quinta-feira, 3 de outubro de 2019

MULHERES NO MAR


Paulina aprendeu a pescar aos seis anos com o pai e 72 anos depois ainda está na atividade, em São Francisco do Sul(Foto: Tiago Ghizoni)

"Se pudesse, eu morava no mangue", diz Paulina Oliveira, pescadora de 78 anos

Foi no lugar rico em diversidade, onde rio e mar se encontram, que pela primeira vez Paulina sentiu o cheiro da maresia. Mais de 70 anos depois, ela continua a frequentar o berçário natural de onde retira espécies que ajudam no sustento da família

Por Ângela Bastos
angela.bastos@somosnsc.com.br

Com seis anos de idade e água acima do umbigo. Assim, e pelas mãos do pai, Paulina Marques de Oliveira se iniciou como pescadora. Estava traçado o destino de vintém da menina que nunca se afastaria do mar. Mais de 72 anos se passaram, e agora a viúva que mora em São Francisco do Sul continua perto da água. Todo dia vai ao mangue, joga caniço, põe as redes. Especializou-se em pescar e limpar um peixe rejeitado por muitos por temor de intoxicação, o baiacu, iguaria disputada por tradicionais clientes donos de restaurantes.

Paulina tem o rosto riscado de ângulos. Resposta de uma vida simples e marcada pelo sol. Recém-amanhece e a rotina da pescaria movimenta a casa onde abriga filhos e netos. Em dias quentes é ela a primeira a sair da cama e a tomar café. O corpo é frágil, mas os passos rápidos. Não fosse a estatura menor que um metro e meio, a agilidade poderia ser comparada à de um maçarico, pássaro aquático de corpo leve e pernas altas, comum no litoral. 

Paulina avisa:

— Estou pronta. Vamos que já é hora, se não a maré baixa e a embarcação encalha.

Um casal de filhos segue a mãe. Isabel, separada e mãe de duas crianças; e Daniel, quarentão solteiro, que puxa o carrinho (reboque) levando bateria, galão com diesel, baldes, caniços, redes. Além de uma térmica com café e um pacote com bolachinhas doces.

— Antes eu levava tudo na mão. Mas chegou a idade e as pernas estão mais fracas — explica Paulina.

São em torno de 300 metros até o porto, onde a bateira de madeira fica amarrada. A embarcação é pequena, antiga, desgastada pelo uso. Antes que o filho ligue o motor, a comandante avisa:

— Tem que esgotar. A gente nunca sabe o que vem por aí — enquanto olha para o céu nublado.

Paulina ficou em silêncio por quase meia hora em que o barco navegou. 

— Se eu pudesse, eu morava no mangue — disse, então, enquanto suas mãos castigadas se enterravam na lama em busca de pequenos caranguejos usados como isca.

Foi nesse lugar rico em diversidade, onde rio e mar se encontram, que pela primeira vez Paulina sentiu o cheiro da maresia.
Meu pai pescava com camboa. Eu era pequeninha e ficava agarrada nos paus até a maré baixar. Aí, sim, tinha que juntar os peixes.

Camboas eram armadilhas utilizadas pelos índios para capturar os peixes durante a maré do mangue. A técnica usa reentrâncias e esteiras que se enchem de acordo com o sobe e desce das águas. Na curva forma-se uma espécie de grandes tanques fora da circulação das águas. O local é procurado pelos peixes para se alimentarem, reproduzirem e fugirem do fluxo contínuo da maré.

— Os peixes vinham e ficavam. A gente voltava para casa cheia de alimento — rememora.

Paulina a caminho do mar e os encantos do mangue(Foto: Ângela Bastos)
Sustento, aprendizado e agradecimentos

É do mangue que Paulina também continua a tirar ostras e mariscos como parte do sustento, já que o salário de aposentada não é suficiente para as despesas. 
Fome não se passa. O mar sempre dá alguma coisa, por isso eu sempre agradeço por esta coisa tão linda que temos.

Paulina nunca deixou de pescar. Mesmo quando foi empregada numa empresa de pinus, em Joinville, e como doméstica, em Araquari.

— Eu aproveitava a noite, depois de soltar o serviço, para jogar minhas redes no rio. Eu não sei viver longe disso.

Esta proximidade a tornou uma profunda conhecedora da região. Poucas pessoas sabem tão bem sobre as curvas do Rio Parati, em Araquari; a fundura do Canal do Linguado, que liga Baía da Babitonga e o Atlântico; os sambaquis da Ilha Comprida. Também as fases da lua, a hora das marés, o quadrante dos ventos:

— Naquele tempo a gente não aprendia na escola. Era com os pais e com a gente mais velha.

De origem afro-indígena, Paulina guarda um pouco da menina que retirava os peixes das armadilhas feitas pelo pai(Foto: Tiago Ghizoni)

Quando morrer, casquinhas de ostra no caixão

Paulina aprendeu a respeitar as forças da natureza.

— Muitas vezes eu estava pegando iscas e desabou temporal, trovoada que alumiava tudo. A primeira coisa que até hoje faço é enterrar a faca na lama para não chamar o raio. Nestas horas, a gente fica nas mãos da tormenta.

Uma das forças que Paulina diz respeitar é o vento, capaz de virar e jogar a embarcação. Uma vez, estava sozinha e a remo e não conseguia um lugar abrigado. Foi quando diz ter sido inspirada por Deus e entoou os versos: 

Ouça os versos de Paulina

— Eu nunca tinha escutado isso. Mas também nunca esqueci — explica.

Paulina se declara descendente de bugre, numa referência aos primeiros habitantes da região. Parece confirmar o que diz quando se acoca sobre os calcanhares, posição que varia enquanto joga o caniço dentro d’água. Gosta de pescar no remanso e em silêncio, o que também parece agradar os baiacus que se sucedem a morder a sua isca. Ela avisa:
Quando eu morrer quero casquinha de caranguejo, casca de marisco e de berbigão dentro caixão. Tudo isso como recordação das coisas que já tirei muito por aí.

Os filhos riem, mas já confirmaram que irão atender o pedido da velha pescadora.


São Pedro dos pescadores 


O Evangelho conta que Simão era pescador no Mar da Galileia e certo dia, depois de muito tentar e nada pescar, ouviu de Jesus: ‘Você será pescador de homens’. A partir daí, Simão começou seguir Jesus. Pedro é considerado o primeiro Papa da Igreja e tem seu dia comemorado em 29 de junho, sendo o Padroeiro dos Pescadores. 
Navegantes somos todos nós


  
A devoção para com Nossa Senhora dos Navegantes começou quando portugueses e espanhóis deram início às grandes navegações. Quando os colonizadores chegaram ao Brasil eles desembarcam com a adoração em Nossa Senhora dos Mares, da Boa Viagem, de Nossa Senhora dos Navegantes. Prova disso é que a grande maioria das igrejas e capelas dedicadas a Nossa Senhora dos Navegantes está situada no litoral do Brasil. 


A padroeira Nossa Senhora Aparecida


  
Nossa Senhora Aparecida é a padroeira do Brasil. Sua imagem foi encontrada por pescadores no rio Paraíba do Sul, no estado de São Paulo, em 1717. 


Iemanjá, a Rainha do Mar 



Para religiões de matizes africanas, Iemanjá é a principal divindade feminina associada às águas, além de ser ligada à fertilidade, à maternidade e ao processo de criação do mundo e da continuidade da vida.​


Expediente
Reportagem: Ângela Bastos
Edição: Stefani Ceolla
Design: Aline Costa da Silva e Maiara Santos
Fotos e vídeos: Ângela Bastos, Tiago Ghizoni e Jean Carlos de Souza
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* Matéria multimídia originalmente produzida e veiculada no Diário Catarinense e no Jornal do Almoço da NSC TV sobre as mulheres na pesca artesanal em Santa Catarina!

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