sábado, 13 de junho de 2020

NA REDE: TAINHA PELA INTERNET

Tainha custa a partir de R$ 12 o quilo. Foto: Cerqueiros de Guaraqueçaba

Cerqueiros de Guaraqueçaba vendem tainha pela internet

Compras podem ser pré-agendadas pelas redes sociais. Atividade tradicional garante o sustento de 23 famílias caiçaras

Os cerqueiros de Guaraqueçaba entraram nas redes sociais para organizar a venda da pesca do cerco da tainha durante a pandemia. É possível fazer a encomenda on-line e retirar os peixes diretamente com os pescadores na Prainha do Mercado de Paranaguá, aos sábados, em horários pré-agendados.

Os valores vão de R$ 12 a R$ 27 o quilo, dependendo da faixa. Ovas também são comercializadas por R$ 50 (verdes) e R$ 80 (secas).

“Sem aglomeração de pessoas. A gente usa máscaras, luvas e álcool gel. Estamos bem equipados para não trazer a doença para a nossa comunidade”, garante o pescador artesanal Cláudio de Araújo Nunes, um dos coordenadores do Movimento dos Pescadores Artesanais do Litoral do Paraná (Mopear). 

De acordo com Nunes, essa foi a solução encontrada pelos pescadores, em conjunto com pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e do Instituto Federal do Paraná (IFPR), para que os peixes continuem tendo saída durante a crise do coronavírus.

A venda é importante porque na friagem, época da tainha – que vai de 1.º de abril a 15 de agosto – o cerco sustenta 23 famílias das comunidades de Superagui, Saco do Morro, Bertioga, Barbados, Tibicanga e Sebuí. 

Acordo do cerco-fixo

“Foi criado um parque nacional em cima da nossa comunidade. Tiraram todos os nossos direitos, a gente perdeu o território todo”, afirma Cláudio Nunes, referindo-se ao Decreto n.º 97.688, de 1989, que criou o Parque Nacional do Superagui. O documento determinou a desapropriação da área, que passou a ser considerada de utilidade pública e subordinada ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

“Uma das práticas que a gente perdeu foi o cerco-fixo”, aponta o pescador. A atividade tradicional ficou proibida na região de 2003 a 2018, quando foi negociada com o ICMBio a liberação de uma pesquisa sobre a modalidade. “O cerco ainda está em fase de estudo, mas a gente está lutando pra fazer voltar essa prática tradicional. Queremos comprovar que o cerco-fixo não traz impacto à natureza, ao parque, a nada. É uma prática tradicional feita com manejo adequado ao modo de vida dos pescadores.”

A pesquisa é liderada pelo professor Roberto Martins de Souza, coordenador do Núcleo de Defesa de Direitos dos Povos Tradicionais (Nupovos) da IFPR. “Não havia um argumento de base científica, uma explicação sequer que fosse uma constatação dos impactos dessa prática na baía. Por isso, desde 2014 o Mopear se reúne para disciplinar essa prática e comprovar aos órgãos de fiscalização ambiental que os pescadores têm capacidade de regular o uso dos recursos naturais, porque fundamentalmente conhecem a ecologia deles. Eles buscaram as universidades e construíram uma ponte de diálogo com o ICMBio”, reforça o professor.

O estudo avalia e monitora: os acordos com os órgãos de fiscalização; a pesca da tainha; o uso de recursos naturais.
Os cerqueiros de Guarequeçaba. Crédito da foto: acervo pessoal.

O cerco é uma armadilha feita com taquaras – o peixe fica preso no chamado currau. Atualmente, são dez cercos na região, administrados pelo Mopear e por famílias de cerqueiros. Cada despesque totaliza entre 150 e 300 quilos de peixe, dependendo da maré e do tempo. “Passamos 45 dias trabalhando, tirando taquara, tecendo o cerco, e depois colocamos o cerco na água”, conta o coordenador Nunes. 

“Eles têm gestado os recursos de forma compartilhada com os órgãos e tem funcionado muito bem. O estoque de madeira que usam é muito pequeno perto do que está disponível e da capacidade de regeneração dessa espécie. Eles têm em abundância e isso tem gerado um benefício ambiental, na medida que a retirada possibilita a regeneração de outras especies”, avalia o professor Martins.

Quanto às tainhas, ele faz uma comparação: “O estoque pescado equivale a 1% do que pescam as traineiras em Santa Catarina: cardumes inteiros, de duas a três toneladas em um ou dois dias de pesca. Isso diminui bastante o estoque que entra na baía de Guaraqueçaba. O impacto do cerco é insignificante perto da degradação que essas traineiras provocam sobre a espécie.”

Willian Dolberth, mestrando da UFPR, é um dos pesquisadores que apoiam a venda da tainha. “A modalidade é ecológica e economicamente responsável”, defende. “As taquaras utilizadas na construção do cerco são retiradas segundo conhecimentos tradicionais, numa época certa, numa lua certa, de acordo com regras que não vão fazer uma predação excessiva das tabocas.”
O cerco-fixo. Foto: Cerqueiros de Guaraqueçaba

Outro ponto levantado por Dolberth é o despesque criterioso. “Os peixes que não são da espécie ou tamanho específico vão pra fora. Não tem perigo de pescar espécies ameaçadas ou peixes menores, que não são comercializáveis. Todos os peixes pescados são consumidos pelas famílias ou comercializados para ajudá-las financeiramente. Não tem sobrepesca.”

Sem atravessadores

Dolberth enfatiza que os pescadores também não têm atravessadores, ou seja, eles mesmos fazem as vendas. “O dinheiro é repartido por igual entre as famílias que participam”, afirma, alertando para a continuidade da tradição no Litoral paranaense. “O cerco tem origem indígena, acontece desde o começo da colonização. O cerqueiro é uma das identidades das pessoas que são pescadores artesanais, caiçaras, caboclos do litoral.”

O ICMBio foi procurado pela reportagem, mas não se manifestou.

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Jess Carvalho - Jess Carvalho é jornalista graduada pela Universidade Positivo e pós-graduada em comunicação digital pela PUCPR.

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