"Veduta della cittá di Nuestra Senhora Del Destero, Nell'Isola di S. Caterina" (Vista da cidade de Nossa Senhora do Desterro, na Ilha de Santa Catarina), século 18, edição italiana - Coleção Marli Cristina Scomazzon/Reprodução ND
Retratos da cidade marítima que se perdeu no tempo
Florianópolis foi um dos três portos mais importantes do litoral brasileiro entre os séculos 18 e 19
por CARLOS DAMIÃO
No mês em que Florianópolis comemora 345 anos de fundação e 292 anos de emancipação (dia 23), ressurgem questões importantes sobre a cidade, provocadas pelos pesquisadores Marcondes Marchetti e Marli Cristina Scomazzon. Uma delas foi apontada durante longa entrevista no dia 22 de fevereiro, cuja primeira parte saiu na edição dos dias 24 e 25 de fevereiro do ND: por que existem milhares de aquarelas, gravuras e desenhos sobre Desterro, elaborados por navegantes estrangeiros durante os séculos 18 e 19? Sendo que pelo menos três colecionadores acumulam a maior parte dessa iconografia no Brasil – a própria Marli Cristina, o médico catarinense Ylmar Corrêa Neto e o casal Paschoal e Ruth Grecco, de São Paulo. Podem existir, ainda, conforme avaliação dos pesquisadores, pelo menos mais três mil documentos do gênero espalhados pelo mundo, em galerias e arquivos públicos ou particulares.
Uma explicação básica – e pouco valorizada – para tantos navegadores terem documentado visualmente aspectos de Desterro/Florianópolis está no fato de que a Ilha de Santa Catarina foi, durante o período colonial, um ponto estratégico da ocupação portuguesa e o terceiro porto mais importante da costa brasileira (os outros eram Salvador e Rio), uma espécie de parada obrigatória dos navios que cumpriam itinerários rumo ao extremo-Sul da América e vice-versa. Estima-se que mais de três mil embarcações cumpriram essa rota durante mais de dois séculos, de onde a conclusão sobre a existência de pelo menos igual número de registros visuais. Como não havia fotografia à época, as expedições em geral tinham pelo menos um desenhista ou aquarelista a bordo, que reproduzia paisagens, edificações, tipos humanos e elementos da flora e da fauna.
Tucano existente na Ilha de Santa Catarina, registro de 1803 - Coleção Marli Cristina Scomazzon/Reprodução ND
Aterro enterrou Desterro
Florianópolis é uma cidade marítima histórica, embora tenha perdido esse valor nos últimos 92 anos. Primeiro, pela construção da Ponte Hercílio Luz, que praticamente extinguiu o transporte marítimo entre Ilha e Continente; segundo, pela desativação do porto localizado na região central (Rita Maria/Arataca); depois, pelo efeito destruidor causado pelo aterro da baía Sul, que afastou o mar para bem longe da Praça Fernando Machado e do Mercado Público. Como disse na década de 1970 o vereador Valdemar da Silva Filho (Caruso), o aterro representou “o enterro do Desterro”. A simbologia dessa frase é muito forte até hoje, porque, de fato, a cidade marítima sucumbiu naquele período (1971-1975).
A volta dos cruzeiros
Sobre o porto central, tanto Marli Cristina Scomazzon quanto Marcondes Marchetti observam que “na verdade, não era o porto principal de Desterro, ali predominavam embarcações de pequeno e médio porte”. As grandes embarcações ancoravam na região de Anhatomirim, que tinha calado maior; de lá partiam lanchas e barcos levando os tripulantes em direção às áreas povoadas da ilha, inclusive o Centro. Os chamados “pombeiros” navegavam entre a ilha e os navios, levando mantimentos em suas pequenas embarcações. “Na verdade, a Rita Maria/Arataca era um grande atracadouro, que serviu durante muito tempo aos navios da Hoepcke. Os maiores navios atracavam na área de Anhatomirim”, confirma o especialista Leandro Mané Ferrari, empresário do setor náutico, fundador da Acatmar (Associação Náutica) e gerente aquaviário da Secretaria Estadual de Infraestrutura.
Tal situação histórica se repete no presente: na semana passada, autoridades estaduais e do município anunciaram a volta dos cruzeiros marítimos, depois de nove anos, com uma escala-teste prevista para o dia 24 deste mês. O gigante Preziosa, da MSC, com capacidade para 4.500 passageiros, será o primeiro transatlântico a chegar à região da Ilha de Santa Catarina, fundeando em área específica de Canasvieiras, onde a profundidade mínima de segurança é de 11 metros.
Leituras indispensáveis
“Ilha de Santa Catarina – Relatos de Viajantes Estrangeiros nos séculos XVIII e XIX” é a melhor referência bibliográfica sobre as visitas de navegadores a Desterro/Florianópolis. A histórica primeira edição (1979) foi coordenada por Marcondes Marchetti, atual presidente do Conselho Estadual de Cultura, e Martim Afonso de Haro. A produção ficou a cargo de Gilberto Gerlach, outro pesquisador incansável, autor de duas obras mais recentes sobre a capital catarinense – “Desterro – Ilha de Santa Catarina” e “Ilha de Santa Catarina – Florianópolis”, com centenas de reproduções de documentos, desenhos, gravuras, pinturas e aquarelas.
[Colaborou, na revisão de tradução do francês, a professora Fedra Rodriguez. Merci].
(Da coluna do Carlos Damião, domingo no https://ndonline.com.br/)
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