quarta-feira, 16 de outubro de 2013

MAR SUJO!


Falta de saneamento ameaça o mar, a cidade e as praias de Governador Celso Ramos

Rede de esgoto é alvo de disputa entre município e Ministério Público Federal

Daniel Queiroz/ND
Paisagem paradisíaca é contaminada por esgoto sem tratamento
 TEXTOS: MAURÍCIO FRIGHETTO E LÚCIO LAMBRANHO
FOTOS: DANIEL QUEIROZ

Mesmo depois de uma disputa que já se arrasta há mais de sete anos na Justiça Federal, os moradores de Governador Celso Ramos ainda não têm nem ao menos uma previsão de quando a cidade terá um sistema de coleta e tratamento de esgoto. Nas praias do município, o descrédito em relação a qualquer possibilidade de mudança se mistura com o medo de alguns moradores de falar sobre o assunto e uma resignação que também atingiu até mesmo os funcionários do Samae (Serviço Autônomo de Água e Esgoto).
A reportagem do ND encontrou em pelo menos seis praias (veja arte), entre as mais de 20 de toda a cidade, canais que acumulam lixo, recebem esgoto sem tratamento e desaguam diretamente no mar. Ao chegar na frente do canal Olaria, perto do centro da cidade, constatou que o tema já não interfere no dia a dia da população e dos servidores da prefeitura. Ali o lixo acumulado está perto da água do mar. E o cheiro do córrego que canaliza o esgoto é fétido. Logo depois da nossa chegada, para uma Kombi com funcionários da Samae.
“Cheiro ruim”, diz o repórter. “Que nada. Lá perto do bar está pior ainda”, rebate o funcionário. A reportagem vai lá e comprova. No Centro, a situação é mesmo pior.
A contaminação por esgoto domésticotambém atinge as praias e a área de proteção ambiental de Anhatomirim (APA de Anhatomirim), criada em 1992 para proteger o boto-cinza (Sotalia fluviatilis), os remanescentes da floresta Atlântica e os recursos hídricos da cidade. O decreto que a criou também considera que os rios e o mar são relevantes para a sobrevivência das comunidades de pescadores artesanais da região.
Mas em maio deste ano, a desembargadora federal Marga Inge, do TRF4(Tribunal Regional Federal da 4ª Região), negou uma apelação do Ministério Público Federal em Santa Catarina e deu ganho de causa à atual administração contra uma decisão em primeira instância que obrigava o Executivo local a criar em um prazo de dois anos uma rede de saneamento básico.
Sentença com o mesmo teor e com o mesmo prazo condenou o município de Palhoça a criar um sistema para a praia da Guarda do Embaú, como mostrou o jornal na quinta-feira (10). Assim como o outro município da Grande Florianópolis, a prefeitura também recorreu da decisão. No caso de Governador Celso Ramos,esta última decisão ratificou a posição da 3ª Turma do TRF4 que, por unanimidade, reconheceu em fevereiro de 2012 a apelação do município e anulou do processo, ao considerar que houve cerceamento de defesa. Na prática, sem julgar o mérito do pedido feito pelo MPF, a Justiça Federal deixou apenas a cargo da prefeitura local a decisão de realizar ou não, o que ainda não foi feito na última década para proteger a saúde dos moradores e a APA federal.
A Fatma (Fundação Estadual de Meio Ambiente) foi ré nesta mesma ação e tem a obrigação, pela sentença de setembro de 2010, de identificar e controlar a degradação dos rios e controlar a balneabilidade de todas as praias. Atualmente,a fundação ainda faz a análise de balneabilidade em apenas 11 pontos.
Nas últimas cinco amostras, por exemplo, os dois pontos da praia da Fazenda da Armação estavam impróprias para banho. Praia da Gamboa, Armação da Piedade, e Praia do Antenor também tiveram amostras negativas para o banho (veja gráfico).
A ação do MPF ajuizada em 2006 (leia o histórico de problemas no quadro ao lado) já informava por laudos e fotos que "a maioria das praias existentes no município de Governador Celso Ramos estão sendo seriamente contaminadas por conta da ausência de saneamento básico". Em relatório publicado em novembro de 2012, a Aris (Agência Reguladora Intermunicipal de Saneamento) comprova que grande parte do esgoto acaba no mar e que os problemas "decorrem da inexistência de investimentos no setor e da ineficiência na gestão e no controle dos serviços" realizados pela Samae. 
Outro lado
A Prefeitura de Governador Celso Ramos atribuiu à gestão anterior os problemas relacionados à falta  de saneamento básico no município. Para tentar resolver a questão, a nova gestão busca parcerias com empresários do setor imobiliário. O prefeito Juliano Duarte informa que cinco empreendimentos em fase de licenciamento deverão criar redes coletoras e estações de tratamento de esgoto para atender, além das novas moradias, as comunidades próximas já instaladas como medida compensatória.
Segundo Duarte, essas ações deverão deixar a cidade com 70% das casas atendidas por saneamento básico. "Só vamos liberar o funcionamento desses novos condomínios quando fizeram o saneamento básico para essas comunidades", avisa. A parceria com a iniciativa privada, segundo a prefeitura, deve beneficiar as comunidades de Ganchos de Fora, Jardim das Palmeiras, Vila de Palmas, Tingá e Praia Grande. Atualmente, de acordo com Duarte, entre 2% e 3% das comunidades são atendidas por redes de esgoto.
Em paralelo, a Funasa (Fundação Nacional de Saúde) prepara um edital para a contração de uma empresa queirá criaro primeiro projeto de saneamento básico de Governador Celso Ramos. Segundo o Superintendente Estadual da Funasa, Adenor Piovesan, um edital deverá ser lançado nos próximos dias para o serviço orçado em cerca de R$ 500 mil.A Fatma enviou apenas os dados sobre a balneabilidade das praias da cidade, mas não informou porque não ampliou os pontos de coleta na cidade, conforme determinava a decisão da Justiça Federal, mas que depois vou revertida pelos desembargadores do TR4.
Entenda o caso
- Em 2006, o MPF (Ministério Público Federal) entrou com uma ação contra o município de Governador Celso Ramos, Samae (Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto) e Fatma (Fundação Estadual do Meio Ambiente). Pedia medidas para sanar o problema da emissão de esgoto no município, ainda mais que grande parte do esgoto que acaba no mar na área de proteção ambiental de Anhatomirim (APA de Anhatomirim).
- O documento informava que há anos o MPF vem abrindo processos administrativos, geralmente chamados por associações preservacionistas, contra ocupações irregulares, ocupações de áreas protegidas e lançamento de esgoto.
- Uma primeira análise do Ibama, de 2002, destacava afalta de uma rede de esgoto, estação de tratamento e que não existiaa fiscalização das ligações domésticas.Em outra vistoria de 2003, o órgão federal informava que praia de Calheiros já recebia grande quantidade de esgoto in natura.
- Em 2003, o MPF pede informações para a Fatma. A Fundação diz que nada mudou desde 1999. “Podemos observar o esgoto escorrendo das residências para os riachos, através de canos, as fotos e as análises laboratoriais demonstram claramente o problema: os riachos são línguas negras e fétidas drenando para o mar”, informa a fundação estadual. A Fatma diz aindaque nas localidades de Ganchos do Meio, Ganchos de Fora, Ganchos do Canto e Calheiros precisam de saneamento básico porque podem trazer problemas para as saúde das pessoas e à aquicultura (camarão e mariscos).
- Em 2004, a Vigilância Sanitária fez um teste no Rio Agripino Monteiro, na Fazenda da Armação, em sete imóveis. Em quatro constatou-se que esgoto era jogado de forma indevida no rio. Em 2005, a Fatma analisou o mesmo rio, situado na APA. E chegou à conclusão de que há lançamento de esgoto de forma indevida.
Na sua defesa na ação proposta pela MPF, o município alegou que a arrecadação municipal era pequena para implementar o tratamento de esgoto. Informou que tinha projeto aprovado junto ao  Ministério das Cidades, mas a quantia não foi liberada. E assegurou que a questão extrapolava a obrigação do município  “uma  vez que atinge rios, o mar e a APA de Anhatomirim, sem contar que os municípios vizinhos contam com os mesmos problemas sanitários”.
O juiz Sergio Eduardo Cardozo chegou à conclusão em setembro de 2010 que: “deste modo, resta patente nos autos de que há necessidade premente de um sistema de tratamento de esgoto”. Ele decidiu que o município teria dois anos para implementar um sistema de tratamento de esgoto. Quanto à Fatma, mandou que ela cooperasse na solução do problema, controlando a balneabilidade de todas as praias e os cursos mais importantes.O município recorreu ao Tribunal Federal. Em fevereiro de 2012, o tribunal reconheceu a nulidade do processo por cerceamento de defesa. Em maio deste ano, o mesmo tribunal negou a apelação feita pelo MPF contra esse decisão colegiada do TRF4 .

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