Na colônia de pescadores mais antiga da Grande Recife, em Itapissuma, trabalhadores já veem fluxo de clientes diminuir por medo de contaminação/TERESA MAIA
O pesadelo ambiental do Nordeste ameaça pescadores e PIB do turismo
Secretário de turismo de Pernambuco e representantes do setor se reúnem com ministro para debater medidas preventivas. “Tem cliente dizendo que vai ficar sem comer peixes e crustáceos por três meses”
O vazamento de petróleo que atingiu algumas das praias mais turísticas de Pernambuco nos últimos dias acendeu o alerta nos comerciantes que vivem disso, mas ainda não afeta seu dia a dia. Nesta quarta-feira, o secretário de Turismo de Pernambuco e representantes do setor se reuniram em Brasília com o ministro Marcelo Álvaro Antônio para debater medidas preventivas e informativas, de forma que o litoral Pernambuco, sobretudo ao sul da capital Recife, siga sendo destino no próximo verão. Já o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ocupou a cadeia de rádio e TV nacional para garantir que o Governo tem se empenhado em responder à crise. Também nesta quarta o óleo atingiu mais dois lugares: praia Barra de Jangada, em Jaboatão, ao lado da capital Recife; e a praia do Janga, na cidade de Paulista, ao lado de Olinda. Próximo de lá, em Itapissuma, a mais antiga colônia de pescadores da Grande Recife já vê a frequência de clientes cair por medo de contaminação — ainda que o local não tenha sido atingido. Ao todo, 28 praias do estado foram atingidas ao longo dos últimos 50 dias.
Amarildes Pessoa, de 65 anos, pescador "desde que nasceu", diz que tanto turistas como clientes locais temem que os peixes da região estejam contaminados. Além de abrigar a Z10, a mais antiga colônia de pescadores da Grande Recife, Itapissuma é famosa pela caldeirada, prato com mariscos típico do litoral norte de Pernambuco e que atrai a atenção dos turistas. Alguns donos de restaurante negam que a frequência tenha diminuído. Mas Pessoa garante que, na última semana, as vendas caíram “uns 40%”.
Ele pesca camarão, sururu, ostra, aratu, entre outros, no canal de Santa Cruz. E, além de vender em sua peixaria e abastecer a cidade, comercializa seus os produtos na turística ilha de Itamaracá, em Olinda, no Recife, entre outras localidades. “Não pensei que fosse cair tanto assim. Aqui o óleo ainda não chegou aqui, graças a Deus, mas se o povo tem medo de comer… Aí não vão comprar”, conta. Ele diz que a queixa se estende a outros colegas da colônia de pescadores. “Tem cliente dizendo que vai ficar sem comer peixes e crustáceos por três meses. Não é brincadeira não, meu filho”.
A região de Itapissuma, no litoral norte de Pernambuco, é constituída por manguezais. Se o óleo chega até eles, sua retirada é praticamente impossível, segundo especialistas. É nesse rico ecossistema que Isaías Américo, de 42 anos, busca as ostras que vende. Ao contrário de Pessoa, garante que ainda consegue vendê-las normalmente. “Mas se o óleo vier para cá, acabou”, lamenta.
A 30 minutos dali, na praia do Janga, município de Paulista, centenas de voluntários tentavam retirar da água e das pedras uma grande quantidade de petróleo, cru e bastante grosso, que chegou nesta quarta. Como em outros dias, fizeram mutirão a partir da doação de mantimentos e equipamentos dos pernambucanos que se solidarizaram. Entre esses voluntários, um homem dentro da água retirava com uma peneira os peixes mortos. De acordo com representantes municipais, a vida marinha local pode estar ameaçada, mas garantem que amostras de animais mortos serão enviadas para a Universidade Federal de Pernambuco para avaliar qual é a relação com o vazamento.
A preocupação maior reside do outro lado da Grande Recife, no litoral sul de Pernambuco, especialmente em municípios como Tamandaré, Ipojuca, Cabo de Santo Agostinho e Jaboatão. Nesta última cidade, que está ao lado de Recife, a menos de 20 quilômetros da famosa praia de Boa Viagem, o óleo chegou na madrugada de quarta-feira. Mas a Prefeitura assegura que estava monitorando a área e que conseguiu conter a contaminação a tempo, retirando cerca de cinco toneladas da substância até o fim da manhã.
As cidades mais importantes para o turismo em Pernambuco são Tamarandé e Ipojuca. Na primeira está a turística praia de Carneiros, que foi contaminada na última sexta — e já foi limpa pelos incansáveis voluntários. Já a última abriga um balneário que inclui as praias de Porto de Galinhas, Muro Alto, Maracaípe e Cupe. A primeira se salvou por pouco do vazamento, mas as outras acabaram afetadas. O turismo emprega 50% da população economicamente ativa somente nesse balneário, segundo a Porto Convention. Considerando toda Ipojuca, 20.000 de seus 94.000 habitantes estão empregados no setor.
Outro fator de preocupação é que o litoral sul de Pernambuco é formado por corais. Uma vez atingidos pelo petróleo cru, é praticamente impossível retirá-lo das rochas. A secretaria de Turismo de Pernambuco afirma que 5,9 milhões de pessoas visitaram o estado em 2018. E que Porto de Galinhas é a praia mais visitada de todo o Estado. De acordo com a Porto Convention, 1,2 milhão de turistas passaram pelo local no ano passado.
Até agora, a contaminação de óleo na região parece não ter afetado os planos dos turistas que vão visitar o litoral sul de Pernambuco. O EL PAÍS conversou com responsáveis por pousadas em Maracaípe, Carneiros e Olinda — esta última, apesar de mais longe, é um dos principais pontos de hospedagem daqueles que visitam as praias da região. De acordo eles, ainda não houve pedidos de cancelamento de reserva. A rotina segue praticamente igual. “No sábado, quando aconteceu a contaminação, muita gente ligou pedindo para cancelar, mas conseguimos reverter 90% desses cancelamentos. Agora temos que ver daqui em diante”, conta Fátima Cristina Dias, dona da pousada Maraoka, na praia de Maracaípe. Nos últimos dias ela tem publicado no Instagram fotos da praia, que já foi limpa por voluntários. Garante que a procura até aumentou, enquanto que os cancelamentos de reserva voltaram para seu fluxo normal.
“Nós, do trade turístico e donos de hotéis de Porto de Galinhas, estamos em uma ação de prevenção. As praias de Carneiros e Porto de Galinhas tiveram incidentes pontuais, mas estão limpas. Queremos evitar agora esses efeitos negativos de cancelamento”, explica Danilo Oliveira, vice-presidente da Associação para o Desenvolvimento Sustentável de Carneiros e diretor da pousada Praia dos Carneiros. Ele esteve na reunião com o ministro de Turismo e o secretário de Turismo de Pernambuco nesta quarta-feira. Entre as reivindicações, estão medidas de divulgação de destinos do Nordeste e uma operação de mídia positiva para a região, evitando que se altere o fluxo de turistas. “Isso sim seria uma catástrofe. O que está havendo, ao menos até agora, são pedidos dos clientes de que a gente assegure que não há problemas e que as praias estão próprias para banho. Mas ninguém pediu para cancelar reserva, graças a Deus”, garante.
Oliveira assegura que as praias da região que foram limpas já estão próprias para o banho. Mas isso não é 100% seguro. De acordo com o oceanógrafo Moacyr Araújo, vice-reitor da Universidade Federal de Pernambuco, as pessoas devem evitar entrar nas áreas atingidas pelo óleo e consumir pescados e frutos do mar até que seja identificado o nível de contaminação. Em coletiva de imprensa após reunião do governador Paulo Câmara com a comunidade acadêmica, ele afirmou que novas manchas de óleo podem aparecer nos próximos dias.
"Vem mais óleo por aí. A estimativa é que cerca de 30% a 40% de tudo que nós estamos vendo ainda está no oceano", explicou o especialista. "Nós temos uma corrente que traz da África para a América Central e América do Sul. E esse é o movimento natural das correntes. Só que existem porções dessas correntes que são mais densas, mais fortes e intensas. E ela, nesse momento, por uma configuração geofísica, de ventos e outros fatores, está passeando ao longo da borda leste do Nordeste, ou seja, entre o Rio Grande do Norte e a Bahia. Portanto, em determinado momento, a corrente vai empurrar as manchas para mais próximo daquele estado que ela está na frente", acrescentou.