Mudança de zoneamento no Plano Diretor preocupa moradores da praia do Matadeiro, Sul da Ilha
Criação de Área de Preservação Permanente exclui gleba onde empreendedor estaria interessado em construir resort de luxo
Edson Rosa FLORIANÓPOLIS |
Enseada estratégica para caçadores de baleias até o começo da década de 1960, atual reduto de surfistas e turistas que preferem o contato direto com a natureza intocada, o Matadeiro, no Sul da Ilha de Santa Catarina, é exemplo emblemático das dúvidas deixadas pelo Plano Diretor de Florianópolis.
Mesmo na reta final dos debates comunitários que antecedem à tramitação na Câmara de Vereadores, o excesso de letras – APP, APL, APC – e a falta de informações concretas sobre as mudanças propostas pela Prefeitura deixam moradores e comerciantes desconfiados. Tanto que na terça-feira (15) uma manifestação ocorreu no Centro de Florianópolis pedindo por mais tempo para debate. Ainda assim, a prefeitura está irredutível e vai enviar o documento sexta-feira para a câmara.
Marco Santiago/ND
Comunidade protestou para pedir tempo sobre discussões do Plano Diretor
“O pessoal está com a pulga atrás da orelha”, disse Andréia Vieira, 43, dona do primeiro restaurante da praia. Desinformada sobre as mudanças de zoneamento em discussão, ela teme a construção de estrada e ponte para acesso de carros e abertura da praia a outros empreendimentos.
As amigas Marlete Oliveira, 22, e Camila Gomes, 24, estudantes de terapia ocupacional na UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), concordaram com Andréia. “Escolhemos o Matadeiro exatamente por causa da natureza preservada”, completou Marlete.
Segundo o presidente da Associação dos Moradores da Praia do Matadeiro, Ezinar Rodrigues, o Plano Diretor transforma a atual APL (Área de Preservação Limitada) em APP (Área de Preservação Permanente), com ameaça de despejo dos atuais 40 proprietários. A entidade denuncia que parte da encosta foi excluída do novo zoneamento proposto pela prefeitura, para viabilizar empreendimento turístico de grande porte. O mapa do Ipuf (Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis) classifica a gleba em questão como APC (Área de Proteção Cultural).
Natureza é o que atrai
A trilha de lajotas e concreto em trechos intercalados e, apesar da farta sinalização em português, espanhol e inglês, a proibição a ciclistas e cães não é seguida à risca. A rampa pavimentada foi obstáculo para Kellen Ferreira, 20, também estudante de terapia ocupacional na UFSM, sobrevivente do incêndio na boate Kiss, na madrugada de 27 de janeiro. “Se fosse escadaria eu conseguiria”, lamentou. Mesmo com a mobilidade limitada, ela não concorda com abertura de estrada até a praia. “A beleza está na natureza”, diz.
Bem conservada, a ponte com base e piso de concreto e madeira de lei nas proteções laterais, é o único acesso para quem não quer correr o risco de atravessar a foz do rio Sangradouro, poluída por ligações clandestinas de esgoto na Armação, no Pântano do Sul e Costa de Dentro e de Cima.
Na praia, são dois restaurantes, uma barraca de livros usados e milho verde e, aparentemente, 40 casas de veraneio, algumas com placas de aluguel ou venda. Bem cuidado, o único posto salva vidas em 850 metros de orla permanece fechado nesta pré-temporada, e serve de mirante para fotografias e brincadeiras de turistas.
Com predominância do vento sul e ondulação de Leste com até um metro, na terça à tarde, o mar estava à feição dos surfistas. Um deles era Fernando Antunes Beck Filho, nativo que estuda para curso de solda naval na Petrobras e não abre mão de pelo menos duas horas de esporte no Matadeiro. “Temos de proteger a praia. Não se sabe direito o que está acontecendo, mas como na Ilha tudo é feito sem planejamento e visando o lucro, é preciso ficar atento”, diz.
Manifestação para pedir tempo
As dúvidas sobre o destino do Plano Diretor levaram representantes de associações comunitárias e moradores dos 13 distritos do Núcleo Gestor Municipal do Plano Diretor Participativo à frente da Prefeitura de Florianópolis. Eles se manifestaram contra a intenção do governo em acelerar a aprovação do novo Plano na câmara. Além da questão do Matadeiro, outros questionamentos apareceram durante o protesto.
A comunidade do Pântano do Sul alegou que havia deliberado ainda em 2007, quando começou o debate do Plano Diretor, a construção do parque natural, aprovado pela Floram (Fundação Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis). “No documento, a área aparece como de proteção limitada, e permite edificação”, declarou o representante da região, Gert Schink. A comunidade da Lagoa da Conceição reclama da construção de loteamentos habitacionais em dois pontos de área verde, no ponto sul e no retiro da Lagoa.
A assessoria de imprensa da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano não falou sobre o protesto. Alegou que a discussão sobre o Plano aconteceu nas comunidades e será aprofundada na audiência pública marcada para hoje, quinta-feira, às 19h na Assembleia Legislativa.
(Do ND - www.ndonline.com.br)
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