segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

VOCÊS VERÃO

Turistas e moradores aproveitam o balneário em meio aos barcos, que compõem há décadas a paisagem da região – Foto: Anderson Coelho/ND

Banhistas e pescadores disputam faixa de areia da praia da Armação, no Sul da Ilha

Liminar judicial proíbe permanência de barcos no local e pescadores cobram o desassoreamento do rio Sangradouro para desocupar a orla

EDUARDO CRISTOFOLI, FLORIANÓPOLIS

Na praia dos pescadores, não tem mais espaço para quem pesca. A Armação, no Sul da Ilha, é uma das praias mais afetadas pelo avanço do mar. A faixa de areia está cada vez menor e a Justiça determinou que o espaço que resta deve estar livre para os banhistas. Pescadores da comunidade reclamam que a decisão coloca em xeque a pesca artesanal no local. É que no mar, em dia de ressaca, as embarcações correm o risco de afundar. E em terra firme, se ficarem sobre a faixa de areia, os barcos poderão ser apreendidos e destruídos pelo poder público. “Isso aqui é a nossa cultura. Nós estamos aqui já desde 1772. Vamos correr para onde?”, questiona o presidente da Associação dos Pescadores Artesanais da Praia da Armação, Aldori de Souza.

A ordem judicial ordena à União, ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), ao ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), ao IMA (Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina), ao município de Florianópolis e à Floram (Fundação Municipal do Meio Ambiente) que adotem todas as medidas necessárias para identificar e providenciar a imediata retirada de todos os equipamentos náuticos que estejam ilegais na Zona Costeira. O acórdão do TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) determina ainda a posterior perda e destruição dos equipamentos flagrados em condição irregular durante os trabalhos de fiscalização. E se a prefeitura, ou algum dos demais réus, não cumprir a determinação, terá que pagar multa diária de R$ 5 mil.

Ainda não se sabe quando ocorrerá o julgamento da ação (sentença de mérito). Já teve liminar, recurso ao TRF e determinação de um minucioso estudo na região do Sul da Ilha. O MPF (Ministério Público Federal) reclama da negligência e morosidade dos réus na adoção de medidas efetivas para impedir a ocupação irregular da costa e recuperar as áreas com construções irregulares. O MPF justifica que entrou com a ação judicial para proteger o patrimônio público federal e defender o meio ambiente.

Os pescadores reclamam da falta de incentivo e da burocracia imposta a quem vive da atividade. “Os nossos antepassados já habitavam isso aqui e viviam da pesca. No meu ver, a gente está dentro da cultura e ninguém dá apoio. E aí, de repente, vem uma decisão e nós temos que sair”, desabafa Aldori.
Pesador Aldori de Souza defende a valorização da cultura da pesca na região – Foto: Eduardo Cristofoli/ND

Pescadores defendem solução mais simples e barata do que engordamento

O plano de fazer na Armação o mesmo que está sendo feito em Canasvieiras não é de agora. Em 2011, o município chegou a elaborar um projeto básico para a recuperação da praia da Armação. As soluções técnicas apresentadas na época previam a construção de um molhe, de um enrocamento de proteção, e o engordamento de uma faixa de 50 metros de praia, ao longo de 1.600 metros da orla. Ficou no papel. Diante das promessas até agora não cumpridas, os pescadores reivindicam uma obra mais simples, bem mais barata, e que resolve o problema da falta de espaço para as embarcações. É o desassoreamento do rio Sangradouro.

O pescador Arnaldo dos Santos conta que no passado o rio tinha cinco metros de profundidade. Hoje tem um palmo de água. Ele defende que a reabertura do canal deixaria os pescadores mais tranquilos e a faixa de areia livre. “As embarcações ficariam no canal, seguras, e não atrapalhariam mais os banhistas. Duas escavadeiras e uma draga fazem o serviço. Só que eles querem fazer um projeto muito grande, aí não sai do papel porque fica caro”, comenta Arnaldo.
Desassoreamento do Rio Sangradouro pode ajudar a resolver problema da falta de faixa de areia – Foto: Eduardo Cristofoli/ND

De acordo com a assessoria de imprensa, na Secretaria de Infraestrutura da Capital não tem nenhum projeto de dragagem do canal do rio Sangradouro. O município não descarta a possibilidade de realizar a obra reivindicada pelos pescadores, mas para isso é preciso de projeto, as licenças necessárias, e recurso financeiro.

A prefeitura informou que, diante da erosão costeira, trabalha para tentar resolver tanto o problema dos pescadores da Armação quanto dos banhistas e moradores. Por isso, mantém como meta o alargamento da faixa de areia. A prefeitura informou que está encaminhando a documentação necessária para que o Instituto do Meio Ambiente faça as análises necessárias sobre o Estudo de Impacto Ambiental da obra. O projeto de engenharia deve ficar pronto até a metade do ano. Para viabilizar a obra, a prefeitura vai depender de um financiamento. Ainda não há recurso garantido para isso. O município estima que o alargamento da faixa de areia da Armação vai ter um custo semelhante ao valor pago pelo engordamento da praia de Canasvieiras (R$ 10,5 milhões).

O que dizem os réus

Tanto o Ibama quanto o ICMBio argumentam que o MPF não delimita especificadamente qual a omissão quanto às suas atribuições. O Ibama justifica ainda que a ação é genérica e a competência para fiscalizar a área é do município e do Estado. O Iphan justificou que não houve omissão de sua parte.

A União argumenta que não há qualquer prova que a Secretaria do Patrimônio da União deixou de adotar as medidas necessárias para conter a degradação na orla do município de Florianópolis.

O IMA afirma que não há qualquer menção à licença ambiental concedida pelo órgão que estivesse em desacordo com a legislação ambiental. Os questionamentos dizem respeito à atividades únicas do município.

A prefeitura diz que já vem cumprido uma série de ações determinadas pela Justiça, de processos anteriores. Em relação à recuperação ambiental da área – que o MPF pede a demolição de todas as estruturas físicas (casas, edificações, atracadouros, molhes e trapiches que ocupem ilegalmente bens da União) – a prefeitura defende que não há como admitir qualquer julgamento em relação ao assunto sem que os moradores também tenham a oportunidade de defesa (sejam chamados ao processo).

Contraponto

O Ministério Público Federal enfatiza que nos últimos 24 anos já requisitou inúmeras vezes à Superintendência do Patrimônio da União para identificar as edificações ilegais, promover a sua demolição e garantir a recuperação ambiental. “…tamanhos são o descaso e a sensação de impunidade que a União não só nada fez, mas também nem se preocupou em dar uma satisfação e responder aos expedientes”, diz o MPF no processo. O MPF destaca que é a SPU que tem o dever de zelar pela integridade dos imóveis pertencentes à União.

Para o Ministério Público Federal o IMA, o município de Florianópolis, juntamente com a SPU, a Casan e a Celesc, têm há anos contribuído para o agravamento da situação das ocupações ilegais por aprovar e manter serviços urbanos básicos nesses locais. Assim, em vez de cumprirem rigorosamente a legislação, todos acabam estimulando a população a ocupar estes espaços, e neles permanecendo, apesar de todos estes órgãos terem clareza que é expressamente proibido intervenções em áreas de preservação permanente.

“Não vamos prejudicar os pescadores”

Para o Superintendente da Pesca, Maricultura e Agricultura de Florianópolis, Adriano Weickert, a saída para o impasse é o bom senso. De acordo com ele, a prefeitura está buscando alternativas para, de forma serena e correta, tentar minimizar os impactos, mas garantindo a permanência dos pescadores onde eles estão. “Já apresentamos um plano com a reorganização dos barcos na praia. Não vamos prejudicar os pescadores”, diz ele.

Weickert acredita que com diálogo é possível conciliar o interesse de todos. Ele destaca que a presença dos barcos já faz parte do cenário, e isso é mais um atrativo turístico. Diz que as pessoas gostam dessa interação com a pesca artesanal. Reconhece que as embarcações não podem bloquear o ir e vir das pessoas, mas defende que é preciso maior valorização dessa atividade. “Vamos readequar a praia da Armação do jeito que ela merece e resgatar o respeito e a valorização dos nossos pescadores”, destaca o superintendente.

Embate judicial começou ainda em 2018
Setembro de 2018 – MPF entra com Ação Civil Pública

A lista de réus envolve orgãos federias, estaduais, e a prefeitura de Florianópolis. O Ministério Público Federal justifica que a ação tem o objetivo de proteger o Patrimônio Público Federal e resguardar o Meio Ambiente. O foco é a área entre o Morro das Pedras até a Lagoinha do Leste.
Outubro de 2018 – Justiça concede liminar

Decisão judicial determina o cumprimento imediato de uma lista de nove itens. Entre eles, a identificação e retirada de todos os equipamentos náuticos ilegalmente instalados dentro da zona costeira. Para o MPF, há indícios de negligência e morosidade dos réus na adoção de medidas efetivas para impedir a continuidade de ocupações e construções irregulares na região.
Final de 2018 – Réus entram com recurso

O ICMBio, a União, o Ibama, o Iphan, o Ima e o Município de Florianópolis contestam a decisão e tentam derrubar a liminar.
Janeiro de 2019 – Audiência de conciliação termina sem acordo
Maio de 2019 – TRF suspende quatro das nove determinações liminares

Tribunal Regional Federal entende que ações irreversíveis, como a remoção de aterros e destruição de obras – exceto aquelas que demonstrem flagrante risco – não devem ser determinadas por liminar. E justifica que a suspensão parcial tem por objetivo evitar que a administração pública cometa atos que ao final do processo se demonstrem desnecessários ou até incabíveis. A ordem para retirada de barcos ilegalmente instalados dentro da Zona Costeira é mantida. Os réus também são obrigados a adotarem medidas para evitar novas interferências sobre os bens da União
Segundo semestre de 2019 – Ocorrem vários despachos em relação ao processo

Sem novas provas, juíza dá prazo para alegações finais.
Dezembro de 2019 – Réus apresentam alegações finais
Janeiro de 2020 – à espera de sentença

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