terça-feira, 8 de outubro de 2019

VENENO, DESMATAMENTO...


A experiente pescadora Nair Maria Cabral Mence, a Naca, de Governador Celso Ramos, alerta para as mudanças climáticas(Foto: Tiago Ghizoni)

Pesca artesanal é impactada por agrotóxicos, desmatamento e mudanças climáticas

Relatório mostra que atividade é prejudicada pela pesca industrial, cultivo de arroz em grande escala, esportes náuticos, especulação imobiliária, turismo predatório, privatização de terras públicas e mineração

Por Ângela Bastos
angela.bastos@somosnsc.com.br 

Nem tudo é paz no mundo da pesca artesanal. A atividade sofre impacto das mudanças climáticas, desmatamento e uso de agrotóxicos. As pescadoras que atuam no Litoral catarinense têm percebido alterações no dia-a-dia.

Mudanças repentinas no clima intrigam a experiente pescadora Nair Maria Cabral Mence, a Naca, de Governador Celso Ramos:

— Há 40, 50 anos, a gente se levantava de manhã cedo, olhava o céu e sabia se o vento viria. Hoje, não.

Para ela, estas variações se devem à poluição causada principalmente pelo desmatamento. Mas Naca também aponta que o pescador deveria ser mais cuidadoso: 

— Eu já tirei muito lixo das redes, principalmente sacolas de plástico e garrafas PET. Não dá para levar e depois jogar fora, é preciso cuidar da natureza se não um dia tudo acaba — avisa.

A cada ano, cerca de 10 milhões de toneladas de lixo chegam aos mares e oceanos. Plásticos e derivados, como sacolas, são os principais detritos encontrados. Bárbara dos Santos, de São Francisco do Sul, afirma que as comunidades pesqueiras correm riscos. 

— Já vi tartaruga querendo comer uma sacola de plástico por achar que é uma alga. A gente tem que cuidar do meio ambiente, pois dependemos dele — pede a pescadora.

Josilene Maria da Silva, de Florianópolis, também alerta: 

— O mar está mudando, a temperatura do mar está subindo. Antes o peixe procurava a água quente para desovar. Como esquentou, o cardume não vem mais.
Documento cita agrotóxicos como um dos riscos

O relatório “Conflitos Socioambientais e Violações de Direitos Humanos em Territórios Tradicionais Pesqueiros no Brasil”, publicado em 2016, comprova isso. Santa Catarina aparece no mapa e identifica 1.250 famílias enfrentando conflitos nas comunidades do Farol de Santa Marta e de Cigana, em Laguna, e em Garopaba, ambas no Sul do Estado. 

A coletânea apresenta informações sobre violências sofridas pelas comunidades de pescadores e pescadoras artesanais que vivem em águas continentais e ao longo do litoral brasileiro. O levantamento é uma iniciativa do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP). Conforme o relatório, desde 2010 cerca de 500 famílias são atingidas por conflitos na região do Farol de Santa Marta, desde 2010; e mais 250 famílias em Cigana, mais anteriormente ainda, a partir de 2003. Em Garopaba seriam 500 famílias nesta realidade que se iniciou em 2005.

Os conflitos têm agentes causadores diferentes, embora um ou mais atinjam a tradicional modalidade: pesca industrial, cultivo de arroz em escala industrial, esportes náuticos, especulação imobiliária, turismo predatório, privatização de terras públicas, mineração. 

Sobre o plantio, o relatório aponta que o cultivo industrial dos arrozais tem privatizado terras e águas públicas e contamina os recursos hídricos com agrotóxicos que provocam a mortandade das espécies. A atividade de mineração faz a supressão da vegetação nativa e polui com o uso de produtos químicos para o clareamento de areia. 

Há, ainda, o avanço da especulação imobiliária por parte de veranistas que provoca disputa pelo território pesqueiro. Esses empreendimentos econômicos têm promovido a degradação de sítios arqueológicos (Sambaquis) existentes na região, denuncia o documento da pastoral social ligada à Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

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