Redes anilhadas garantem produção de tainhas em comunidades pesqueiras do litoral catarinense
Em Florianópolis, pescadores embarcados da Armação e da Barra da Lagoa, aproveitam entrada da frente fria e capturam primeiros cardumes. Em todo o Estado, já são 26 toneladas
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FOTO Eduardo Valente/ND |
Nos últimos dois dias foram pescadas 16 toneladas de tainha no Estado
Carregado, o bote Leomar permaneceu fundeado toda a tarde de segunda-feira, na enseada da Armação do Pântano do Sul. Foi o tempo necessário para a tripulação de seis homens e outros seis ajudantes recrutados na comunidade concluírem o desmalhe das duas toneladas de tainhas, que depois foram transferidas a duas pequenas canoas a remo e levadas à praia. Com peso médio de 1,8 quilo cada peixe, a maioria com ova, o cardume foi localizado pelo vigia por volta das 7h30, a leste da Ilha do Campeche. O que garantiu o sucesso do cerco foi a rede caça de malha com anilhas.
Pouco antes da chegada da embarcação da família Santos, outros dois botes atracaram no trapiche da ponta das Campanhas, cada um com 500 quilos do peixe. Ambos também são equipados com o mesmo tipo de rede, liberada para a safra somente no início da noite de sexta-feira, por liminar da Justiça Federal em Florianópolis, depois de protestos dos pescadores.
“Se não for com anilhas, foge tudo. É o único jeito de o pescador artesanal não passar a safra inteira sem sentir o cheiro do peixe”, diz Zailton Inácio Pires, 58 anos, um dos tripulantes do Leomar, barco com oito metros de comprimento e porão para transportar até três toneladas. Pires explica que o cabo da carregadeira (corda de nylon) passa entre as argolas de ferro e é içado pelo guincho mecânico fixado no convés para trazer a chumbada à borda da embarcação e formar uma espécie de sacola gigantesca, onde o cardume fica preso.
Sem as anilhas, a rede de 60 metros de altura (entre a cortiça e o chumbo) e meio quilômetro de comprimento faz o cerco, mas a produtividade é menor. “Traz apenas o peixe que malha. Se a tripulação não for rápida para recolher manualmente e, dependendo da profundidade do lanço, a maior parte do cardume escapa por baixo”, explica Pires.
Negociação se estende a Brasília
Enquanto os pescadores não tiram os olhos do mar, o presidente da Fepesc (Federação dos Pescadores de Santa Catarina), Ivo Silva, está em Brasília em busca das licenças definitivas para as redes anilhadas. Nesta terça-feira, Ivo tem reuniões com o diretor Henrique de Almeida e com o secretário executivo do Ministério da Pesca, Átila Maia, e tentará convencê-los que o equipamento é fundamental para as comunidades pesqueiras do Estado.
De acordo com a relação da Fepesc, o primeiro pedido de licenciamento beneficia 77 botes em todo o Estado, os mesmos que trabalharam nas cinco últimas safras. Outras 25 embarcações semelhantes estão na segunda fila da legalização pelos ministérios da Pesca e do Meio Ambiente.
Segundo Ivo, o GTT (Grupo Técnico da Tainha) adiou para 2015 a atualização da instrução normativa 171/2008, que regulamenta a pesca da tainha no litoral brasileiro. Ele lembra que a liminar do juiz federal Marcelo Krás Borges estabelece dez dias para definição do impasse ministerial.
É o que espera Orlando Elpídeo Martins, 61 anos, mestre do bote Furacão do Mar, da Barra da Lagoa, também equipado com rede de anillhas. “Os técnicos engravatados do governo deveriam sair com a gente, para verem de perto como funciona a pescaria”, sugere.
Acompanhado do vigia Zildo do Espírito Santo, 58, do chumbareiro Aurino Pereira, 57, e de outros três tripulantes, Martins saiu na madrugada de ontem para pescar. Cercaram cardume de aproximadamente 2.000 tainhas, mas o cabo das anilhas se soltou e o lance foi fracassado. “Ficamos três horas recolhendo a rede a mão, e vieram apenas três peixes”, lamenta o mestre.
Atravessador compra toda a produção
A notícia da chegada das tainhas se alastra com rapidez pela comunidade da Armação. Logo, a praia fica cheia de curiosos. A sazonalidade da espécie, que durante o inverno sobe o litoral para desova, é uma das explicações para o reboliço que a pesca provoca nas comunidades da Ilha. Segundo Beatriz Dalira dos Santos, 56 anos, irmã do mestre do bote Leomar, Rafael Esperandio dos Santos, 34, esta é a melhor época do ano. “É tempo de espera e, às vezes, de fartura”, diz.
Beatriz, a irmã Daniela, 36, e a sobrinha Diná Inácio, 38, acompanharam o desmalhe das duas toneladas até o fim. “A janta hoje terá tainha assada na brasa”, diz Beatriz. Segundo ela, por tradição, as mulheres que vão à praia na chegada do cerco nunca voltam para casa sem peixe.
Toda a produção na Armação foi negociada com a Peixaria Pioneira da Costa, que pagou R$ 9 o quilo. A venda no atacado irritou quem tentou comprar peixe fresco na praia, como o aposentado e guia turístico Darci Floriano Vieira, 70, que chegou a oferecer R$ 15 por uma tainha. “Isso é um desrespeito com quem mora aqui”, critica.
De acordo com levantamento parcial da Fepesc, foram pescadas 26 toneladas nos dois últimos dias – de Passos de Torres, divisa com o Rio Grande do Sul, a Florianópolis. A safra está aberta desde o dia 15 de maio, mas os primeiros cardumes só começaram a chegar depois da entrada do vento sul, no fim de semana.
Publicado em 27/05/14-10:00
(Do ND - www.ndonline.com.br)