sexta-feira, 6 de setembro de 2019

OSTRANDO!

Anderson Marcelo trabalha há 20 anos no cultivo de ostras no Ribeirão da Ilha – Anderson Coelho/ND

Sul da Ilha: o maior berço das ostras catarinenses

Com 1.558 toneladas cultivadas em 2018, Florianópolis é líder na maricultura respondendo por 70% da safra catarinense

ANDRÉA DA LUZ

Os trabalhos não param nos ranchos de maricultura no Sul da Ilha de Santa Catarina – maior reduto do cultivo de ostras no Estado. O vaivém dos cestos do mar para a terra na calmaria do Ribeirão da Ilha seguem um ritual que escapa aos apreciadores da iguaria em restaurantes espalhados pela cidade e pelo país.

O manejo é constante: entre a fase de semente e a comercialização, as ostras vão e vêm pelo menos dez vezes. “Elas vão para o mar nas caixas de berçário, que têm telas de malha tão fina como as das meias-calças femininas. Aí, depois de uns 30 dias, já cresceram um pouco e trocamos de caixa com uma malha maior para passar mais alimento”, conta o maricultor Anderson Marcelo, há 20 anos na atividade.

Trabalhador em um dos ranchos à beira-mar, ele conta que foram retiradas cerca de 600 dúzias de ostras prontas para o consumo apenas nesta quinta-feira (5), quando a média no estabelecimento é de 200 dúzias. “A produção nunca é suficiente, quanto mais a gente cultiva, mais vende”, diz o maricultor. Dali, também sai parte do que será vendido na Fenaostra, festa realizada há 20 anos no Centro da Capital.
Da semente à mesa

Cada vez que o molusco é colhido, passa por uma etapa de lavagem com água salgada bombeada do mar e uma classificação por tamanho, trocando de recipiente e voltando às colônias de cultivo para crescimento. O processo é fiscalizado pelo menos uma vez na semana, com análise microbiológicas da água em diversos pontos do litoral.

As ostras também precisam vencer a luta contra os predadores: siris, polvos e caramujos que entram nos cestos enquanto são pequenos e crescem lá dentro, se alimentando delas. “Para nos livrarmos deles tiramos as ostras
do mar. Elas sobrevivem até quatro dias fora da água, mas os predadores morrem nesse período”, conta Anderson.

Mesmo com todo esse cuidado, é normal que haja uma perda de até 30% do molusco. As que sobrevivem são classificadas por tamanho. “As mais apreciadas e de maior valor são as baby, pequenas e boas para consumo in
natura ou para gratinar; e as médias, que são ótimas para fazer a milanesa, ao bafo ou no vinagrete”, ensina. As grandes, segundo Anderson, são mais apreciadas pelos turistas.

Um de seus colegas, Adriano César Aguiar, conta que deixou o trabalho como vigilante para atuar somente no cultivo de ostras. “Era muito parado, aqui tem mais movimento”, diz, enquanto lava e separa as ostras que logo voltarão ao mar. O molusco custa entre R$ 8 e R$ 12 a dúzia.
Adriano Cezar Aguiar deixou trabalho de vigilante para atuar no cultivo de ostras – Anderson Coelho/ND

Panorama do setor

Com 64 produtores, Florianópolis cultivou 1.558 toneladas de ostras em 2018, ou 70% da safra catarinense que foi de 2.205 toneladas. Isso caracteriza a Capital como líder do segmento no Estado, seguida pelos municípios de São José com 443 toneladas e Palhoça com 113 toneladas. Santa Catarina é o maior fornecedor do molusco no país, com 95% do cultivo.

Os números da produção da aquicultura foram levantados pelo Cedap (Centro de Desenvolvimento em Aquicultura e Pesca) da Epagri, que acompanha a evolução do segmento de maricultura em Santa Catarina. Somos também os
maiores fornecedores para outros estados do Brasil, em especial para o eixo Rio-São Paulo, mas também para Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Alagoas, para citar alguns.
Após passar por lavagem e classificação, molusco volta para o mar para crescer – Anderson Coelho/ND

De acordo com o pesquisador Felipe Suplicy, o segmento vem se organizando em associações, mas o desafio ainda é consolidar a cooperativa que ajudaria a diluir os custos e comercializar em maior escala com vantagens para os cultivadores.”Diferente da piscicultura no Oeste do Estado, não há uma cultura da cooperativa na maricultura”, afirma o pesquisador.

Para ajudar a vencer esse obstáculo, a Câmara Setorial da Maricultura catarinense, vinculada à Secretaria estadual da Agricultura, elaborou o Plano Estratégico para Desenvolvimento Sustentável do setor para o período 2018-2028. O plano estabelece as políticas a serem desenvolvidas e estratégias para auxiliar os pequenos produtores a se adequar ao contexto atual de fiscalização e controle da produção.

“Para isso, contamos com o apoio de instituições como Sebrae e Senar [Serviço Nacional de Aprendizagem Rural] que podem ajudar os maricultores a calcular os custos de produção. Muitos empregam mão de obra familiar e
acabam vendendo mais barato justamente por não fazerem esses cálculos”, diz Suplicy.

O documento apresenta ainda objetivos, metas e ações nos aspectos social, econômico e ambiental, com prazos e responsáveis por sua execução, sejam produtores ou instituições de fomento, pesquisa e controle da atividade. O objetivo principal é manter a atividade rentável e sustentável para o futuro. Uma das ações é a criação de um selo de procedência da ostra de Florianópolis, servindo como mais um atrativo para o mercado.

“Já existem empreendedores que estão obedecendo aos requisitos de fiscalização sanitária e sabem que isso tem um custo, por isso vendem a um preço mais alto. Mas eles competem com os que não tem a maricultura como a principal fonte de renda e vendem com preço abaixo do mercado, criando um certo canibalismo dentro do segmento”, opina o pesquisador.

Para Suplicy, a profissionalização da maricultura acabará por fazer uma ‘seleção natural’ dos produtores, como já ocorreu em outros segmentos como o de produção de frangos, por exemplo.

Outra dificuldade é a aquisição de sementes de ostras. Atualmente, o fornecedor é o laboratório da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), que pesquisa, seleciona e produz as sementes vendidas aos maricultores. Entretanto, muitos já se preocupam com a continuidade do serviço por conta do corte de verbas das instituições de ensino superior.

“A universidade fornece cerca de 40 milhões de sementes por ano e só temos mais um pequeno laboratório particular no Morro das Pedras. Felizmente, a empresa recebeu investimentos e deve conseguir produzir em torno de 50 milhões de sementes este ano, se tudo correr bem. Outros dois maricultores tiveram a iniciativa de montarem laboratórios, com isso acho que teremos insumo suficiente para todos”, avalia.
20ª Fenaostra

Para quem quer apreciar o molusco, a Fenaostra (Festa Nacional da Ostra e da Cultura Açoriana) acontece de 5 a 15 de setembro, na Praça Fernando Machado, no Centro de Florianópolis, com shows, concursos culturais e pratos feitos por chefs de instituições de ensino.

Vários restaurantes da cidade participam da festividade. No evento, meia dúzia da iguaria in natura ou ao bafo é comercializada por até R$ 15; as gratinadas custaram até R$ 25.

Durante a festa também acontece o projeto Floripa + Arte, com tendas de artesãos vendendo seus produtos na Praça 15.

Nenhum comentário: