quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

MANÉMORIAS

Largo da Alfândega está na paisagem da cidade há mais tempo que o Mercado Público – Foto: Reprodução/ND

Largo da Alfândega: ND apresenta série histórica sobre o local no coração de Florianópolis

Prestes a ser reinaugurado após revitalização, o local é um dos pontos mais frequentados e importantes para o desenvolvimento da Capital de Santa Catarina
PAULO CLÓVIS SCHMITZ, ESPECIAL PARA O ND+, FLORIANÓPOLIS05/02/2020 ÀS 
Se o Largo da Alfândega, na configuração atual, é relativamente novo, posterior ao aterro da Baía Sul (construído na década de 1970), o prédio que deu nome ao logradouro tem quase um século e meio de história. Como tal, está na paisagem da cidade há mais tempo que o Mercado Público, que antes de ser transferido para o endereço definitivo funcionava próximo à praça Fernando Machado, vizinha da praça 15 de Novembro. É este largo que surgiu com o aterro que a Prefeitura de Florianópolis entregará no sábado (8), às 11h, revitalizado e com uma cara bem diferente da que tinha no início do ano passado.

Até os anos de 1960, dizem as testemunhas oculares e as imagens deixadas por inúmeros fotógrafos, a Alfândega possuía tanto ou mais importância que o Mercado, porque todas as transações de mercadorias comercializadas na cidade eram carimbadas ali. Havia um trapiche para carga e descarga, e as atividades alfandegárias, por sua importância para o erário, eram objeto de muita atenção dos governos. Foi só em 1964, com o fim do porto de Florianópolis, que a Alfândega perdeu a sua função.

A data da entrega da obra, 29 de julho de 1876, coincidiu com o aniversário da princesa Isabel, uma deferência do então presidente da província de Santa Catarina, Alfredo D’Escragnolle Taunay, à corte de Dom Pedro 2º. Mas esta área da Capital, onde o mar bateu até 1975, conheceu outro prédio com a idêntica finalidade que pegou fogo em 24 de abril de 1866. Foi um acidente terrível, gigantesco para as restritas dimensões da cidade, que começou com uma grande explosão e matou 10 pessoas.

O jornal “Despertador” deu assim a notícia: “Serião 7 horas, horrível explosão, originada, por certo, de matéria inflamável existente na mesma alfândega, fez abbater todo o edifício até os alicerces, levando pelos ares grande parte do teclo (sic), indo cahir a grande distancia; a detonação foi tal que fez estremecer os edifícios mesmo os mais distantes da praça; muitas vidraças inutilisadas. O incêndio manifestou-se immediatamente, e os sinos das igrejas davão signal dele!!”

É de imaginar o impacto do sinistro para o Desterro, antigo nome de Florianópolis. O mesmo jornal publicou os nomes das vítimas, incluindo na lista três pessoas que ficaram em estado grave e 12 que tiveram ferimentos leves.

Remanescente da região portuária

O prédio da antiga alfândega é um dos raros remanescentes da região portuária da cidade. Na orla havia vários trapiches, incluindo o que depois abrigou o bar Miramar, o do Mercado Público e o que recebia os passageiros dos hidroaviões que desciam perto de onde fica hoje a loja das Casas da Água.
Vista aérea mostra os trapiches que davam acesso ao Largo da Alfândega e ao Mercado Público antes do aterro – Foto: Reprodução/ND

Construído em estilo neoclássico, com mais de 1.300 metros quadrados, ele começou a operar de fato em fevereiro de 1877, pois precisava passar por uma inspeção técnica rigorosa. É interessante notar que, em 1875, Desterro também ganhou o Theatro Santa Izabel, depois rebatizado de Teatro Álvaro de Carvalho, o segundo mais antigo de Santa Catarina.

O geógrafo aposentado e pesquisador João Batista Soares recorda do trapiche e de um trilho que facilitava a carga e descarga de mercadorias que a cidade importava, incluindo o sal que vinha do Nordeste do país. O interior do prédio ainda tem alguns vestígios das operações, e a mureta encontrada intacta nas recentes obras de prospecção mostra o ponto de encontro do mar com a terra antes que o governador Colombo Machado Salles decidisse construir a primeira ponte de concreto entre Ilha e Continente.

“Lembro das embarcações que encostavam ali e das linhas de ônibus que saíam em direção ao Estreito e bairros próximos”, diz Soares. “Os coletivos tomavam a rua Conselheiro Mafra, subiam pela Trajano e na esquina do Ponto Chic pegavam a Felipe Schmidt, soltando uma fumaça preta que assustava quem estava por perto. Ali havia também o bar São Pedro, que servia um caldo de cana sem igual, a casa Iolanda, da família Mussi, e a Casa Busch, além de outros importantes estabelecimentos comerciais”.
Um prédio perto de tudo

Prova de que a vida mais agitada no centro de Florianópolis se limitava ao entorno da praça 15 de Novembro, com atividades que se estendiam até um pouco além do Mercado Público, é que as ruas próximas da antiga Alfândega concentravam o melhor comércio da cidade e hotéis como o Majestic, o Lux, o Querência e o Laporta. A escolha do local para instalar a Alfândega deveu-se à estratégia de ficar o mais perto possível do porto, na região conhecida como Rita Maria, para os lados da ponte Hercílio Luz. Ali, os navios e galpões do grupo Hoepcke dominavam o cenário, complementado com um estaleiro para a construção e reparo das embarcações.
Imagens como o desenho do prédio da Alfândega, fazem parte da memória do Estado – Marco Santiago/arquivo/ND

A partir dos anos 70 do século passado, a antiga Alfândega foi sede do Masc (Museu de Arte de Santa Catarina, vinculado administrativamente à Fundação Catarinense de Cultura), depois abrigou a Associação dos Artistas Plásticos de Santa Catarina e mais recentemente a Loja de Artesanato Catarinense (também sob o guarda-chuva da FCC), que oferece aos nativos e turistas peças e lembranças da cidade como pequenos tabuleiros de renda de bilro, cachaças artesanais e panelas de barro. Também chamado de Galeria do Artesanato, o espaço abriga obras de cerca de 120 artesãos de várias regiões do Estado.

No andar superior, funciona o escritório técnico do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), cuja direção fica na praça Getúlio Vargas. O prédio é tombado como patrimônio histórico e artístico da União e do município de Florianópolis. De acordo com o Iphan, após a reinauguração o edifício abrigará a Casa do Patrimônio, com espaços expositivos, biblioteca especializada no tema do patrimônio cultural, café e salão multiuso para oficinas, projeções de filmes e vídeos e outras atividades culturais.

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