domingo, 5 de abril de 2020

"ELES SÃO MAIS FELIZES QUE OS EUROPEUS"


Mapa e relevo da Ilha de Santa Catarina produzido por M. Frézier em 1712
 Em fins de 1711 partiram de Saint Malo, França, os navios "Saint Joseph" de 36 canhões, 350 t. de deslocamento e 135 homens de guarnição, comandado pelo Capitão Duchênne Battas e "Marie" de 120 t. sob o comando do Capitão Jardais Damel. Em 30 de março de 1712 eles chegaram a Ilha de Santa Catarina.

O engenheiro militar francês Amadée M. Frézier fazia parte desta expedição e fez um estudo detalhado da "Meimbipe" dos Cariós -  já chamada de ilha de Santa Catarina - e de seus habitantes.


Abaixo, alguns trechos de seu relato que inicia  na página 16 de seu diário de bordo:

"Na terça-feira 30 de março (1712), como estivéssemos perto da terra, sondamos às 6 horas da tarde e encontramos 90 braças d'água fundo de areia, vasa e concha (...)
(...) continuamos a prumar de distância em distância, diminuindo o fundo de maneira uniforme, até 6 braças de fundo vasa cinzenta, onde fundeamos entre a Ilha de Santa Catarina e a terra firme (...)
Na manhã do dia 1o. de abril, o capitão destacou a nossa lancha e a da "Marie", com uma guarnição armada, para ir a procura de um sítio apropriado para fazer aguada e às habitações dos portuguêses, a fim de conseguir alguns refrescos(...)

Costeamos muitas e belas enseadas da ilha, ate que, detidos pela escuridão da noite fomos obrigados a pôr-nos em terra: o acaso nos levou a uma pequena enseada onde encontramos água e um pouco de peixe que muito a propósito pescamos e que um grande apetite o condimentou admiravelmente; passamos a noite vigiando os tigres que povoam as florestas cujas pegadas recentes acabáramos de ver sobre a areia; ao romper do dia avançamos ainda uma meia légua para verificar se não havia algum navio fundeado em Arazatiba
(Ilha de Araçatuba - Naufragados), o que não foi visto ( ...)
Os portuguêses que nos haviam visto passar com a bandeira inglesa no escaler (...) vieram em suas pirogas para nos oferecer refrescos; recebemos suas ofertas e em troca demos-lhes aguardente, licor que muito apreciam, ainda que ordinariamente costumem só beber água (...)

(...) A Ilha de Santa Catarina (...) é uma floresta contínua de árvores verdes o ano inteiro, não se encontrando nela outros sítios praticáveis a não ser os desbravados em torno das habitações (...) 12 ou 15 sítios dispersos aqui e acolá à beira mar nas pequenas enseadas fronteiras à terra firme; os moradores (...) são portugueses, uma parte de europeus fugitivos e alguns negros; vê-se também índios, alguns servindo voluntariamente aos portugueses, outros que são aprisionados de guerra (...)

Encontram-se eles em tão grande carência de todas as comodidades da vida que, em troca dos víveres (...) não aceitavam dinheiro, dando mais importância a um pedaço de pano ou fazenda para se cobrir (...) satisfazem-se com uma camisa e um par de calças; os mais distintos usam um paletó de côr e um chapéu; quase ninguem usa meia e sapatos; quando entram no mato utilizam-se da pele da perna de um tigre como perneira.
Não são mais exigentes com a alimentação do que com o vestuário; um pouco de milho, batatas, alguns frutos, peixe e caça, quase sempre o macaco, os satisfaz.

Essa gente, a primeira vista, parece miserável, mas eles são efetivamente mais felizes que os européus, ignorando as curiosidades e as comodidades supérfluas que na Europa se adquirem com tanto trabalho (...)"

Frézier: estudo minucioso da ilha e seu povo


Amedée Françoise Frézier, este famoso engenheiro militar francês nasceu em 1682 e morreu em 1773 com 91 anos. Foi contratado para construir fortes nas possessões espanholas na América do Sul, para defesa contra ingleses e holandeses. Serviu-se dessa viagem para inspecionar vários portos do continente, coletando outras informações científicas. Em sua viagem para o Pacífico, Frézier aportou na Ilha de Santa Catarina (1712), onde encontrou uma população bastante chocada pelo então recente ataque de Dugay-Trouin, no Rio de Janeiro. Tão logo eles avistaram o navio francês, toda a população fugiu para o interior. Contudo, acalmado o excitamento e a situação esclarecida, Frézier foi muito bem recebido pelo Governador Manoel Manso de Avellar, a quem se refere como Emanuel Mansa. Fez um estudo para um mapa da ilha e descreveu o estado primitivo em que viviam os 147 brancos ali. Em sua viagem de retorno do Pacífico, Frézier aportou também na Bahia (1714).

(Textos extraidos de "Ilha de Santa Catarina - Relato de viajantes estrangeiros nos Séculos XVIII e XIX" - Editora da UFSC e Editora Lunardelli - Terceira Edição - 1990)

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