Foto Marco Santiago/ND Na praia das Capivaras, em São José do Norte, onde postos de compra e venda funcionam em palafitas, pescaria deixou de ser bom negócio |
Escassez de cardumes de tainha na Lagoa dos Patos força migração
Novo porto substitui a pesca no Rio Grande do Sul
por Edson Rosa
Ainda em ritmo de lua de mel, Maicon Santos ferreira, 24 anos, aprendeu na infância a acordar cedo. O costume herdou do avô Laudelino Bento dos Santos, 73, o Bolinha, pescador mais antigo da praia de Marambaia, na Ilha dos Marinheiros, uma das pequenas comunidades pesqueiras de Rio Grande localizadas na costa Oeste da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul.
Às 5h, o rapaz já está no velho trapiche de madeira onde desatraca o caíco e navega durante meia hora até o cais do mercado público, no centro histórico da cidade. O destino do jovem gaúcho, no entanto, não é um dos pesqueiros da maior lagoa costeira do Brasil, nem a boca da barra, onde cardumes de tainhas encontram a água salgada do oceano atlântico, e nadam litoral acima em busca de temperatura mais alta para desovar.
Maicon não vai pescar. No centro, ele procura o fim da fila e se junta à legião de trabalhadores, a maioria de migrantes nordestinos, que esperam os ônibus para levá-los ao pólo naval no novo porto de Rio Grande. Com segundo grau apenas iniciado, o neto do pescador Bolinha há três semanas é um dos montadores no estaleiro da Petrobras, onde recebe R$ 1.300 mensais para ajudar na montagem da P-74, plataforma de petróleo que depois de pronta será transferida para a bacia de Campos, no Rio de Janeiro.
Trabalha oito horas por dia, folga nos feriados e fins de semana, e pensa em crescer na profissão. “Daqui a pouco a família cresce, é preciso pensar na família”, emenda. O entusiasmo de Maicon contagiou o irmão mais moço, Dener, 18, que concluiu o segundo grau no fim do ano passado e agora pretende fazer curso, provavelmente também de montador, para também procurar emprego no porto. “Ainda não sei exatamente o que vou fazer. Mas não vou ficar aqui esperando, a pesca não dá mais futuro”, ressalta.
Foto Marco Santiago/ND Barco de pesca com capacidade de 30 toneladas fica pequeno al lado da plataforma P63 da Petrobrás |
Avô doa redes e embarcações e agora é carpinteiro
Discreto, Laudelino Bolinha cansou de voltar com as redes vazias e despista a ponta de amargura ao ouvir que o ciclo da pesca está chegando ao fim. E apóia a iniciativa dos netos. Ele mesmo não sai para pescar desde 2000, quando decidiu dedicar-se exclusivamente à carpintaria naval. Hoje ganha a vida com fabricação e reforma de canoas, caícos e botes que levam pescadores cada vez mais longe em busca dos cardumes. “O bagre já acabou de vez. Restaram só o camarão, que ainda dá o ano todo, e a corrida da tainha em maio, cada vez mais fraca”, resume.
Redes e embarcações que ele mesmo fabricou para sustentar a família já mudaram de mãos. Foram doadas ao filho e ao genro, que diariamente voltam da lagoa com a mesma sensação do vizinho João Nelson, 50. “Não é só a tainha que está desaparecendo. Acabou tudo”, diz, meia hora depois de desmalhar cinco tainhas e três chavelhas (espécie de sardinha sem valor comercial) de 20 redes de malha 50 fundeadas na noite anterior.
A pescaria na Lagoa dos Patos está liberada até o fim de maio, quando o estuário é fechado para defeso. De junho a setembro,pescadores cadastrados nas colônias gaúchas recebem salário mínimo de seguro desemprego. Enquanto desliza a enxó na nova quilha do bote em reforma, o velho pescador reclama da falta de política pesqueira no Brasil. Critica o governo federal, que financia a compra de barcos e redes pelo Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). “Ao mesmo tempo que não controla a produção industrial, aperta a fiscalização contra os artesanais. Pescaria hoje em dia só para comer”, acrescenta.
Foto Marco Santiago/ND Pescaria deixou de ser um bom negócio |
Indústria petrolífera movimenta polo naval
O barco de pesca com capacidade de transportar 30 toneladas de carga no porão parece de brinquedo ao navegar ao lado de navios e plataformas petrolíferas atracadas no super porto de Rio Grande. O crescimento do polo naval gerou no último ano pouco mais de 25 mil vagas diretas em Rio Grande. Outros seis mil postos de trabalho estão previstos para a vizinha São José do Norte, onde outro estaleiro, ainda em fase de terraplenagem no caminho da vila da Barra, terá investimentos de R$ 1,2 bilhão.
A mudança no perfil das duas cidades outrora pesqueiras é perceptível nas ruas, no comércio, em particular nas áreas de gastronomia. A demanda exigiu também modernização e ampliação na hotelaria, com aumento da oferta de serviços direcionados a diferentes classes sociais, exatamente para atender a demanda portuária. Sem lugar para todos no pólo industrial e sem novas perspectivas na pesca, as duas cidades começam a perceber os efeitos negativos dos novos tempos: grande número de desempregos, além de moradores de rua peramb lando pelas ruas históricas do cais do velho porto.
A decadência pesqueira constatada em Marambaia se repete nas outras praias da Ilha dos Marinheiros – Porto do Rei, Coréia, Bandeirinhas e Fundos. Ali, a agricultura familiar ameniza os sinais de pobreza observados nas comunidades vizinhas de Turotama e Leonídio, na costa Oeste da lagoa, em Rio Grande. O mesmo não ocorre nas terras menos férteis das vilas da Barra, Capivaras, Várzea e Passinhos, a Leste do estuário, em São José do Norte, onde plantar cebola deixou de ser bom negócio faz tempo.
Antigas "repúblicas catarinas" enfrentam decadência econômica
O rebojo que começou a soprar no fim da tarde de sábado era tudo que esperavam Manuel Hercílio da Silva, 60, e seus colegas do Canto das Pedras, um dos pesqueiros da praia de Capivaras, na parte da Lagoa dos Patos pertencente a São José do Norte. Filho de pescador, o “catarina” de Ponta das Canas, em Florianópolis, formou a própria família no Rio Grande do Sul e adquiriu respeito dos colegas gaúchos.
“Aqui todo mundo se ajuda, principalmente nestas épocas de crise”, diz Manuel, que há pelo menos três anos não revê os parentes do Norte da Ilha. “Mas não perdemos o contato. Quando não dá para ir, nos falamos por telefone”, observa. A exemplo do que ocorre nas praias de Rio Grande, na lagoa ou no mar, os pescadores de Capivaras não estão otimistas. “Além de a concorrência com as traineiras ser cada vez mais desigual, alguns pescadores estão usando caicos motorizados e equipados com sonar para localizar os cardumes.
Manuel tinha 15 anos quando foi pescar na Lagoa dos Patos, levado pelo pai. No dia 3 de junho completará 45 anos longe de Ponta das Canas. A expectativa dele neste início de safra é a mesma dos colegas catarinenses, apesar de os indícios não serem alentadores. “Vamos esperar os três próximos dias de vento sul, para ver se os cardumes estão subindo”, reforça Lenoir de Souza, 33, pescador artesanal em Itapirubá do Norte, Laguna. No Sul do Estado, parelhas de arrasto com canoas a remo estão em, vigília e com redes a postos para cercar desde a semana passada.
( Do Notícias do Dia - www.ndonline.com.br)
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