Josi pescou com o pai e diferentes irmãos. Hoje, pesca com um deles e todo dia leva uma história diferente para casa(Foto: Tiago Ghizoni)
"Amamentava meu bebê durante as pescarias", recorda Josi da Silva, de Florianópolis
Nascida numa tradicional família de pescadores, Josi é a única mulher em um grupo de 60 homens que vivem da pesca artesanal na Armação do Pântano do Sul, na Ilha de Santa Catarina
Por Ângela Bastos
angela.bastos@somosnsc.com.br
Josilene Maria da Silva, 34 anos, a Josi, mora na Armação do Pântano do Sul, em Florianópolis. É filha, neta e bisneta de pescadores. Casada com um servidor municipal aposentado e mãe de Enzo, cinco anos, carrega na memória a imagem da época em que o bebê, com apenas três meses, era amamentado no meio da pescaria. Como precisava passar muitas horas no mar, o jeito era improvisar uma pequena cama no fundo da embarcação. O menino gostava do balanço das águas. Passava a maior parte do tempo dormindo.
Pesco desde os 18 anos. Neste tempo todo só me afastei do mar por 10 meses, quando engravidei. Mas voltei em seguida e três meses depois do parto já tinha o meu mini-marinheiro me acompanhando nas pescarias", recorda.
Mais jovem, Josi trabalhava na tosa e banho de animais. Também foi ajudante de pedreiro de um tio. Estava meio perdida sobre o que fazer quando, certo dia, foi ajudar o irmão a recolher as redes. Gostou tanto que nunca mais parou.
— O mar é uma terapia que limpa a alma e acalma os prantos — compara.
Josi foi a décima a nascer numa família de 11 filhos. Ela já pescou com o pai e diferentes irmãos. Atualmente é parceira de um deles, e a única das mulheres em atividade. Um dos encantos da atividade parece estar na alternância das rotinas:
— Todo o dia tem uma situação nova, uma pescaria que surpreende, uma história diferente. É assim a vida de uma mulher pescadora.
Uma rotina de quem sai de casa à tarde, passa a noite no mar e volta na manhã seguinte. Josi reconhece ser uma atividade pesada. Além de esforço físico, exige muito empenho mental e psicológico. Talvez por isso já tenha decidido: vai se aposentar — deixar de pescar profissionalmente — aos 40 anos.
— A mulher sente mais do que o homem, que tem uma estrutura física mais forte. Além disso, não é só o mar: é casa, é filho, é embarcação, e comércio do peixe. A gente não tem só um emprego, tem quatro, cinco.
Sobre o futuro do filho que se mostra apaixonado pelo mar, diz:
— Mesmo que ele queira pescar, vai ser só por lazer e não por necessidade. Vai ter que estudar para não depender da pesca como meio de sobrevivência.
Em férias, com tempo bom e segurança garantida, Josi permite que o filho Enzo, de cinco anos, dê um passeio de barco, mas quer que ele estude para não depender da pesca para sobrevivência(Foto: Ângela Bastos)
500 metros de rede, uma corvina e pedido à Iemanjá
Nossa equipe acompanhou uma saída de Josi para o mar. Foi em 7 de agosto, um dia de céu limpo e ventos favoráveis. Além de três jornalistas, o irmão, o filho e ela estavam no bote. Cinco horas depois nós voltamos para a retirada das redes. Dos 500 metros de malha saiu apenas uma corvina.
— É assim a vida de pescador — contava, enquanto colhia a rede.
Por isso, a família decidiu investir no turismo e faz transporte de visitantes para a Ilha do Campeche. Isso ocorre nos meses de verão para equilibrar as despesas com redes e embarcação que trabalha nos outros meses. Para ela, a escassez das safras está associada às mudanças climáticas e cita o aquecimento global como um dos fatores. Mas também a pesca descontrolada. Recorda dos tempos em que o pai colocava uma rede de corvina de 30 panos, o que já era considerada uma grande extensão. Hoje, um barco de pesca com guincho faz o mesmo trabalho usando 200 panos.
— Não há limite de malha para capturar um peixe, eles (modalidade industrial) não estão perdoando nada: nem berçário, nem criadouros.
Para Josi existem duas situações bem distintas: enquanto o artesanal espera o peixe vir na costa, o industrial pega toneladas de espécies de diferentes tamanhos.
Josi diz que há quem diga que o peixe nunca vai acabar, e alerta:
Acaba, sim. O mar está mudando, a temperatura do mar está subindo. Antes o peixe procurava a água quente para desovar. Como esquentou, o cardume não vem mais.
Tem outra coisa que incomoda Josi: a sujeira no mar. Na maioria das vezes tem mais galho e tronco de árvore nas redes do que peixe.
— O pessoal invade a praia, constrói casa, vai ocupando aqui e ali. A água leva o entulho, mas um dia a natureza devolve.
Além da diferença física entre homem e mulher, Josi chama atenção para o trabalho extra, como cuidar da casa, da família, da embarcação e até do comércio do peixe(Foto: Ângela Bastos)
Josi usa como exemplo a destruição de casas pela força da maré, em 2010, na Armação do Pântano do Sul. O prejuízo foi tão grande que Exército e Marinha tiveram formar barreiras de contenção com sacas de areia. No lugar das construções antes havia dunas.
— O mar não tira nada de ninguém, só está pegando o que é dele. A natureza é assim, tem o ciclo dela. Ou a gente se adapta, ou a gente vai andar de rolo nas mãos dela.
Josi não se considera uma pessoa religiosa. Mas conta que vez que outra faz um pedido para Iemanjá, entidade que no sincretismo religioso significa a Rainha das Águas.
— Iemanjá, dá uma mexidinha no fundo do mar, dá uma reviradinha para mandar umas coisinhas (peixes) pra nós que estamos precisando.
Mas também acha tempo para agradecer.
— Sempre quando vem peixe, pouco ou muito, eu agradeço. Acho que vem o que tem que vir naquele dia.
Expediente
Reportagem: Ângela Bastos
Edição: Stefani Ceolla
Design: Aline Costa da Silva e Maiara Santos
Fotos e vídeos: Ângela Bastos, Tiago Ghizoni e Jean Carlos de Souza
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* Matéria multimídia originalmente produzida e veiculada no Diário Catarinense e no Jornal do Almoço da NSC TV sobre as mulheres na pesca artesanal em Santa Catarina!