terça-feira, 9 de janeiro de 2018

MAR DE ILHAS

Os encantos do lugar atraem milhares de turistas, do mundo inteiro, mas a visitação desordenada e o aumento de embarcações comerciais que fazem o transporte irregular de pessoas para a ilha têm colocado em risco a preservação do patrimônio.Na temporada passada, 66 mil pessoas passaram pela Ilha do Campeche - Marco Santiago/ND

Visitação desordenada e transporte irregular ameaçam preservação da Ilha do Campeche

Iphan busca novas formas de regular visitação para evitar degradação do patrimônio arqueológico

por FÁBIO BISPO

O Iphan, responsável pela gestão da ilha, tem buscado junto ao MPF (Ministério Público Federal), que é responsável pelo TAC (Termo de Ajuste de Conduta) que regula as condições do turismo e visitação, uma nova forma de fazer o controle de visitantes, mas têm esbarrado em questões legais já que a praia é um lugar público e em tese qualquer pessoa pode acessar locais públicos. Na temporada passada, 66 mil pessoas passaram pela Ilha do Campeche. Neste ano o numero de visitantes, segundo o Iphan, deve passar de 70 mil.

O TAC que regula a visitação e a preservação da Ilha do Campeche é assinado pelo Iphan, Instituto Ilha do Campeche, Associação dos Pescadores da Armação, Associação dos Pescadores do Campeche, Associação dos Barqueiros da Barra da Lagoa, Associação Couto Magalhães. E prevê que somente os signatários do acordo estão autorizados a explorar a visitação turística da ilha.

O estudo que embasa o acordo prevê que a capacidade máxima de suporte é de 800 pessoas diárias na alta temporada e 770 no restante do ano. Este número é dividido em cotas que cada um dos signatários tem por dia para levar visitantes. No entanto, segundo informações levantadas pela reportagem do Notícias do Dia, esse número tem sido extrapolado quase que diariamente desde a temporada passada.

Nas últimas semanas, a situação se tornou insustentável e os pescadores das associações cadastradas tentaram resolver a situação de forma isolada, impedindo que barcos comerciais irregulares aportassem na Ilha do Campeche. Diversos embates foram registrados e embarcações que venderam passeios para a ilha acabaram retornando sem que os visitantes desembarcassem no local
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O número máximo de pessoas na ilha tem sido extrapolado quase que diariamente desde a temporada passada - Marco Santiago/ND

No dia 3 de janeiro, segundo registro no livro de ocorrências da ilha, uma pessoa que estava em uma lancha não autorizada a fazer o desembarque de passageiros na ilha se acidentou ao tentar descer do barco e fraturou a bacia.

Na última semana, a Prefeitura de Florianópolis também fez cadastramento das embarcações signatárias do TAC e emitiu notificação para retirada de um quiosque montado na Barra da Lagoa que fazia passeio em embarcações não credenciadas. 

No sábado, dia 6 de janeiro, mais de mil pessoas tiveram que deixar a ilha às pressas após a Capitania dos Portos emitir alerta com previsão de ventos fortes para a tarde. O vento que virou de norte para sul dificultou a navegabilidade e houve confusão para que todos conseguissem embarcar a tempo. A equipe do Notícias do Dia e da RIC Record registraram os momentos de tensão que os visitantes passaram para sair da ilha.

Barcos irregulares não contribuem com taxa de preservação

Todos os visitantes que desembarcam na Ilha do Campeche são registrados no livro de ocorrências diário. A contagem é feita por monitores e repassada ao Iphan. Quando a cota máxima de pessoas é extrapolada por embarcações autorizadas é emito um auto de infração por descumprimento do TAC, mas quando isso acontece por conta das embarcações irregulares ou particulares nada é feito, segundo os gestores da ilha, por falta de mecanismos legais.

“Toda utilização de transporte irregular ao TAC contribui para a extrapolação da cota gerando um impacto negativo neste Patrimônio Nacional. O número de transportados irregularmente tornou-se mais relevante a partir de 2016, tendo sido reportado ao Ministério Público. O Iphan e o MPF têm buscado diversas instituições visando articular outras formas de regulação do transporte à Ilha”, afirmou Regina Helena Meirelles Santiago, chefe da Divisão Técnica do Iphan.

Além de contribuírem para que o número máximo de pessoas na ilha seja excedido, as embarcações que não estão incluídas no TAC também não contribuem com a taxa de preservação que é cobrada por pessoa e repassada diretamente pelas associações credenciadas.

Independentemente do valor cobrado pelo transporte – que varia entre R$ 100 e R$ 130 por pessoa–, os transportadores regulares repassam ao Instituto Ilha do Campeche R$5,00 por cada visitante que desembarca. Esta taxa de desembarque repassada pelos transportadores, juntamente com os ingressos às trilhas terrestres e subaquáticas que custam R$ 10 para passeio pelas trilhas com inscrições rupestres e R$ 60 para trilhas subaquáticas compõem o Fundo de Preservação que mantém o programa de preservação, a compra de equipamentos e o pagamento da equipe de visitação (monitores e coordenadores).

Ex-monitor denuncia perda de patrimônio arqueológico

Toda a visitação à Ilha do Campeche é acompanhada por monitores cadastrados. Na alta temporada são cerca de 20 profissionais que auxiliam na contagem de pessoal, no recolhimento e lixo e guiam as trilhas. Todas as trilhas na ilha só são feitas na companhia dos monitores.

O biólogo Fabiano Faga Pacheco, que trabalhou como monitor na ilha nas duas temporadas passadas, diz que o excesso de pessoas em relação à capacidade de suporte, a falta de políticas integradas de conservação e a ausência de uma gestão eficiente e transparente dos recursos do Fundo de Preservação têm colocado o patrimônio arqueológico em risco. “Mais da metade dos sítios arqueológicos da ilha estão sofrendo algum grau de impacto, inclusive com perda de gravuras e com risco de perda de sítios arqueológicos inteiros”, diz.
Embarcações que não estão incluídas no TAC também não contribuem com a taxa de preservação - Marco Santiago/ND

Segundo Pacheco, na última temporada o Iphan tem privilegiado a seleção de monitores novos e dispensados os que trabalharam em outras temporadas e com isso a memória de algumas gravuras e espécies da biodiversidade acabam se perdendo. “As gravuras vão se perdendo com o tempo, isso é normal, só que o ritmo de degradação delas aqui na Ilha do Campeche tem sido bastante intenso e não tem sido tomado nenhuma medida para conservação desse patrimônio nacional”.

Ele cita, por exemplo, que metade das gravuras do Saco do Rosa, estão prejudicadas e que os sítios Pedra Fincada e Pedra Preta do Norte estão quase perdidos. “Isso ocorreu em menos de dez anos”, conta.

Maior concentração de inscrições rupestres do país

A formação dos sítios arqueológicos da Ilha do Campeche é um dos mais valiosos registros da presença humana no litoral sul brasileiro. A “Máscara Gêmea”, por exemplo, que fica ao fim da trilha do Letreiro, é um tipo de inscrição na pedra que foi tida como única no mundo.


Por ali, também deixaram vestígios grupos de tradição Itararé-Taquara, que já utilizavam cerâmica, e os Guaranis. No século 18, com a implantação da terceira área baleeira do Brasil Meridional, na Armação do Pântano do Sul, o local serviu de ponto para a caça da baleia e até o início do século passado chegou a abrigar roças de mandioca, feijão, batata-doce e milho. O local tem a maior concentração de inscrições rupestres do país.
Atualmente quatro trilhas de visitação estão abertas à visitação, Pedra Preta, Letreiro, Pedra Fincada e volta leste. As demais, como a volta norte, que passa pelos sítios arqueológicos do Ferro Elétrico, Pedra Preta do Norte e Pedra Fincada, e a volta sul, que chega ao sítio do Lageado (ou Lajeado) e Caverna do Morcego não receberam manutenção necessária e estão fechadas por oferecerem riscos aos visitantes.
O termo que regula a visitação e preservação do local prevê que somente os signatários do acordo estão autorizados a explorar a visitação turística da ilha - Marco Santiago/ND

(Do https://ndonline.com.br/)

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