Entre uma tarrafeada e outra, Cida mostra que não abriu mão daquilo que aprendeu a gostar: o convívio na praia(Foto: Tiago Ghizoni)
"Dei um carteiraço no homem que me proibiu de pescar", conta Cida da Silva
Ela entrou para o mundo da pesca com 21 anos. Eram tempos difíceis para sobreviver, marcados pelo preconceito, uma época em que os homens se achavam donos do mar
Por Ângela Bastos
angela.bastos@somosnsc.com.br
Do agreste pernambucano para as águas frias do Sul catarinense. Assim é a trajetória de Maria Aparecida Mendes da Silva, a Cida, 59 anos, pescadora artesanal profissional. Cida morou 23 anos no Farol de Santa Marta, em Laguna, onde participava ativamente das atividades pesqueiras e ambientais. Hoje, ela mergulha as redes nas águas salobras da Lagoa de Santo Antônio. Vez que outra, arrisca tarrafear num dos territórios mais concorridos, o canal, onde botos ajudam os pescadores.
— Aqui é um lugar muito bonito, apesar da disputa pelo espaço. Eu evito conflito e fico um pouco distante, pois tem homem que pode se achar o dono do pedaço — diz.
Foi justamente uma atitude machista que levou Cida a se profissionalizar. Lá pelos anos 1990 ela resolveu tarrafear dentro do cerco da tainha, o que é permitido pelos pescadores no momento em que a embarcação cerca o peixe na beira da praia. Certo dia, quando isso acontecia, um homem gritou:
— Tu não podes tarrafear. Dentro do lance só tarrafeiam profissionais.
Cida conta que emudeceu. Mas ficou revoltada e decidiu não abrir mão daquilo que havia aprendido a gostar: o convívio na praia.
— Eu senti que era discriminação, porque havia muitos ali, até crianças pescando — recorda.
Ao ser impedida por um homem de pescar, Cida não se deixou vencer: recorreu ao Ibama e buscou a carteira profissional(Foto: Tiago Ghizoni)
Um tempo depois ela decidiu procurar o Ibama e providenciar a documentação exigida. Mais tarde a situação se repetiu. Ela se preparava para atirar a tarrafa dentro do cerco quando o mesmo homem voltou a dizer que ali era só para profissionais. Cida deu-lhe o troco. Tirou a carteira de pescadora profissional do bolso e respondeu:
Tens razão, aqui é só para profissionais. Dei-lhe um carteiraço.
Encanto, sobrevivência, valentia
PESCADEIRAS
"Cidoca na pesca!"
— Era uma pessoa muito boa e sabedora que eu estava sem grana. Com isso, ganharia uns peixinhos para levar para a casa — recorda.
A proximidade com o mar a encantou. Gostou, pegou jeito e se ofereceu para o desmalho nos botes que chegavam carregados. Porém, a partilha era pouca. Observou, então, o trabalho da estiva — colocação de paus embaixo dos barcos na hora de colocá-los e retirá-los da água. Única mulher na estiva, Cida teve que enfrentar preconceito.
Sob o olhar dos homens que fazem a pesca com ajuda de botos no Canal da Lagoa de Santo Antônio, em Laguna, Cida joga sua tarrafa naquele que é um dos territórios mais disputados (Foto: Ângela Bastos)
— Eu entrei na pesca com 21, 22 anos. Era o ano de 1982, tempo em que o machismo era bem maior do que hoje — acredita.
Cida manda um recado às mulheres que sentem discriminação na pesca:
Eu digo que não desistam, sejam valentes. A luta não é fácil, mas a gente só perde quando desiste.
A pescadora Cida trabalha em Laguna(Foto: Tiago Ghizoni)
Expediente
Reportagem: Ângela Bastos
Edição: Stefani Ceolla
Design: Aline Costa da Silva e Maiara Santos
Fotos e vídeos: Ângela Bastos, Tiago Ghizoni e Jean Carlos de Souza
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* Matéria multimídia originalmente produzida e veiculada no Diário Catarinense e no Jornal do Almoço da NSC TV sobre as mulheres na pesca artesanal em Santa Catarina!
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