terça-feira, 17 de março de 2020

MAR DE BRUXAS?

Fotos Andrea Ramos
Tia Ilda Maria, do Pântano do Sul, uma das últimas benzedeiras da ilha, benzendo redes da pesca!
A FÉ QUE CURAVA DOENÇAS

"Os primeiros tempos isolados do poder central e vivendo num ambiente inóspito, os primeiros imigrantes açorianos instalados na Ilha de Santa Catarina tinham na fé o principal recurso contra as doenças que afligiam a população na primeira metade do século XVIII. Benzedeiras e curandeiros eram a tábua de salvação para todos os males que atingiam os moradores da colônia.

A fé em um Deus supremo e a sorte regiam os lares dos primeiros imigrantes açorianos instalados na Ilha de Santa Catarina na primeira metade do século XVIII. Nesse tempo quando uma pessoa caía doente, acometida por qualquer um dos inúmeros males que rondavam a então escassa população ilhoa, a saída era recorrer às receitas caseiras de chá e ervas ou rezar muito.

Diante dessa quase ausência de chances de salvação, um recurso era buscar conforto nas práticas nada ortodoxas – e sem base cientifica – do curandeirismo e das benzeduras. Mesmo que sustentadas em conhecimentos empíricos e crendices, as ações de leigos com status de doutores se convertiam na última saída para quem quisesse salvar o enfermo da condição de entrevado ou da morte iminente. Os registros históricos são pródigos em narrativas sobre as enormes dificuldades enfrentadas pelos colonizadores. Desde os relatos dos viajantes navegadores europeus até estudos mais recentes feitos por pesquisadores, todos reforçam os desafios da terra nova, desconhecida e assustadora.

Respeitado pesquisador da cultura açoriana, Franklin Cascaes (1908-1983) reproduziu, por meio de peculiar e curiosa narrativa, o drama vivido pelos doentes nos primeiros tempos da imigração:
[...] Nesses tempos longínquos, na Vila Capitali, nem havia doutore (s) de dar remédios. As boticas eram pobres e o atendimento era feito por boticários que, na maioria das vezes, mal sabiam soletrar o be-a-bá. Ora, em situações de desespero, com relação a doenças que atacavam e corroíam o organismo humano até dá-lo à morte, o jeito mesmo era recorrer a Deus e aos Santos e, consequentemente, aos benzedores curandeiristas que existiam, e ainda existem entre as populações como figuras mitológicas respeitadas e, às vezes, muito xingadas, porém, sempre procuradas em ocasiões de desespero e desesperança como a única estrela de salvação[...]

[...] Os curandeiros substituíam os doutores das vilas e cidades, vivendo o espírito curandeirista e espiritualista de seus antepassados, receitavam e ainda receitam verbalmente plantas medicinais, extraindo, por meio de um processo de cozimento ou de infusão, princípios medicamentais. Usavam e ainda usam aplicações em forma de cataplasma ou de sinapismo de seivas, folhas ou frutos para atalhar o avanço das moléstias que, até nos dias em que vivemos, atacam e destroem os organismos químicos que mantém a vida nos corpos de argila humana crua. Quando bispavam que as doenças que atendiam eram males espirituais de inveja, de quebranto e muitos outros, recorriam às virtudes de poderosas benzeduras, que aprenderam com os mais velhos e respeitados curandeiros vindos entre levas de colonos, seus ascendentes, lá das Ilhas dos Açores, pra mó de viverem nesta terra abençoada, acolhedora e fantástica [...]

*Texto extraído do livro “A Saúde em Florianópolis – das benzeduras na Velha Desterro aos novos conceitos de promoção de saúde”. Coordenação de Edevard J. de Araújo - 2010

(Pesquisa e edição de José Luiz Sardá)

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