Ilustração Andrea Ramos
"Os amigos disseram que o vestido da Pascoalina estava todo furado e Vitinho varou o quintal com tanta pressa que quase pisou no gato que dormia nos degraus da porta do velho engenho. Lá dentro estava fresquinho e a vó, arqueada sobre o fogão a lenha, falava sozinha aquela língua que poucos entendiam. Os raios de luz que passavam pelas frestas iluminavam sua silhueta e ele pode ver nitidamente os furos no vestido desbotado.
A velha mulher preparava o almoço na panela de ferro e com o rabo do olho viu o menino sentar no banquinho. Gostava dos seus olhos negros, brilhantes e curiosos, como os de um quati. Tinha esquecido o nome dele mas sabia que era um dos netos. E eram tantos. E tantos filhos! Dia sim dia não sempre aparecia alguém lhe trazendo coisas. O resto do tempo ficava em companhia dos bichos, das árvores, das montanhas, da lua, das estrelas. Distraída com isto tudo como poderia ver os furos em seu vestido?
Mas Vitinho não queria que os meninos rissem dela e foi pedir ajuda pra mãe, que comprou um pano azul marinho pra ela fazer um vestido novo em sua pequena máquina de costura. Com o presente dentro da mochila, o menino garrou a trilha em direção a casa da vó. Ia alegre, pisando sobre as frutas maduras, pensando em como ia ser bom ver a cara contente dela.
Porém a cara que a vó fez, não era bem de alegria. Resmungou alguma coisa, pegou o pano da mão do menino e foi guardar no fundo da caixa de madeira. Á noite, enquanto olhava as estrelas piscarem , pensava como ia explicar para o neto o seu desejo: um vestido todo florido, como aquele que usava quando era moça, na época das farinhadas. E não um vestido escuro, feito com aquele pano feio que provavelmente a mãe dele, sua filha mais intanguida, tinha escolhido.
Na manhã seguinte Pascoalina acordou disposta. Fritou uns bolinhos para o café, pegou o neto pelas mãos e foi lhe mostrar as flores do quintal para ver se assim conseguia expressar o seu desejo. Mas as margaridas não estavam lá, como de costume. Nem as bromélias, nem os hibiscos , nem as primaveras! Se não havia flores, se ninguém entendia o que falava, como ia poder explicar o que queria?
Vitinho podia não entender o que a vó dizia, mas entendia o que sentia. Percebeu que ela estava triste, querendo lhe dizer algo. Quando a abraçou bem apertado, antes de ir embora, sentiu um cheiro doce de flor vindo do seu colo. E durante a semana toda, aonde ia, sentia o cheiro de flor, lembrava da vó e ficava pensando nela. Na noite de sexta-feira sonhou com a Pascoalina dançando e rodando o vestido florido, como a mãe contava que fazia quando era uma rapariga, nas épocas das farinhadas.
Dia seguinte ele subiu o morro mais contente do que nunca. Ia tão rápido que nem parou na curva do vento para ver o mar, a orla branquinha e os telhados das casinhas, como sempre fazia. Ia só pensando no outro presente que levava pra vó, dentro de sua mochila: um pano todo cheio de flores coloridas, para ela fazer um lindo vestido em sua pequena máquina de costura!"
Um comentário:
Andrea, que delícia de contos. Tão enxutos, expressivos, visuais. E com ilustrações primorosas. Posta mais!! Escreve mais!!! parabêns querida amiga!
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