sábado, 22 de fevereiro de 2020

A FESTA

Ilustração Andrea Ramos
A FESTA

     Inácia olhava o mundo através de uns olhos verdes claros. A menina as vezes via peixinhos  nele, outras vezes via  nuvens cinzentas que desaguavam em tempestade. Mas  normalmente a mãe  era alegre.Cantava quando estendia roupa lá fora e quando cuidava, com  carinho, do seu canteiro de ervas, que  a  menina chamava de plantinhas mágicas, pois acabava com qualquer tipo de dor.
       Todo final de tarde, quando o por do sol deixava o mundo cor de rosa, as duas sentavam-se junto à janela.  E os que passavam por lá,  paravam e contavam  histórias. Naquela semana  foi grande o movimento na janela  da casinha que ficava a beira do caminho. Uns voltando da lida no mar, outros  da terra. Todos contentes, envolvidos com os preparativos da Festa..
          
Na segunda feira passou Josino, puxando o cavalo preto que trazia no lombo suado dois  cerões cheios de cimento,  pra terminar o piso do salão pro dia da Festa. Contou que  eram tantos os peixes na rede, que a praia estava todinha  prateada. Deu uns mariscos   pra mãe cozinhar, cascar e comer com farinha. Perguntou se tinham visto o seu Quiqui, da rabeca. Disse que estava  preocupado pois a  garganta  doía e  não ia poder cantar na Festa. Daí a mãe deu  um pedacinho de gengibre pra ele fazer gargarejo antes de dormir.
      
Na terça-feira  passou  seu João, carregando cipó nas costas, pra fazer o balaio  pra guardar as massas do leilão pro  dia da Festa. Contou que já tinha socado a farinha e o amendoim no pilão,  pra Dona Hilda fazer a pijajica que todo mundo adorava. Deu umas pedrinhas pra menina colocar no chão da casa de bonecas. Perguntou se tinham visto passar Darci, do violão. Disse que estava preocupado pois a mulher  andava com as dores do reumatismo e não ia poder  dançar na Festa. Daí a mãe deu um punhadinho de  Erva baleeira pra ela fazer chá e tomar antes de dormir.
       
Na quarta-feira passou Tina, trazendo a sacola cheia de flores e bandeirolas pra enfeitar a Santa Cruz  pra novena, no dia da Festa. Contou que tinha uma  cachapa  de marimbondo tão grande  no pé de bergamota que a criançada tinha que tomar cuidado pra não ficar de cara inchada. Deu um carretel de linha branca pra mãe terminar as toalhinhas de renda de bilro estreladas .  Perguntou se tinham visto passar o Pedroca, da gaita. Disse que estava preocupada pois  a filha tinha começo de gripe e    não ia poder  vir pra Festa. Daí a mãe deu um punhadinho de Melissa pra ela fazer chá e tomar antes de dormir.
        
Na quinta-feira passou Nestor, indo buscar lenha pra fazer o fogo pra assar as tainhas, no dia da Festa. Contou que  o gambá safado,  tinha arrebentado a armadilha que ele armara no telhado.  Deu uns galhos de guarapuvu pra menina fazer a cerca de sua casinha de bonecas.   Perguntou se tinham visto passar O Rodolfo, que cantava.  Disse que estava preocupado pois  andava muito ciumento de Rosinha e podia arrumar briga na festa. Daí a  mãe deu um punhadinho de erva-cidreira pra ele fazer chá e tomar antes de  dormir.
      
Na sexta-feira passou Miroslau, carregando os bambus  pra fazer as tochas pra iluminar  todo o lugar, no dia da Festa. Contou que tinha ouvido no rádio que sábado ia dar tempo bom, com noite clara de lua cheia. Deu um marimbau  que ele tinha acabado de pescar pra mãe fritar na panela.  Perguntou se tinham visto passar o Armindo, da viola. Disse que estava preocupado pois  a acidez e o mal estar  não passavam e  não ia poder aproveitar as comilanças da festa. Daí a  mãe deu um bocadinho de boldo pra ele fazer chá e tomar antes de dormir.
       
No sábado passaram  Quiqui da rabeca, Darci do violão, Pedroca da gaita, Rodolfo que cantava e Armindo da viola. Contaram que  estava vindo gente de todos os lados, pra Festa. Deram um beijo na menina que tinha os cabelos cheirando a marcela. Perguntaram se alguém tinha procurado por eles. Disseram que estavam preocupados pois podiam  não tocar bem na Festa. Daí a  mãe deu um galinho de arruda pra cada um botar atrás da orelha. Então as duas  tomaram banho com água de alecrim, escovaram bem os cabelos, puseram seus vestidos  coloridos e calçaram seus sapatos brancos. Fecharam a janela e foram pra Festa!

(Conto inédito de Andrea Ramos)

4 comentários:

Lengo D'Noronha disse...

Delícia de conto, Andreia! Da ilustração nem falo nada.Ela diz tudo.

Abraço festivo!

vanio michels disse...

Querida Andréa,
"A Festa" não se lê, apenas.
Ouve-se, bebe-se, viaja-se...
Lindo.
Parabéns!

.................................................................... disse...

Obrigada meninos! Em breve estarei publicando outros contos da mesma safra. Beijos!

Anônimo disse...

Querida Andréa é lindo este conto eu já estive nesta festa a muito tempo atrás..........beijos