domingo, 2 de fevereiro de 2020

CRIANDO CAMARÕES!

Berçário ajuda a fortalecer o camarão e garante produtividade(Foto: Guilherme Hahn, Especial)

Produtores do Sul de Santa Catarina voltam a investir na criação de camarão em viveiros

Modernização no sistema de produção tem garantido o retorno seguro e rentável da atividade na região

Por Lariane Cagnini
lariane.cagnini@somosnsc.com.br 
Por Ben Ami Scopinho
ben.scopinho@somosnsc.com.br

Presença garantida na culinária litorânea durante o verão, o camarão é o queridinho da temporada. Versátil, ele pode ser servido de várias maneiras, e para acompanhar a demanda de consumo os produtores do Sul de Santa Catarina voltaram a investir. Com tecnologia, a carcinicultura, que é a criação de camarão em viveiros, tem recuperado espaço. Em 2018, 311,83 toneladas foram produzidas no Estado.

Os dados são do Centro de Desenvolvimento em Aquicultura e Pesca (Cedap), vinculado à Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri). Apesar de a produção ainda não suprir a demanda, houve um crescimento de 14,47% em relação ao ano anterior, que registrou 272,40 toneladas. O número de produtores dobrou, de 10 para 21.

A maior região produtora de camarão em cativeiro no país ainda é o Nordeste, responsável por 99% segundo dados de 2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Especialistas no setor estimam que mais da metade do camarão consumido pelo brasileiro vem das fazendas de cultivo, e o restante é de pescadores artesanais que trabalham com o camarão nativo.

O camarão criado em viveiros, da espécie Litopenaeus vannamei, é uma espécie marinha exótica. Ela foi introduzida no Brasil na década de 1980, se adaptou muito bem e Santa Catarina chegou a ter 112 fazendas de camarão no início dos anos 2000. Foi a Síndrome da Mancha Branca, doença que se manifesta na produção em cativeiro, que dizimou o cultivo e jogou a produção para baixo. 

No auge, a região de Laguna chegou a produzir 4,1 mil toneladas em 2004, o que colocou Santa Catarina entre os cinco maiores produtores de camarão no Brasil. A doença se manifestou primeiro aqui, subiu lentamente pelo litoral e atingiu o Ceará em 2016.

Apesar do vírus, a melhoria nas técnicas de manejo garante a manutenção da carcinicultura no Nordeste, e foi de lá que Pedro Buss buscou inspiração. Presidente da Associação Catarinense de Criadores de Camarão (ACCC), Buss foi o pioneiro nas fazendas com sistema de berçário intensivo para a pós-larva no Estado. Em um ambiente controlado, o camarão se desenvolve melhor, e quando vai para a engorda a taxa de sobrevivência fica na casa dos 90%.

– Dentro da nossa região, para criar camarão tem que ter o berçário. É cautela, é uma ferramenta que ajuda o produtor. Berçário e baixa quantidade de camarão por metro cúbico, por precaução, para uma produção segura e de camarão sadio – defende Buss.

As estufas, ou berçários, têm controle de pH da água, temperatura e oxigênio. As pós-larvas vêm do laboratório, ficam 30 dias nesse ambiente com alimentação a cada duas horas, e só então são transferidas para os viveiros. Depois, são mais 60 dias até estarem com uma média de 12 a 18 gramas cada, e então é feita a retirada desses crustáceos da água, chamada de despesca. Cinco produtores catarinenses já investiram nos berçários. A estrutura custa entre R$ 100 e R$ 150 o metro quadrado, e as fazendas precisam de funcionários 24 horas por dia.

Para o produtor Clemilson de Andrade, a mudança traz bons resultados. São cinco berçários na propriedade, e nos dois ciclos ocorridos foram produzidas 13,5 toneladas:

– O camarão sai daqui (berçário) fortalecido, e quando vai para o viveiro, consegue enfrentar qualquer alteração de temperatura ou doença.

Segurança e produtividade

Na época em que a doença viral se manifestou, os produtores não tiveram condições de seguir investindo devido ao prejuízo financeiro. A síndrome não é perigosa para o ser humano, mas quando acomete o camarão, pode dizimar todo o viveiro em poucos dias. Como outros países conseguiram driblar a doença e manter as produções, foi possível reproduzir esse modelo que tem dado certo até aqui.

A recuperação aparece em números: segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018 a carcinicultura cresceu 11,4% em todo país na comparação com o ano anterior, chegando a 45,8 mil toneladas produzidas. Os números estimados pelo setor são um pouco mais expressivos. 

O engenheiro de Pesca Itamar Rocha diz que no ano passado a produção de camarão marinho foi de 115 mil toneladas no Brasil. Desse total, 90 mil toneladas vieram da carcinicultura, 78,2%, e as outras 25 mil toneladas da pesca extrativa, que equivalem a 21,7% do volume total. Segundo Rocha, tudo foi absorvido pelo mercado interno.

Para o coordenador de Aquicultura e Pesca Artesanal da Epagri, Luiz Rodrigo Mota Vicente, a mudança nos modelos de produção é que pode garantir uma retomada sustentável da atividade no Estado. 

Na avaliação do médico veterinário, a utilização dos sistemas bifásicos e trifásicos é o caminho. Com as estufas na fase de criação, o tempo de exposição do camarão nos viveiros é reduzido. No ambiente aberto é onde está o vírus, que pode aproveitar mudanças climáticas bruscas para se manifestar. Uma pós-larva fortalecida tem mais chance de sobreviver durante a engorda.
Na pesquisa, surge um meio para a retomada

Para fomentar ainda mais a produção segura e sustentável do camarão em cativeiro, o campus de Laguna da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) criou um Grupo de Interesse em Carcinicultura. Sob o comando do professor Giovanni Lemos de Mello, comunidade acadêmica e produtores se reúnem para buscar soluções para problemas do dia a dia.

Além da adesão das fazendas aos berçários intensivos, outras novidades surgem no setor. Um dos investimentos mais recentes na região é na produção em circuito fechado, no sistema de bioflocos. Em uma área bem menor, todo processo é acompanhado em detalhes, sem trocas de água. Ali, as bactérias heterotróficas e nitrificantes fazem todo o trabalho de manutenção da qualidade de água dos tanques, o que estimula a produção desses bioflocos microbianos, que também servem de alimento para o camarão.

Nesse sistema intensivo, é possível acondicionar uma média de 300 a 400 camarões por metro cúbico, enquanto nos viveiros convencionais, a média é de 15 a 20. A produtividade pode ser até 20 vezes maior. Entretanto, o investimento para implantar esse formato é mais elevado. Calcula-se por volta de R$ 2,5 milhões por hectare o custo de uma fazenda de produção de camarões marinhos em sistema de bioflocos.

Para Mello, o cultivo de camarão nos moldes tradicionais nada tem a ver com o camarão do futuro. Para os próximos anos, o ambiente será cada vez mais controlado e com padrões rígidos de bioseguridade. A doença não acabou, mas com o manejo correto, é possível conviver com ela sem que haja prejuízo. O momento é de cautela e de remodelar a produção, para que Santa Catarina possa, aos poucos, retomar o lugar de destaque na carcinicultura.

– As fazendas que investiram no sistema bifásico, de berçário e engorda, têm resultados promissores. Porém, ainda não se pode dizer que existe um pacote tecnológico pronto e definitivo. O berçário é uma ferramenta indispensável para essa carcinicultura do futuro que a gente imagina – projeta Mello.

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