Trecho das praias Ponta de Baixo e Pinheira seria a partida ou chegada da trilha(Foto: Diorgenes Pandini/Hora de Santa Catarina)
Caminho do Peabiru: trilha histórica começa em Palhoça e segue até o Peru
Por Dayane Bazzo
dayane.bazzo@somosnsc.com.br
Palhoça guarda em suas terras parte de uma trilha muito antiga, aberta pelos indígenas, que corta o litoral catarinense, o interior do Paraná e segue até o Peru. A rota, chamada de Caminho do Peabiru, não é muito conhecida pela população. Dona Maria Luiza Francisco, de 71 anos, nasceu na Praia da Pinheira, até já ouviu falar desse caminho, mas não imagina a importância que ele teve para a região e a história.
– Eu nasci aqui, sou nativa. Conheço e acompanho tudo de perto, já vim de Florianópolis pra cá a pé, mas por esse nome eu não sei, não conheço essa história – diz.
A praia onde Maria nasceu pode ter sido o ponto final da trilha. Historiadores e estudiosos do assunto garantem que ela liga a Baixada do Maciambu, em Palhoça, ao Peru, em mais de 3 mil quilômetros.
Flavio dos Santos, 48, nativo de Palhoça e pesquisador do Caminho do Peabiru, conta que tudo indica que os índios abriram a trilha quando estavam indo em busca da Terra sem Males, um lugar onde não havia guerra entre tribos.
Eles caminhavam em direção ao nascer do sol e chegaram na localidade conhecida antigamente como Porto dos Patos, entre o Rio Maciambu e a Enseada da Pinheira. A trilha, segundo Flavio, era o principal caminho que ligava as grandes tribos, assim como hoje as rodovias ligam as cidades.
Ela passa pelo litoral catarinense até o Rio Itapocu, em Barra Velha, sobe por Jaraguá do Sul, Corupá, passa pelo interior do Paraná, Foz do Iguaçu, Paraguai até chegar às atuais áreas da Bolívia e Peru, antigo território do império Inca, de onde os índios traziam ouro para o Brasil.
Palhoça, que completa 125 anos de emancipação hoje, foi descoberta há mais de 500 anos pelos europeus. Flavio conta que a expedição de Juan Díaz de Solís, que descobriu o Rio da Prata, acabou retornando para a Europa após a morte de seu líder por tribos indígenas na região do rio.
Das três caravelas da expedição, uma acabou naufragando ao tentar acessar a Ilha de Santa Catarina pela ponta sul, onde hoje é conhecida como Praia de Naufragados. Dos 15 tripulantes, apenas 11 sobreviveram e viveram no sul da Ilha durante o ano de 1516. Um ano depois, eles acabaram indo para o Continente, onde viveram por oito anos na região da Baixada do Maciambu.
Dona Maria Luiza só ouviu falar da história(Foto: Diorgenes Pandini/Hora de Santa Catarina)
Os índios Carijós acolheram os europeus, em especial um deles, chamado Aleixo Garcia, que se casou com uma índia e teve o primeiro filho catarinense. Para ele, os índios contavam diversas histórias.
– Eles contaram sobre um caminho que chegava numa montanha, onde o sol se punha e as pessoas usavam roupas como os europeus e ainda mostravam artefatos em ouro, que tinham trazidos de lá – conta o guia de turismo regional Geovane Altair da Silva, também estudioso do Peabiru.
Em 1524, segundo Flavio, Aleixo Garcia decidiu averiguar a veracidade da lenda contada e repetida tantas vezes pelos indígenas. O português reuniu cerca de 2 mil índios e seus companheiros de naufrágio, e partiu na mais “extraordinária viagem de exploração da América do Sul”, acredita Flavio.
Foram cerca de quatro meses até chegar à Bolívia, onde Aleixo teria saqueado algum ouro e retornado. Porém, acabou sendo morto por indígenas no Paraguai. Parte do ouro foi levada para Palhoça pelos europeus que acompanhavam Aleixo. Outros descobridores tentaram refazer o caminho, mas ninguém conseguiu.
Trilha que vai até o Peru foi encoberta pelo tempo
A trilha, de acordo com os levantamentos feito por Flavio, tinha cerca de 1,40 metro de largura e era bem demarcada até o Peru. Depois que foi inaugurada a primeira vila do Brasil, em São Vicente, São Paulo, outra trilha foi aberta saindo de lá e se encontrava com a trilha catarinense no Paraná. Já o significado de Peabiru, uma palavra que vem do tupi, é controverso.
– As interpretações mais comuns são caminho antigo de ida e volta, caminho batido ou pisado, pegada do caminho ou caminho cujo percurso se iniciou. Dizem também que eles plantavam um tipo de grama que grudava nos pés e ia semeando para ela ficar ao longo do caminho – conta Flavio.
Historiador Flavio Santos(Foto: Diorgenes Pandini/Hora de Santa Catarina)
Acontece que essa trilha foi esquecida com o tempo e em muitos lugares não há resquícios dela. É o caso de Palhoça. Segundo Flavio, o único local onde pode ser encontrada a trilha original é na localidade de Araçatuba, uma praia pequena entre a Enseada de Brito e a Passagem do Maciambu.
Por isso, após se apaixonar pelo tema, ele e alguns historiadores e guias da região começaram a fazer estudos e levantamentos para tentar refazer o trajeto histórico. O guia Geovane já levou alguns aventureiros por um roteiro simbólico, onde seria mais ou menos por onde a trilha passava.
Caminho sagrado
O primeiro trecho mapeado por Flavio teria saída ou chegada na Praia de Baixo, onde fica um sítio arqueológico, com caminhada por toda a Praia da Pinheira até acessar uma trilha que leva ao Parque Estadual da Serra do tabuleiro. Depois, a caminhada passa pelo viaduto da BR-101, pelo Maciambu, igreja católica, segue pelo Rio Maciambu até o trapiche, passa por Araçatuba, onde fica a trilha antiga, até chegar à Enseada de Brito. Esse trecho tem 25 quilômetros.
Já o segundo trecho, com mais 25 quilômetros, seguiria pela Enseada de Brito, Praia de Fora, Guarda do Cubatão até chegar à igreja de São Tomé, no bairro Passa Vinte. Segundo Flavio, a escolha da igreja foi porque há uma versão religiosa sobre a trilha, de que São Tomé também passou por ela ao vir para cá catequizar a população.
– Esse caminho é tão sagrado quanto o de Santiago. A nossa ideia é traçar uma trilha fora da rodovia até chegar a Barra Velha, resgatar essa história e fazer virar um caminho turístico, assim como o de Santiago de Compostela – explica Flavio.
O projeto de transformar a trilha em uma rota turística, ecológica e religiosa existe há anos, mas ainda é preciso que muita coisa seja feita para que o Caminho de Peabiru seja conhecido pelos palhocenses e reconhecido por todos. Flavio já apresentou seu levantamento nas universidades, para estudiosos e prefeitura para tentar apoio e patrocínio para dar luz a história e riquezas de Palhoça.
Há um sítio arqueológico na Praia de Baixo(Foto: Diorgenes Pandini/Hora de Santa Catarina)
Outras curiosidades
* Palhoça poderia ter sido a primeira vila do Brasil. Flavio explica que o português Henrique Montes, que ajudou Martim Afonso na fundação da vila de São Vicente, foi um dos que naufragou com Aleixo Garcia e morou por oito anos onde hoje é Palhoça. “Se eles tivessem construído uma igrejinha aqui, teria sido a primeira vila do Brasil”.
* Aleixo tornou-se líder dos índios Carijós e aparece na literatura espanhola e latino-americana, segundo Flavio, como o verdadeiro descobridor do império Inca, afinal, chegou lá em 1517, pela trilha aberta pelos índios. Também é reconhecido como o descobridor do Paraguai, do interior do Paraná e do Mato Grosso do Sul.
* Aleixo e seus homens foram os primeiros europeus a habitarem o Sul da América e contribuíram para o conhecimento do Caminho do Peabiru, a descoberta dos Incas e das cataratas do Iguaçu. Em Joinville, há um monumento que os historiadores acreditam que é uma obra dos Incas, que teriam vindo até aqui.
* Para quem quiser saber mais, existe um livro da escritora e pesquisadora Rosana Bond sobre o assunto, chamado "O Caminho de Peabiru"
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