembro de 2020

MAR DE POETA


 Itaguaçu

Numa noite encantada
um sarau ao luar
bruxas em revoada
vão fazer um sabá

São mágicos seres
dos mitos e lendas
fantásticos entes
marcante presença

Lobisomem já vem
curupira vai lá
caipora também
foi buscar boitatá

Um baile assombrado
palco: Itaguaçu
só não foi convidado
"coisa ruim", belzebu

Porque fede a enxofre
e é muito encrenqueiro
tem um bafo de podre
não se aguenta o cheiro

Mas o bicho é danado
descobriu a festança
e entrou escondido
pra armar a vingança

Arrumou rebuliço
bem no meio da dança
ele lança um feitiço
inerte a caterva descansa

Aplicou sua regra
e os fez imortais
eternos em pedra
os elementais
(eternas em pedra
o amor de Cascaes)

TRABALHADORES DO MAR

Foto Fernando Alexandre

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

MAR-CAIS


Foto Júlio D'Acâmpora
Cochilo. Na linha
eu ponho a isca de um sonho.
Pesco uma estrelinha.

(Guilherme de Almeida, "Meus haicais", Poesia vária, 1947)

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

MAR-CAIS

Foto Andrea Ramos
Quem tem costas quentes
nem liga
para as frentes frias

(Luis Dolhnikoff)

VENTOS SE INVENTAM

Foto Fernando Alexandre
Vento Sul suja,
Vento Sul limpa...
(Dito popular ilhéu)

O PEIXE NOSSO DE CADA DIA


Um país com dimensões continentais. Um litoral com mais de 8000 quilômetros de extensão. Um território que abriga 12% da água doce do planeta. Uma dedução imediata: aqui peixe não falta! Mas não é bem assim.
No Caminhos da Reportagem desta semana vamos ver que o litoral brasileiro não é tão favorecido quando o assunto é quantidade de peixes e que a pesca industrial não é explorada em todo seu potencial.
Atualmente o Brasil produz 1 milhão e 250 mil toneladas de pescado por ano atrás de vizinhos com litoral e territórios bem menores como o Chile e a Argentina. Além da produção abaixo da desejada, o peixe que ainda chega de maneira tímida à mesa dos brasileiros é considerado caro. A equipe de reportagem visita os estados de Santa Catarina e do Pará, os maiores produtores do Brasil, para saber como funciona o mercado do peixe no país.

O programa vai mostrar os caminhos que o peixe toma do mar ou rio até a mesa do consumidor: as dificuldades da pesca artesanal; o papel dos atravessadores; as incertezas da pesca em alto mar; o beneficiamento industrial; a diferença cada vez maior na balança comercial do produto; a madrugada agitada das negociações no maior mercado ao ar livre da América Latina; a variedade de sabores dos peixes brasileiros e as perspectivas oferecidas pela aquicultura, uma alternativa para o esgotamento dos estoques pesqueiros.

(Publicado em 19 de fev de 2013)

NAVEGANDO COM AS CARAVELAS

Ilustração: http://www.causamerita.com/

Caravelas, o Brasil deve um favor à elas, conheça


“Foi a partir da experiências feitas em barcos de pesca construídos pelos ‘fatimidas’ nos célebres estaleiros muçulmanos da ilha de Rawda, no Nilo, onde hoje fica a cidade do Cairo, que os carpinteiros árabes devem ter construído o primeiro cárabo latino de pesca que, através da simples adaptações do aparelho (sistema vélico) e pouco mais, deu lugar às caravelas latinas, sabiamente aproveitada pelo Infante D. Henrique. Mas a vela latina triangular já existia no Egito,quando os árabes aproveitaram para aparelhar o seu cárabo de pesca.” Assim escreveu José Quirino da Fonseca, em As Origens da Caravela Portuguesa.

Os barcos que vieram dar nas costas da Bahia há muito já existiam. Foram, apenas, melhorados pelo gênio lusitano, que adaptou-os para o seu périplo marítimo entre os séculos 15 e 16.
A invasão da Península Ibérica pelos mouros

A invasão da península Ibérica começou a partir de 711. Tropas muçulmanas oriundas do Norte de África cruzaram o estreito de Gibraltar, penetrando na península Ibérica onde ficaram até 1492.

Todos os historiadores lusos, incluso o maior, Jaime Cortesão, não se cansam de explicar que foi a partir deste movimento que os portuguesas avançaram na ciência náutica como um todo, especialmente na arte da construção naval.
Os avanços náuticos dos lusos através de sua convivência com os muçulmanos

Os mouros foram a cadeia transmissora das técnicas e saberes orientais para o Ocidente, escreveu Quirino da Fonseca. Cortesão foi além. Em sua agora máxima, O Descobrimento Portugueses, explicou a influência árabe: “os descobridores portugueses sulcarão os mares em caravelas, e ao ‘pesar o sol‘ (mediar a altura do astro) para saber a ‘ladeza’ (latitude) dum lugar. Farão girar a alidade do astrolábio e consultarão o almanaque para conhecer a declinação solar. E nestas palavras ouvirão o eco da cultura (referindo-se à cultura que os árabes trouxeram) dum povo que agora, combatem, mas cujos ensinamentos, sem o saberem, testemunham a cada hora.”

Todas as palavras grifadas foram invenções dos árabes, como o astrolábio, ou conceitos que eles trouxeram do Oriente para o Ocidente, acelerando o conhecimento luso.
A Caravela: origens

Sabemos que o sistema de velas veio dos muçulmanos. Que as cartas náuticas, e o astrolábio, também são criações deles, assim como o almanaque náutico. E que as influências que estes receberam, remontam ao tempo dos faraós. Mas, como, e quais foram, as transformações lusas nas caravelas?
Barcos que precederam as caravelas portuguesas

Mário de Vasconcelos e Sá, capítulo A Arquetetura Naval dos Séculos 15 e 16, do livro, O Século dos Descobrimentos: “Os primeiros achamentos no tempo do Infante D. Henrique, foram realizados em barchas, barcas, e barinéis.
Já imaginou dobrar o Bojador num tróço destes? (Ilustração:http://wwwblogdidi.blogspot.com.br/)

A barcha em que Gil Eanes cometeu a proeza de passar o Cabo Bojador, em 1434, tinha uma só coberta e um só mastro. Com vela redonda e cesto de gávea. Teve origem nas nossas barcas costeiras como se vê no Chafariz de Arroios, em Lisboa, sem castelo, com um só mastro para vela quadrangularar.”
Eis o relevo mencionado e a Barcha (Foto:ruasdelisboacomhistria.blogspot.com)

Quem explica é Mário de Vasconcelos e Sá: “no século 13 a palavra caravela, no sentido de barco de pesca e transporte, tal como os cárabos mouriscos (aportuguesamento do grego κάραβος, um barco ligeiro usado no mediterrâneo), aparece por três vezes, já no foral que D. Afonso III, em 1255, doou à Vila Nova de Gaia.
O cárabo mouro (Ilustração:

Vasconcelos e Sá explica as modificações impostas: ” o caso foi alterado na largura e comprimento. O fundo era pouco mais estreito que o dos navios redondos, e o casco, provido de esporão, era como as galés e os navios a remos. Não tinha castelo à proa, ao contrário da galé.”
A galé (Ilustração:https://pt.wikipedia.org/wiki/Gal%C3%A9)

Continua Vasconcelos e Sá, “na forma e proporção do comprimento e de boca do casco das caravelas foram felizes os portugueses. Pois que, opondo menor resistência à deriva, maior facilidade tinham de virar, como se tratasse de navios de remos. Assim se explica o motivo por que esta forma de casco, aliado ao aparelho, permitia virar rapidamente de bordo, com segurança e facilidade.”
Repúblicas italianas também dão sua contribuição à Portugal

Jaime Cortesão: “São de sobra conhecidas as relações entre a marinha portuguesa e a escola náutica e cartográfica de Genova, personalizada de princípio pelos almirantes genoveses que reorganizaram, no primeiro quartel do século 14, a marinha de guerra portuguesa.
As primeiras caravelas portuguesas

E assim, como essa mistura que remonta à quase todos os povos navegadores antigos , nasce, aos poucos, a caravela. Depois de seu uso inicial, ela continuou a passar por modificações, desta feita em razão das observações dos próprios lusos.

Mário Vasconcelos e Sá, em as caravelas de Bartolomeu Dias (o real descobridor do Brasil segundo Cortesão) diz o seguinte: “os navios em que Bartolomeu Dias executou a façanha da passagem do Cabo das Tormentas ou do Diabo eram embarcações resistentes e construídas conforme ensinamentos de exploração marítima de Diogo Cão. O casco aproximou-se da forma do da nau. O aparelho passou a ter mais um ou dois mastros.
Ilustração:pt.slideshare.net

A conquista do Atlântico começou com a aperfeiçoamento dos veleiros. Aperfeiçoando o navio, os portugueses inventaram a caravela de aparelho- duplo: velas quadradas para andamento do vento traseiro, velas latinas para o vento de frente. Sem essa combinação é natural que os portugueses nunca tivessem podido descer e subir a eterna corrente dos alisados (ventos alísios). As embarcações que Vasco da Gama atingiu a Índia, em 1497, eram do novo tipo: naus São Gabriel e São Rafael.”
Nau São rafael (Ilustração:http://www.notapositiva.com/)

Outra ilustração dos navios de Gama.

A frota cabralina

“No que diz respeito às naus é de aceitar-se que as maiores, como capitânia e El- Rei, excedessem os 200 tonéis. Sem ultrapassar no entanto o limite de 300. E as menores, como a Anunciada, ficassem entre 100 e 200 tonéis. A média de sua arqueação orçaria o dobro das naus de Vasco da Gama, a maior das quais não passava de 100 tonéis, conforme Duarte Pacheco Pereira. O que mostra a rápida evolução da marinha portuguesa em três anos apenas, de 1497 a 1500.” Esta a descrição da frota, de Luis Adão da Fonseca, no livro Pedro Álvares Cabral- Uma Viagem.

As naus e caravelas de Cabral

Adão da Fonseca: “A armada de Cabral, a maior até então reunida, contava com 13 navios. As naus constituem o grosso da frota. São ao todo dez navios. As maiores capitaneadas por Cabral e Sancho de Tocar, aproximam-se dos 300 tonéis. As caravelas, em número de três, seriam redondas, de cerca de 100 tonéis, com comprimento total de cerca de 25 metros.”
Ilustração:

Fontes literárias: O Século dos Descobrimentos, vários autores, ed. Anhambi; Pedro Álvares Cabral – Uma Viagem, Luis Adão da Fonseca, Ed.INAPA; As Origens da caravela Portuguesa, Pedro Quirino da Fonseca, Ed. Chaves Ferreira – Publicações.

Fontes virtuais: http://ruilyra.blogspot.com.br/2014/12/caravelas-e-naus-um-choque-tecnologico.html; https://www.google.com.br/search?dcr=0&biw=1600&bih=738&tbm=isch&sa=1&ei=BrPCWvSpMYOvwgT7j524AQ&q=a+frota+de+Cabral&oq=a+frota+de+Cabral&gs_l=psy-ab.12…3348405.3353196.0.3356217.19.17.1.0.0.0.384.2359.0j8j2j2.12.0….0…1c.1.64.psy-ab..6.9.1116…0j0i67k1j0i24k1j0i8i30k1.0.squRSzdmkCU#imgrc=WuP733UjfCWpOM; http://ahistoriaeofato.blogspot.com.br/2015/01/cabral-1467-1520-cabralmoco-oleo-de.html; https://stravaganzastravaganza.blogspot.com.br/2017/06/a-viagem-de-pedro-alvares-cabral-25.html.

(Do https://marsemfim.com.br/)

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

NA LÍNGUA DO CHICO OLIVÉRIO!


CAÇA DE MALHA – Forma de pescar tainha fora da praia e utilizando embarcações. 
CALÇA DE VELUDO E CÚ DE FORA – Expressão utilizada para dizer que uma pessoa está tentando aparentar mais do que é. 
CAMARADAS – Pescadores parceiros, que fazem parte de um mesmo grupo de pesca. 
CAMBÃO – Pedaço de madeira usado pelos pombeiros – os vendedores ambulantes - para pendurar as balaias. 
CARDO – Caldo. De peixe, camarão etc... 
CARRETÃO – Pequenos carros infantis de fabricação caseira, feitos de madeira e com rodas de rolimã que eram utilizadas para descer ladeiras, chegando a atingir grandes velocidades 
CASINHA – Pequena casa de madeira situada nos fundos da casa e que servia como sanitário.

CATRAMELO – Pau, pinto, orgão sexual masculino. 
CHICO OLIVÉRIO Mentiroso clássico da cidade, falecido nos anos 80 e que era residente na Praia de fora. Seu nome tornou-se um sinônimo de pessoa mentirosa. Hoje, quando se deseja chamar uma pessoa de mentirosa ela é chamada de Chico Olivério.
CABEÇOS - Pedras não muito grandes, pedaços. 
CABELO MOSGARRÉ - Cabelo cortado curto, tipo militar. 
CABELUDA - Fruta amarela e coberta de pelos que dá em árvore de mesmo nome. 
CABREJAR - Ficar sem fazer nada, ao léu, andando à toa. 
CACAU - Chuva forte e rápida.
CACEAR / CACEIAR - Pescar com linha ou rede ao sabor da maré, com o barco solto, à deriva.

MAREGRAFIAS

Olhares e foto de Lengo de Noronha
Mergulhe mais fundo no www.denoronhaarte.blogspot.com

NUM VENTO DE ESPUMAS

Há um murmúrio no ar: o vento sul se aproxima,
o mar, uma renda verde-azul-garrafa
estende sua luz, numa imensa tarrafa
e levanta seu corpo num vento de espumas.

(Osmar Pisani, 1936-2007)

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

É TEMPO DE CAMARÃO

Foto Divulgação
BOBÓ DE CAMARÃO

Ingredientes

700 gr de camarão médio limpo
500 gr de aipim cozido
1 vidro de leite de coco
2 colheres (sopa) de azeite de dendê
2 colheres (sopa) de azeite de oliva
1 cebola cortada miudinha
4 tomates maduros sem pele e sem semente, cortados em cubinhos.
1/4 de pimentão verde (opcional) sem semente
2 folhas de louro
2 colheres (sopa) de suco de limão
4 colheres de cheiro verde picado
sal e pimenta moída na hora
Fazendo...

Numa travessa coloque o camarão, o tempero verde, meia cebola, o louro, o suco de limão, sal e pimenta e o azeite e deixe tomar gosto por aproximadamente 30 min.
Cozinhe o aipim até amolecer bem, amassando-o em seguida e batendo - ainda quente - em um liquidificador ou processador com um vidro de leite de coco. Caso seja necessário coloque um pouco da água do cozimento.

Em seguida numa panela funda refogue num pouquinho de azeite a cebola restante, acrescente o tomate e o pimentão e continue refogando. Por fim acrescente o camarão temperado. Deixe cozinhar um pouco. Lembre que o camarão cozinha rápido e ele não deve estar totalmente cozido quando for colocado o aipim.

Na sequência incorpore o aipim com o leite de coco. Coloque o azeite de dendê. Faça uma correção de sal e pimenta, se necessário. Deixe cozinhar um pouco para os sabores misturarem.

Acompanhe com arroz e/ou salada.

CAMINHOS...

Foto Anilda Jaeger

MAR - CAIS


Foto Fernando Alexandre
Tudo abandono
menos o mar
(Jairo Schmidt)

FÉRIAS DE VERÃO? COISA DE COMUNISTA!

A Riviera Francesa. Paul Rysz / Flickr

Os socialistas inventaram as férias de verão

Por
David Broder
Tradução
Cauê Seigner Ameni

O trabalho no verão é insuportável, sobretudo quando não temos um tempo de folga. Na França dos anos 30, o movimento trabalhista fez da luta por férias remuneradas uma prioridade – e obrigou os patrões a pagar pelo nosso lazer na praia.

O sol não brilhava para a França burguesa no verão de 1936. As senhoras da alta sociedade queixavam-se que as hordas invasoras de proles estavam ocupando muito espaço em suas praias favoritas; os donos de restaurantes da Côte d’Azur até se preocupavam se os operários que chegavam em seus resorts saberiam usar uma faca e um garfo. Em junho daquele ano, o governo socialista tinha acabado de garantir a todos os trabalhadores duas semanas de férias pagas, tornando as férias de verão uma realidade para milhões. Agora, os trabalhadores podiam parar de fabricar bicicletas e baguetes por duas semanas e começar a construir castelos de areia – e seus chefes tinham que pagá-los por isso.

A lei que deu férias aos trabalhadores foi aprovada pelo primeiro-ministro socialista judeu Léon Blum, eleito em maio. No entanto, a mudança aconteceu, principalmente, devida ao poderoso movimento de greve que se seguiu à sua eleição. Em todo o mundo, os sindicatos resistiram por muito tempo à dominação da vida pelo trabalho: a greve geral iniciada em Chicago no dia maio de 1886 iniciou a exigência de “oito horas para o trabalho, oito horas para o descanso, oito horas para o que quisermos”. Após a conquista dos limites legais do horário de trabalho e, em seguida, a invenção dos fins de semana, no século XX, a cruzada trabalhista pelo tempo livre começou a brigar por feriados remunerados.

Tendo as raízes surgidas primeiramente na França, o período de férias remuneradas foi logo alcançado em outros lugares, em muitos casos complementados por direitos como salário por doença e licença de maternidade. A luta pelas férias não era apenas para dar aos trabalhadores uma quinzena de liberdade por ano para voltar em seguida ao chão de fábrica. Impulsionada por uma nova cultura de massa, a luta para expandir o campo do lazer também tinha como objetivo democratizar as sociedades em que vivemos. Os trabalhadores franceses não apenas conquistaram o direito de férias, como construíram albergues, acampamentos e clubes sociais pelos quais poderiam passar melhor seu tempo juntos.

Construindo uma barraca ampla

Otempo livre sempre foi um campo de batalha político. O movimento trabalhista inicial era uma colmeia de sociedades e cooperativas amigáveis, através das quais os trabalhadores reuniam seus recursos para fazer melhor uso de seu tempo ocioso. Desde 1919, os prefeitos socialistas e comunistas de Ivry-sur-Seine, um subúrbio de Paris, administraram um fundo de solidariedade para proporcionar aos filhos dos trabalhadores viagens às praias. Assim como organismos como o YMCA promoveram formas de recreação compatíveis com os valores cristãos, os partidos dos trabalhadores criaram atividades de lazer, esportes e sociais – dentro do tempo livre que pudessem encontrar.

No verão de 1936, foi revindicada uma ação governamental para universalizar o pagamento de férias anteriormente alcançado por uma pequena minoria de trabalhadores. Entretanto, o sucesso dessa ideia não é mérito apenas de Léon Blum, ou da Frente Popular que uniu os socialistas aos liberais radicais e comunistas. O programa que a Frente Popular anunciou antes das eleições de maio de 1936 foi cauteloso: prometeu nacionalizar as indústrias de guerra e dar maior liberdade aos sindicatos, mas seu pedido por “uma redução na semana de trabalho sem redução nos salários semanais” não indicava como e quando redução poderia ser feita.

O triunfo eleitoral da Frente Popular em 3 de maio de 1936 – com 57% dos votos – inspirou um clima de mudança mais amplo. Em 11 de maio, trabalhadores ocuparam uma fábrica de aeronaves para exigir a reintegração de dois colegas demitidos na greve; isso levou a uma ação solidária dos estivadores, iluminando o caminho para um movimento mais amplo. A greve se espalhou por milhares de locais em toda a França, abrangendo cerca de 2 milhões de trabalhadores. A atmosfera festiva nas fábricas ocupadas mostrou não apenas que os trabalhadores se sentiam encorajados, mas também que tinham grandes expectativas em relação ao que viria a seguir.

Encorajados pela onda de greves – mas também cautelosos com conflitos sociais prolongados – Blum buscou um acordo com os empregadores que também satisfizesse os ativistas nos principais partidos de esquerda. Nos dias 7 e 8 de junho, o primeiro-ministro socialista, os sindicatos e os empregadores selaram os Acordos de Matignon, promulgando uma versão mais detalhada – e, de fato, mais radical – das promessas do manifesto da Frente Popular. Os chefes tiveram que engolir um limite de quarenta horas semanal de trabalho (sem perda de pagamento), maiores liberdades sindicais e pelo menos duas semanas de férias pagas para cada trabalhador.

República da juventude

Os trabalhadores conquistaram o direito de férias remuneradas por meio de ações solidárias. Isso também foi moldado pelos debates anteriores sobre o que realmente significava férias. Na época de Karl Marx, uma viagem à praia era frequentemente vista em termos de restauração da saúde, longe da sujeira e da fumaça da cidade – a historiadora Yvonne Kapp observa como ela ficou obcecado com os benefícios de viagens à beira-mar “tanto na área médica quanto à leitura, uma panaceia perdendo apenas para o álcool“. Mas o que os trabalhadores realmente faziam no período de folga continuava sendo uma questão um tanto quanto disputada no início do século XX.

Como observa o historiador Gary Cross, muitos socialistas denunciaram o efeito prejudicial que a rotina da fábrica teve na saúde dos trabalhadores, privando-os de exercer outras atividades, como a intelectual, para fazer mais do que consumir passivamente entretenimento. As críticas aos esportes e jogos de azar eram comuns no movimento trabalhista. Os ativistas da “temperança” expressaram não apenas o moralismo cristão, mas o reconhecimento de que os trabalhadores não deveriam desperdiçar a renda da família em bebidas. Os partidos de esquerda se concentraram em promover a educação política, mas também em atividades mais lúdicas, como bandas musicais, buscando atrair trabalhadores para atividades mais intelectual.

No entanto, a esquerda queria fazer mais do que integrar os trabalhadores mais politizados – especialmente quando a extrema direita promoveu sua própria visão de lazer em massa. Desde 1925, as organizações “Depois do Trabalho” e “Balilla” do fascismo italiano forneceram atividades de lazer subsidiadas pelo Estado e, a partir de 1935, o programa “Força através da alegria” da Alemanha nazista usou recursos do Estado para promover atividades esportivas e feriados coletivos que exaltavam “valores nacionais ”, dividindo as divisões de classe. A Frente Popular procurou, assim, promover sua própria visão democrática do que poderia ser o lazer.

Isso ficou especialmente evidente no trabalho do subsecretário de Estado para esportes e lazer do prefeito Blum, um posto ocupado por Léo Lagrange. Refletindo os diferentes objetivos da política de lazer, esse papel criado pelo governo da Frente Popular foi inicialmente vinculado ao Ministério da Saúde, mas depois transferido para o Ministério da Educação. As escolhas de Lagrange também refletiram a diferença entre imperativos socialistas e fascistas. Como ele disse, a preocupação da Frente Popular não era apenas relaxamento, mas promover a dignidade dos trabalhadores. Por exemplo, em contraste com o esporte de elite exibido nas Olimpíadas de Berlim, Lagrange pretendia “menos criar campeões e levar 22 jogadores ao estádio diante de 40.000 ou 100.000 espectadores, do que convidar os jovens de nosso país a ir regularment no campo de jogo e na piscina”.

A chave aqui foi o foco na capacidade do lazer para superar as divisões de classe – Lagrange não apenas patrocinou a “Olimpíada do Povo” em Barcelona, alternativa às Olimpíadas de Hitler, mas também proporcionou passeios a trabalhadores agrícolas de outras regiões a Paris. O apoio do governo às associações dirigidas por membros visava promover uma gestão coletiva do tempo de lazer, livre do patrocínio associado a iniciativas da igreja ou de caridade: para Lagrange, isso permitiria ao “mineiro, artesão, camponês, pedreiro, balconista e o professor entender gradualmente a unidade do trabalho humano”.

Essa experiência ecoou nas iniciativas de baixo. De 1935 a 1938, o “Sindicato do Esporte e Ginástica Laboral” da CGT aumentou de 42.000 para 100.000 membros, ao adotar o pedido de um “clube para todas as fábricas”. Obviamente, assim como os trabalhadores não podiam se dar ao luxo de sair de férias sem licença remunerada, eles também precisavam gastar seu tempo de uma forma economicamente viável. As viagens de trem subsidiadas (com desconto de 40%) forneceram uma bases para uma parte dessa política, mas também foram os comitês locais da Frente Popular, organizações como “Holidays for All” (que prometiam “mais do que uma versão barata do turismo burguês”) e o CLAJ associação de albergues da juventude.

Como o próprio nome sugeria, o CLAJ – o “Centro Secular de Albergues da Juventude” – era uma alternativa às associações religiosas de lazer, ficando em grande parte sob o domínio comunista. Aumentou bastante sua presença durante a época da Frente Popular, de 45 albergues em 1933 a 90 em 1935 e 450 em 1938. Fornecer acomodações baratas para dezenas de milhares de pessoas também alimentou uma liberalização dos costumes sociais. Se a política formal foi desencorajada, a revista Le Cri des Auberges do CLAJ proclamou “todo albergue é uma república da juventude”, rompendo com o modelo de “férias em família” nas propagandas da Frente Popular.

Como observa o historiador Siân Reynolds, o papel do CLAJ foi particularmente importante por causa dos costumes sociais mais livres que promoveu e, em particular, pelo fato de não ser segregado por gênero (embora os dormitórios fossem). A socialização coletiva entre home e mulher, a disseminação do “você” ou “tu” coloquial sobre os valores formais e a falta de códigos de vestimenta para as mulheres se baseavam na prática existente da Juventude Comunista, enquanto minavam as hierarquias de gênero: para Lucette Heller-Goldenberg, elas “pararam as relações falsas entre uma jovem que se esforça para conseguir um marido e um jovem que procura uma vítima”.

Um raio de luz

AFrente Popular não era só sorrisos e sol – afinal, foi criada como uma muralha defensiva contra ascensão do fascismo, e alguns dos colegas de Lagrange encararam com mais gentileza os benefícios “patrióticos” da mistura cultural do que sua capacidade de minar os costumes familiares. No entanto, a política de Blum teve grandes efeitos, inclusive no surgimento de uma prática semelhante na Grã-Bretanha. Embora os esforços legislativos em Westminster tenham falhado em 1929 e 1936, a crescente demanda dos sindicatos por férias remuneradas, inspirada no exemplo francês, viu o número de trabalhadores que conseguiram tais licenças subir de 1,5 milhão em 1935 para 7,75 milhões em março de 1938.

A pressão financeira e a Guerra Civil na Espanha encerraram a Frente Popular naquele outono. Os radicais liberais se voltaram para os conservadores, implodindo as principais medidas de Blum, que foram destruídas completamente sob a ocupação alemã. O próprio Lagrange foi morto em junho de 1940. Blum, enquanto isso, foi julgado por traição em 1942. Defendendo seu histórico, ele usou o tribunal para defender sua política de lazer, subvertendo a retórica dos valores familiares do regime de Vichy. Para o socialista judeu, férias pagas ofereceram um “raio de luz às vidas sombrias e difíceis”, não apenas para “proprocionar facilidades para a vida familiar, mas proporcionar uma promessa para o futuro com uma esperança”.

Este raio de luz seria lembrado por muito tempo. As notas da música de 1936 de Charles Trenet “Y’a d’la joie” ecoaram ao longo dos anos, enquanto os fotógrafos Henri Cartier-Bresson e Pierre Jamet, membro do CLAJ, imortalizaram a alegria de viver de carona e acampamentos rudimentares. A luz do verão de 1936 foi, sem dúvida, aliviada pela escuridão do que se seguiu sob o domínio de Vichy. Alguns historiadores o retrataram como um mito reconfortante – para Julian Jackson, imagens de “multidões que saíam de trens partindo se tornaram um símbolo tanto de 1936 quanto as barricadas de 1968“.

No verão de 1940, as famílias parisienses fizeram as malas para um tipo diferente de jornada – por causa da evacuação da capital diante da invasão alemã. No entanto, mesmo nos dias sombrios de ocupação, o verão que aconteceu quatro anos antes deixou mais do que boas lembranças. Os partidos comunista e socialista ainda estavam de pé, banidos pelos conservadores e por Vichy. As estruturas que os trabalhadores criaram para aproveitar ao máximo seu tempo livre conquistado também foi usada como uma rede de solidariedade para os militantes sobreviverem ao período da ocupação. Após a invasão alemã, a rede da CLAJ tornou-se a base da resistência armada.

Hoje, nosso tempo livre enfrenta outros inimigos que não são as tropas de assalto nazistas. Os chefes estão usando nossas condições precárias e nossos telefones celulares para nos manter constantemente de plantão, acorrentados ao trabalho e desesperados por novos turnos surpresas. Mas o pagamento de férias é justamente feito para nos libertar da escolha entre tempo livre e o emprego de que precisamos – é uma obrigação de todos os empregadores nos pagar uma parte do tempo livre, independentemente de suas circunstâncias particulares. Na França dos anos 30, a luta por férias remuneradas criou uma estrutura para dar suporte e condições aos trabalhadores, às custas de seus chefes. É exatamente disso que precisamos hoje.

SOBRE O AUTOR

David é historiador do comunismo francês e italiano. Ele está atualmente escrevendo um livro sobre a crise da democracia italiana no período pós-Guerra Fria.