Comunidade pede a revitalização da bacia do rio Ratones, em Florianópolis
Entrada de tainhas reforça apelo para revitalizar estuário de Carijós
Edson Rosa FLORIANÓPOLIS |
Para uns, prenúncio de boa safra. Para outros, a entrada inesperada de cardumes de tainhas na Estação Ecológica de Carijós reforça a necessidade de revitalização da bacia hidrográfica do Ratones – que inclui os rios Veríssimo, Papaquara e da Palha. A reoxigenação do ecossistema, de acordo com proposta de moradores região, contempla projetos de desassoreamento, tratamento do esgoto doméstico das comunidades do entorno e, de forma mais imediata, a retirada das ruínas de concreto e ferragens das antigas comportas sob as duas pontes da SC-402.
Foto Flávio Tin/ND
Restos da estrutura de concreto e ferro foram deixados sob as pontes
“Sem as comportas, não só tainhas, mas todos os outros peixes subiriam novamente”, defende Anestor da Silva, 69, um dos veteranos da Associação dos Pescadores do Rio Ratones. Seria, também, a solução para constantes conflitos com a fiscalização do ICMBio (Instituto Chico Mendes da Biodiversidade), órgão gestor de Carijós, com multas e apreensão de redes e canoas.
“Se os cardumes subissem, ninguém se arriscaria a pescar na reserva [Carijós], nem atravessar até o pontal da Daniela”, diz. Nestor garante que, antes da construção das comportas e da mudança do curso do rio, na década de 1959, as tainhas nadavam rio acima, levadas por botos. “Tinha boa profundidade, era bom para os peixes e para a navegação. Hoje, está tudo assoreado”, completa.
Mesmo sem parecer científico sobre os efeitos das barreiras rio acima (a leste da rodovia), técnicos do ICMBio (Instituto Chico Mendes da Biodiversidade) concordam que a liberação do fluxo das marés pelo vão das pontes é fundamental para o equilíbrio de toda a bacia. Também os 300 hectares de manguezais que contornam o leito original do rio Ratones, fora dos limites da estação ecológica.
“Desde que haja EIA-RIMA [Estudos e Relatório de Impactos Ambientais]”, condiciona o analista ambiental Leandro Zago da Silva, 34, chefe substituto de Carijós, que não esconde o ceticismo. “Trata-se de obra cara, que, independentemente da importância para sobrevida daquele ecossistema, beneficiaria pequena parcela da população. O governo não tem interesse político, nem econômico”, diz.
Plantão com apreensões e multas durante acúmulo de cardumes
Monitorado desde o feriado de 1º de maio, o cardume de tainhas começou a se dispersar há quatro dias com a entrada do vento sul e da maré-cheia. Mas deu muito trabalho à fiscalização de Carijós. A rotina para evitar pesca ilegal na área da estação ecológica contou com espécie de posto informal e plantão permanente nas imediações da ponte sobre o rio Papaquara, na SC-402, e incluiu aspectos educativos e repressão.
A ordem foi priorizar a orientação, mas também ocorreram autuações em flagrante e apreensão dos petrechos, como canoas, redes e tarrafas. As multas que variam de R$ 1.400 a R$ 200 mil, de acordo com a gravidade do crime ambiental, com acréscimo de R$ 40 por quilo ou fração de pescados.
Na primeira, três pescadores foram abordados em uma embarcação a remo com redes, tarrafas e cerca de 40 quilos de peixes diversos, inclusive tainhas e tainhotas. A multa foi de R$ 3 mil para cada um deles, e apreensão do material de pesca.
Na mais recente, eram dois homens, mas apenas um deles ultrapassou os limites da estação, por baixo da ponte sobre o canal do rio Ratones – a primeira da SC-402, no sentido Centro/Jurerê. “Ele deu uma tarrafada e não pegou nada, mas ficou caracterizada a pesca em área proibida”, argumenta Zago. Neste caso, foi aplicada a multa mínima, R$ 1.400.
Pescador lamenta falta de diálogo e rigor da fiscalização
Pescadores criticam a relação dos fiscais com a comunidade. Segundo Orlando Silva, 51, não há diálogo. “Só repressão e ameaças, mesmo quando o pescador está só de passagem em direção ao mar da baía Norte, ou atravessa para retirar o lixo pesado acumulado às margens dos rios ou entre as raízes do manguezal da estação ecológica.
“Fomos criados com o que o rio nos oferece, somos ecologistas e não praticamos a pesca predatória”, rebate. A entidade representa cerca de uma centena de famílias tradicionais de Ratones, que mantêm a pesca artesanal como meio de subsistência ou de reforço ao orçamento doméstico.
Com 700 hectares, a estação de Carijós integra uma das mais relevantes bacias hidrográficas de Florianópolis. Cercada por outros 300 hectares de manguezal, forma ecossistema fundamental à sobrevivência da fauna marinha, com condições propícias à fase inicial do desenvolvimento de camarões, robalos, corvinas, bagres e, é claro, tainhas.
A espécie Mugil Liza se alimenta de resíduos de vegetação acumulados no fundo arenoso e lodoso das águas salobras, principalmente as tainhotas. Os adultos se alimentam para agregar gordura e energia antes de nadarem até chegar ao mar para desova.
O estuário de Carijós é o mais preservado da cidade, segundo o ICMBio. É berçário e criadouro. “Se o mangue sumir, somem camarões, peixes, caranguejos e aves”, avisa Zago. Entre as principais ameaças, há ocupações irregulares, poluição e pesca predatória. A estação é de 1987.
(Do ND - www.ndonline.com.br)
Publicado em 12/05/14-14:33
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