quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

TRABALHO ESCRAVO NO MAR

Vítimas catarinenses denunciam trabalho escravo em cruzeiros marítimos

Vítimas participam de audiência pública na Alesc e relatam más condições para exercer atividades em alto-mar

imgAline Torres
@alinetorres_ND
FLORIANÓPOLIS
Você sonha e as agências propõem: realize. Assim são oferecidas vagas de trabalho em cruzeiros. A sedução é a tríade: pagamento em dólares, possibilidade de aprender novos idiomas e, de lambuja,  conhecer o mundo. Mas na realidade não é assim.

Foto Marco Santiago/ND
Greyce Souza trabalhou duas temporadas em um navio italiano, durante 16 horas por dia, e foi assediada sexualmente
Os principais órgãos do país se articulam para coibir uma prática recorrente em alto-mar, o trabalho escravo. Brasileiros são recrutados para trabalhar como aquaviários em navios turísticos sem saber que no oceano estão à mercê da legislação. O resultado é que o sonho anunciado vira pesadelo. Mortes, estupros e abusos morais são denunciados ao Senado, mas não são impedidos pela Constituição Federal. Fatos comprovados pela audiência pública na Alesc (Assembleia Legislativa de Santa Catarina), liderada pela deputada Luciane Carminatti, na tarde de ontem.
Os transatlânticos que, por vezes, empregam mil pessoas, mais que muitas empresas em solo nacional, estão livres para navegar na impunidade e descumprir as leis trabalhistas. Santa Catarina não tem nenhuma agência recrutadora, mas, em contrapartida, é o Estado que mais atrai os cooptadores na busca pelo traço europeu de alguns catarinenses, afirma o procurador do Ministério do Trabalho Luiz Carlos Rodrigues Ferreira.
Assim, o bailarino de Florianópolis Arthur Fernandes, 38 anos, e a namorada caíram numa enrascada. Contratados para apresentações de balé, quando chegaram a Hong Kong, na China, tiveram seus passaportes confiscados. Os chefes do navio só se comunicavam em mandarim e os shows artísticos, na verdade, eram eróticos. A multa pela desistência era de US$ 10 mil, sem o dinheiro da passagem de volta. Oito meses foi o tempo que se submeteram ao regime de semi-escravidão. No Brasil, o processo judicial contra a agência que os contratou, em São Paulo, foi extinto por falta de jurisdição.

Comissão exige mudanças
Arthur encabeça a comissão amparada pelo Senado Federal que luta para regularizar a situação dos trabalhadores brasileiros. Três projetos de lei tramitam no Senado. Greyce Souza, 31, participa dessa batalha. A moradora de Balneário Piçarras trabalhou com os pais, Sara e Robin Konnel, durante duas temporadas num navio italiano. A família cumpria jornadas de 16 horas. Mãe e filha foram assediadas sexualmente pelos chefes.  
Em Santa Catarina, a deputada Luciane Carminatti, após conhecer a história dos catarinenses, encaminhou à Alesc (Assembleia Legislativa de Santa Catarina) propostas para regularizar a atividade marítima no Estado.

Ministério do Trabalho de mãos atadas
O MPT/SC (Ministério Público do Trabalho) fiscaliza, reitera todas as denúncias, mas admite que não tem poder de embargo. “Não há instrumento para punir estes empregadores”, confirmou a auditora do MPT/SC, Thaís Vila. Sem amparo legal, a ação do órgão se resume ao relatório feito a cada temporada.
O procurador do Ministério do Trabalho Luiz Carlos Rodrigues Ferreira explicou que o único benefício conquistado até hoje são os pré-contratos. Antes, os interessados em trabalhar nos cruzeiros pagavam para ouvir as palestras de divulgação das maravilhas do serviço a bordo, os exames clínicos, inclusive de gravidez e DSTs (o que é proibido por ser humilhante ao funcionário), mesmo sem ter garantia da contratação.
Os números fizeram com que a OIT (Organização Internacional do Trabalho) publicasse como sua sétima normativa a intenção de regulamentar o trabalho dos aquaviários no mundo, aproximadamente um milhão e meio de pessoas expostas às piores negligências humanas. Nos últimos 10 anos, a entidade registrou 195 óbitos e 170 desaparecimentos em alto-mar. Os casos não são investigados pela polícia.
Nos Estados Unidos, uma pesquisa sobre violência sexual a bordo, somente em casos relatados e em território norte-americano, levantou 1.459 denúncias em 14 anos.

Projetos que tramitam no Senado
- Dispõe sobre a competência de investigação e julgamento de crimes cometidos a bordo de embarcações
- N° 420, de 2013 - autoria do senador Paulo Paim
- Dispõe sobre a concessão de visto, a repatriação de marítimos empregados a bordo de navio de turismo estrangeiro que opere em águas jurisdicionais brasileiras e outras providências
- N°418, de 2013 - autoria do senador Paulo Paim
- Regulamenta o trabalho de tripulantes brasileiros em embarcações ou armadoras estrangeiras, com sede no Brasil, e que explorem economicamente o mar territorial e a costa brasileira, de cabotagem a longo curso e dá outras providências
- N° 419, de 2013 - autoria do senador Paulo Paim.

Nenhum comentário: