O Kasato Maru chegou a Santos em 18 de junho de 1908, trazendo 785 imigrantes
Folhapress
Navio que trouxe japoneses ao Brasil será resgatado por expedição russa
JULIANA COISSI
DE CURITIBA
Ele nasceu inglês, foi comprado por russos e tomado por japoneses. Passou por duas guerras até parar no fundo do mar. Antes, serviu de hospital e fábrica. Transportou carvão, soldados, sardinha. Para os brasileiros, seu papel mais importante foi o de trazer os primeiros 781 imigrantes japoneses ao país, no longínquo 1908.
A história do navio Kasato Maru, símbolo do início da comunidade japonesa no Brasil, está prestes a ser resgatada. Literalmente.
A pedido de brasileiros e por intermédio da Embaixada da Rússia em Brasília, integrantes da Sociedade Geográfica Russa, instituição de pesquisas do país, devem mergulhar em julho nas águas geladas perto do estreito de Bering, onde o navio afundou, em 1945, para remover suas peças e trazê-las ao país.
Ainda não se sabe quais itens estão preservados depois de 71 anos sob as águas do mar, mas envolvidos no projeto almejam recuperar âncoras, leme e utensílios como metais e louças.
O acervo encontrado será exposto em Moscou e outras cidades russas e deve desembarcar em 2017 no porto de Paranaguá, no Paraná.
O termo de cooperação científica para viabilizar a empreitada foi assinado neste mês pela Sociedade Geográfica Russa e o Itapar (Instituto Tecnológico e Ambiental do Paraná), órgão que ficará responsável pela guarda do material.
Segundo Acef Said, presidente do instituto, o destino final das peças ainda será definido com a comunidade japonesa no Brasil, mas algumas certamente serão enviadas a São Paulo e Curitiba, nos Estados que receberam maior número de imigrantes.
SONHO
Buscar a âncora do Kasato Maru é sonho antigo da comunidade nipônica, conta Said. Em 2005, perto do centenário da imigração, deputados federais descendentes buscaram ajuda da Rússia, onde o navio afundou. As tratativas, no entanto, não avançaram na época.
Em 2011, teve início uma nova tentativa de tornar a ideia realidade. De acordo com Said, que fez a interlocução para o resgate, foi o embaixador russo Serguey Akopov o responsável por encontrar a solução.
A alternativa foi ir além do caráter histórico e tornar o projeto uma expedição científica, que aproveitasse para estudar, por exemplo, biologia marinha e efeitos do aquecimento global.
Com este viés de pesquisa, foi possível que assumisse a expedição a Sociedade Geográfica Russa, entidade que tem como membro o presidente Vladimir Putin, além de navios e equipes de mergulho acostumados a pesquisas do gênero.
A intenção é envolver estudiosos dos dois países. Segundo o primeiro-secretário da embaixada, Yuriy Mozgovoy, os custos da expedição ainda serão estimados.
"Foi uma decisão [da Rússia] por razão humanitária, cultural, de apoiar uma parte da população brasileira que fez esse pedido e de realizar esse sonho. Por que não?", disse Mozgovoy.
O gesto dos russos agrada brasileiros e japoneses.
"É um navio muito simbólico para nosso imigrante porque foi o primeiro. Vários vieram depois, mas ele foi o pioneiro", afirmou o cônsul Jiro Takamoto, do Consulado-Geral do Japão em São Paulo.
O órgão estima em 1 milhão o número de descendentes no país.
DO COMEÇO AO FIM
Por uma coincidência da história, a Rússia, mais uma vez, será personagem-chave na trajetória do Kasato Maru. É que foram os russos que compraram o navio, o afundaram duas vezes e, agora, irão resgatá-lo.
Adquirido de um estaleiro em Newcastle, no Reino Unido, em 1900, o navio nascido Potosi foi rebatizado de Kazan. Cinco anos depois, em uma batalha com japoneses, os russos, derrotados, decidiram não deixar a embarcação para os inimigos e a afundaram antes de fugir.
O Japão, porém, resgatou e consertou o navio. Depois, a embarcação foi incorporada à marinha imperial.
Em junho de 1908, o Kasato Maru desembarcou no porto de Santos (SP) com as primeiras famílias japonesas contratadas para a agricultura, em acordo feito entre os dois governos.
Em 1945, durante a Segunda Guerra Mundial, o navio afundou após ser bombardeado por aviões russos perto da península de Kamchatka.