Pântano do Sul, por volta de 1940 |
"No dia 13 de maio do corrente ano, tomei o ônibus de Ribeirão da Ilha que faz linha para o Pântano do Sul e fui assistir os pescadores do referido lugar lancearem tainhas. Entre as mil e uma maravilhas que Deus criou nesta Ilha de Santa Catarina, as tradicional pesca da tainha ocupa, sem nenhum favor, o seu lugar de destaque. Pântano do Sul é um recanto aprazível, possui uma pequena capela, dedicada ao grande pescador São Pedro e um regular número de casas. A única indústria que possui é a da pesca, executada ainda dentro de métodos primitivos.
Existem em Pântano do Sul, atualmente uma sociedade entre seis pessoas, que possui seis redes, bem equipadas para a pesca da tainha, tendo cada uma dessas redes 300 braças de comprimento por 12 de largura e todas confeccionadas com fio barbante. A parte superior é entralhada com corda de fibra e cortiça, pequenos pedaços de madeira leve, o que faz flutuar, enquanto que a parte inferior é também entralhada com corda de fibra e chumbo, pequenos saquinhos cheios com areia que, pensado, a levam para o fundo do mar, conservando assim o pano da rede verticalmente.
Em cada extremidade das redes são amarrados cabos de fibra com mais ou menos 200 metros de comprimento cada um, os quais servem para puxar as redes para a praia, depois de feito o cerco ao peixe. São necessários 20 homens para trabalhar em cada rede. A tripulação da canoa é composta de sete camaradas, que são: o patrão, o chumbereiro, o corticeiro e quatro remeiros. Quando se aproxima o tempo da pesca da tainha, as redes são colocadas dentro das canoas com seus respectivos equipamentos e toda a “camaradagem” fica alerta, inclusive os moradores do lugar.
VIGIA
Além dos 20 homens que trabalham com as redes há os “camaradas vigias”. Estes são escolhidos e considerados entre a tripulação como verdadeiros técnicos na arte de enxergar o peixe nadando em direção dos lanços, isto é, lugares onde podem ser cercados com as redes. O número de vigias em Pântano do Sul é de um 20 homens, que se distribuem em volta da praia sobre cômoros e penhascos, permanecendo aí dias inteiros, vigiando com muita atenção o aparecimento dos peixes no lanço. Esses homens têm grande responsabilidade no êxito ou fracasso da pesca.
Quando um deles avista o peixe vindo em direção aos lanços, entra imediatamente “em conselho” com outros vigias para ver se convém ou não dar sinal à tripulação que está na praia aguardando ansiosamente a ordem de cercar. O peixe aparece, às vezes, em “magotes” (pequena quantidade) “fuzilando” (virado de barriga para cima), em “cano” (uma fila em direção ao lanço), em “manta” (quantidade regular), em “cardume” (quantidade maior) e finalmente, um “encarnado”, que são justamente muitos milhares de peixes. Quando o peixe entra no lanço e a quantidade é compensadora para uma boa pesca, os vigias iniciam o sinal e a tripulação que está na praia começa a correr em direção ao povoado, soltando uma espécie de clamor ou “apupo”, que ecoa pelos ares, alertando toda a população, que corre em disparada a caminho da praia para trabalhar ou assistir o espetáculo tradicional e maravilhoso que é a pesca da tainha, presente que o “Creador” vem lhes dando ano após ano desde o tempo dos seus antepassados.
SINAIS E POSIÇÕES DOS VIGIAS
EM RELAÇÃO À SITUAÇÃO GEOGRÁFICA DA PRAIA
Combinada a ordem do sinal, os vigias entram em ação. Para dar os sinais, isto é, “abanar”, usam paletós, panos ou chapéus. Para a embarcação com a rede sair do rancho, até a “pancada da maré”, os vigias abanam à frente; para iniciar o cerco da praia até alcançar o lanço, abanam para o lado do Sul; para fazer o cerco, abanam para o lado Leste ou Oeste, conforme a posição do vigia; para fechar o cerco, abanam para o lado Norte. Para sair só uma embarcação com a rede, o vigia conserva-se no lugar onde está colocado.
Se eles calcularem o cardume que entrou no lanço em muitos milhares, então o sinal é dado da seguinte maneira: para sair outra canoa com rede o vigia desce do cômoro ou penhasco e vem colocar-se na praia junto ao mar; para duas redes, desce outro vigia e coloca-se ao lado do primeiro; para três redes, desce o terceiro e coloca-se ao lado do segundo e assim até completar o número de seis, se for preciso, e que é justamente o número de redes que eles possuem em Pântano do Sul. Quando o peixe aparece à noite, os sinais são dados dos mesmos lugares, cômoros ou penhascos, com fachos de bambus secos ou com tições, obedecendo o mesmo ritmo anterior, que é a tradição do lugar.
O CERCO
Quando o cerco é feito por mais de uma rede, acontece o seguinte: a primeira fica mais próxima da praia; a segunda contorna a primeira; a terceira contorna a segunda; e assim sucessivamente, formando uma espécie de semicircunferência concêntrica. A tainha ao sentindo-se cercada vai pulando por cima da rede, passando de um cerco para outro. Por essa razão é que a última rede consegue prender maior quantidade de peixe.
PUXAMENTO DAS REDES
PARA A PRAIA APÓS O CERCO
Terminando o cerco, encalham a canoa na praia e sua tripulação corre para auxiliar os camaradas encarregados de puxar a rede. À medida que a rede vai se aproximando da praia, eles a vão contornando com os pés sobre a tralha inferior e com as mãos suspendendo a tralha superior acima da superfície do mar para evitar que grande quantidade do peixe cercado consiga passar por baixo ou saltar para cima da rede. Ao chegarem com a rede na praia, jogam todo o peixe que conseguiram pescar, num monte, recolhem a rede na canoa e voltam para ajudar os camaradas da outra rede que está em segundo lugar e assim vão fazendo até terminar de recolher a última rede que está no cerco. Quando não há mais peixe para lancear, recolhem as canoas para os ranchos e estendem as redes nos varais para secar.
DISTRIBUIÇÃO DO PESCADO
O peixe é dividido em duas partes, em quantidade e tamanho iguais. Uma parte pertence aos seis donos das redes que formam a sociedade. A outra pertence aos 120 camaradas e é dividida entre os mesmos em quantidade e tamanho iguais. Além do quinhão de camaradas, cada remeiro tem direito a uma tainha por mil e o vigia tem direito a 28 por mil, que corresponde ao quinhão de sete camaradas."
(De " Crônicas de Cascaes" – primeiro volume
Fundação FRANKLIN CASCAES
No dia 13 de junho de 1956 foi publicado a primeira crônica de Franklin Cascaes no Jornal A Gazeta, intitulada A PESCA DA TAINHA NO PÂNTANO DO SUL”.
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