"Um estranho tuc-tuc-tuc...tuc-tuc-tuc...surgiu por trás. Infalível barulho que eu conhecia muito bem. Um antigo e persistente motor diesel de um cilindro, o mesmo que eu tinha no Rosa, se aproximava. Era um sofrido e minúsculo saveirinho com dois pescadores em cima e mais limo no casco do que uma plataforma submarina. Tonho das Neves e Tonho de Oliveira eram seus nomes. Chegaram perto, a uns quinze metros. O primeiro, segurando-se no toco que restara de um outrora mastro, e me olhando com um ar curioso e alegre, enquanto o segundo, enfurnado no motor fumacento, controlava a marcha lenta, berrou com força:
-Como foi a pescaria?
-Não estou pescando!-respondi, admirado com as rodelas de fumaça que subiam inteiras.
-De onde vem vindo, então? - insistiu.
-Venho da África! - exclamei.
-E onde fica essa praia?
Expliquei que era mais ou menos longe dali. O homem sorriu sem entender, com todos os dentes à mostra, e após me orientar sobre como encontrar a passagem nos recifes, pediu-me:
-Avisa o Doró que a gente só volta na sexta!
E eu parti na mais importante missão da minha vida: após cem dias completos, sem falar com alguém cara a cara, subitamente estava incumbio de levar um recado, em pessoa, para outro pescador que tampouco conhecia."
Em 18 de setembro de 1984, o navegador Amyr Klink, então com 29 anos chegava à Praia da Espera, na Bahia, completando a sua solitária travessia do Oceano Atlântico - de Luderitz, na África do Sul, a Salvador, na Bahia - realizada a remo no pequeno barco Paraty, de apenas seis metros de comprimento. Era o primeiro homem a atravessar a remo a imensidão, os mistérios e os perigos do Oceano Atlântico. A extraordinária façanha é relatada no livro "Cem Dias Entre a Terra e o Mar," do qual faz parte o trecho acima dos seus últimos minutos no mar, antes de chegar à Praia da Espera e encontrar o pescador Doró.
O pequeno Paraty, companheiro de Klink na travessia, foi doado pelo navegador e encontra-se em exposição no Museu do Mar, na cidade de São Francisco do Sul, em Santa Catarina.
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