OS BOIS DA LAGOINHA DO LESTE
Por Kiko Bungus
Quem foi pra Lagoinha do Leste até início dos anos 90 lembra bem de como a praia era cheia de bois vagando por todo lado.
Um cuidado especial que se tinha que ter ao pegar a trilha, especialmente depois de uma chuva, era não acabar sendo abalroado por um boi pelo caminho.
Já nos dias quentes as mutucas que atormentavam o gado também atormentavam quem cruzasse o caminho delas e fazíamos competição pra ver quem matava mais mutuca na ida e volta da trilha. Era uma chacina!
Alguns moradores do Pântano simplesmente soltavam seus bois lá no mato e eles eram criados assim, então eles faziam parte da paisagem mas geralmente não causavam problema, a não ser um ou outro atraso na trilha ou pisada numa bosta no caminho.
Falando em bosta, a presença das vacas lá fazia a alegria dos mais doidos, pois onde tem bosta de vaca tem cogumelo e aí já viu né?
Bom, mas essa historinha aqui é sobre o dia que a raça foi cedão pra Lagoinha dar aquele surf o dia inteiro e só voltar no fim de tarde, então levamos todo o suprimento pra sobreviver a um dia extremamente cansativo e se tudo desse certo, de exaustão e cabeça feita.
Cada um levou um mochilão de rango e água, com muitas frutas, X-mico (pão com banana), bolachas e muita água, afinal a gente sabia que ia ter onda boa e não voltaríamos tão cedo.
Chegando do outro lado do morro, no ponto da trilha onde vimos o mar, a galera pirou com a qualidade das ondas pela praia toda e dessemos o morro como loucos ou como uma manada desgovernada, aos berros como animais em transe.
Já na praia só tomamos água, deixamos nossas coisas na areia na sombra da vegetação da duna e fomos pro surf.
Foram horas e horas de puro êxtase em direitas e esquerda perfeitas, com água transparente, quente e praticamente só nós. O sonho de qualquer surfista.
Mas então quando resolvemos sair da água pra recompor as energias, tomar água e fugir do sol escaldante do meio dia encontramos nossas coisas todas reviradas, pisoteadas e quase todo o rango comido com papel, plástico e tudo. Os bois e vacas tinham avacalhado com a gente. Praticamente só sobrou água e um pouco de rango escondido em uma mochila menor que ficou bem fechada.
Nosso desânimo foi do tamanho da nossa fome e dava vontade de sair mordendo os bois que a essas alturas estavam deitados na areia muito calmos e só olhando pras nossas caras de trochas.
Nunca vi um boi sorrindo mas certamente eles deveriam estar muito felizes com aquela dieta saborosa de frutas, bolachas, sanduíches e outras cositas. É, eles comeram até o bagulho da raça.
Como não adiantava ficar chorando sobre o leite na teta da vaca a gente bebeu toda a água, distribuiu o rango que sobrou e voltou pro mar pra surfar até a fome ficar insuportável, depois subimos o morro como náufragos moribundos e chegando no bar do Alemão, lá no comecinho da trilha, gastamos o que tínhamos e não tínhamos pra comer o que estivesse disponível na hora.
A gente nem lembrou que precisava ter deixado uma grana pra completar a gastrol pra voltar pra casa e isso acabou gerando mais um perrengue mais pra frente, mas aí já é outra história.
Jovens são assim muito intempestivos e insensatos.
Aquela foi a última vez que deixamos nossas coisas jogadas na praia, então a lição serviu pra alguma coisa.
(Do https://inparadise.com.br/)
Nenhum comentário:
Postar um comentário