Ilha de vegetação em meio à lagoa era flutuante, diz Valtinho – Andréa da Luz/ND
Lagoa Pequena: a lagoinha dos nativos que virou unidade de conservação no Sul da Ilha
Conheça um pouco mais sobre esse ecossistema de restinga que abriga espécies silvestres e resiste à degradação ambiental
ANDRÉA DA LUZ
As histórias da Lagoa Pequena, ou apenas lagoinha como era chamada pelos nativos de Florianópolis, ainda estão bem vivas na memória de Valter Euclides das Chagas, 61 anos, o Valtinho. Natural do bairro Campeche (antigamente conhecido como Pontal), Valtinho é neto dos antigos proprietários da área conhecida atualmente como Novo Campeche.
Do outro lado da avenida, em frente à lagoa, a propriedade era de um tio do
morador que defende incansavelmente a preservação do espaço verde em meio à crescente urbanização. Primeiro intendente do bairro, em 1988, e ex-vereador, hoje trabalha dentro da comunidade como membro do Conselho comunitário do Rio Tavares e em estreita relação com a Amocam (Associação do Moradores do Campeche), da qual já foi diretor.
Nativo da Campina, como era conhecida a região da Lagoa Pequena, entre o Porto do Rio Tavares (ou Cruz do Rio Tavares) e o Campeche, Valter lembra de nadar na lagoinha durante a infância. “A gente nadava pelado para os pais não descobrirem, porque se chegasse em casa com a roupa molhada era puxão de orelha na certa!”, conta.
Ali, também era local de criação de gado, de roça de mandioca, de engenho de farinha, de lavar roupas e de caçar jacarés – que eram abundantes naquela época. “Os jacarés saíam da lagoa e atravessavam até os fundos da [atual] Pedrita, por onde passava o rio Tavares. A gente comia os jacarés e os ovos deles também. Faz mais de 20 anos que não vejo um por aqui, mas dizem que ainda tem”, pondera.
Ele não é o único que se recorda dos jacarés. O técnico em informática Marcelo Augustus Mocker, 55, natural do Paraná, também morou nas proximidades da lagoa de 1995 a 2009. “Era pasto, dunas e mato.
Não tinha os loteamentos no entorno do espelho d’água e havia muitos jacarés, que hoje não se vê mais”, diz.
Para Marcelo, não havia a noção de preservação ambiental que temos hoje. “Quando começou a pavimentação da avenida, a ideia era asfaltar todo o entorno, mas houve uma discussão de que iria prejudicar a lagoa. No entanto, nota-se que onde foi pavimentado não houve a expansão imobiliária até a beira da lagoa. E onde não pavimentou, do outro lado, houve uma explosão demográfica que ‘engoliu’ parte daquele ambiente”, analisa.
Engenho e sangradouro
Valtinho aponta a existência de um engenho de farinha onde hoje funciona a sede do projeto de Educação Ambiental da Floram (Fundação Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis).
Da estrutura, resta apenas um pilar caído em meio à vegetação. “O engenho foi montado pelo Augusto Alemão, morador do Saco dos Limões, no começo dos anos 1970. Ele comprou o terreno do meu tio, mas logo adoeceu e não chegou a tocar o engenho, que foi se deteriorando com o tempo, sobrando só esse pilar”, conta.
Valter Euclides das Chagas mostra pilar de engenho de farinha na Lagoa Pequena – Andréa da Luz/ND
O avô de Valtinho, Hipólito Bernardino das Chagas, também criava gado e teve engenho perto dali. O estabelecimento foi demolido, mas a casa de Hipólito que era uma das únicas desde a lagoa até a rua Pau de Canela, ainda resiste. “Tudo isso aqui – a região do loteamento Novo Campeche – era área onde meu avô criava gado. Em frente à entrada da lagoa pela avenida Campeche ficava a chamada sangra, onde os bois eram mortos e as entranhas lavadas nas águas da lagoa”, revela Valtinho.
A flora também era outra, sem a presença das braquiárias invasoras (espécie de capim alto presente no entorno do espelho d’água). “Havia árvores mais altas na pequena ilha no meio da lagoa. Eram grandes e dependendo do
vento, soltavam as raízes do fundo e a ilha ia mudando de lugar”, conta Valtinho. Essa história é repetida por alguns moradores da região que brincavam ali quando criança.
Unidade de Conservação
A apenas 14 quilômetros do Centro de Florianópolis, a Lagoa Pequena é o afloramento mais importante do lençol freático da planície do Campeche, no Sul da Ilha. Situada entre os bairros Campeche e Rio Tavares, tem cerca
de 10 hectares e está inserida em um ecossistema de restinga, caracterizada por vegetação arbórea, arbustiva, com trepadeiras e samambaias que se estendem desde as dunas em frente ao mar, passando pelo campo de dunas até a planície arenosa e salina.
Vista aérea da Lagoa Pequena, área de restinga no Campeche, situada entre as dunas e o Maciço da Costeira – Flávio Tin/ND
As modificações ambientais não ocorreram da noite para o dia. Tombada como patrimônio natural municipal em 1988, a Lagoa Pequena sofreu sucessivas degradações até que em 2008 o Ministério Público estadual entrou com uma Ação Civil Pública que resultou na criação de uma área especial ecológica de uso público.
“Ainda assim, o local ficou meio abandonado. Por isso, a partir de 2014, quando houve a readequação do Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição, a área tombada da Lagoa Pequena foi inserida nos novos
limites do parque incluindo áreas de compensação ambiental no entorno, reforçando sua proteção”, explica a chefe do Departamento de Educação Ambiental da Floram, Silvane Dalpiaz do Carmo.
O ecossistema da Lagoa Pequena foi transformado em unidade de conservação com a lei 10.388/18. Sua importância se justifica por abrigar diversas espécies de animais silvestres – como o graxaim, a lontra, o
lagarto-papo-amarelo e o gavião-carijó – por exemplo, além de insetos aquáticos, besouros e outras aves.
O ambiente também impede que o mar e a chuva levem embora toda a areia, serve de local de lazer e contemplação, pesquisa e educação ambiental junto à restinga. Sem falar que é um espaço natural entre o crescente avanço da urbanização.
Embora seja frequentada por banhistas, a qualidade da água não é monitorada pela Floram nem pelo IMA (Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina). Segundo a assessoria do IMA, como está dentro de um Parque Municipal a responsabilidade é do município. O órgão estadual desaconselha os banhos porque não se conhece a profundidade do local e por ser uma área de preservação e proteção.
Privilegiando a vida silvestre
“O foco da unidade de conservação é a recuperação da vida silvestre e da Mata Atlântica, por isso várias atividades são restringidas. As pessoas precisam entender que a presença de animais domésticos, por exemplo, interfere no
equilíbrio dessas espécies. Entendemos que elas queiram passear com seus cães, mas este não é o ambiente adequado porque privilegiamos a recuperação de determinadas espécies nativas que estão sumindo da região”, explica a bióloga da Floram.
O parque se localiza em um importante corredor ecológico que permite a travessia dos animais entre fragmentos florestais ou unidades de conservação, separados por intervenções humanas, como estradas ou áreas agrícolas. Esse deslocamento favorece a troca genética entre as espécies, a dispersão de sementes e o aumento da cobertura vegetal.
No caso da Lagoa Pequena, o corredor faz a conexão entre duas unidades de conservação: a do Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição e a do Parque Natural Municipal do Maciço da Costeira.
No ano passado, outra verba de compensação ambiental resultante da aplicação de uma multa por extravasamento de esgoto sanitário foi utilizada pela prefeitura para a criação do projeto da Base de Educação Ambiental da
Lagoa Pequena.
O trabalho realizado entre Floram, escolas e instituições comunitárias resultou na instalação de um contêiner sede e placas interpretativas sobre o ambiente de restinga e a constituição da fauna e flora da Planície do Campeche. Dispostas ao longo das trilhas do parque, elas permitem uma visita autoguiada.
Na sede, são realizadas atividades pedagógicas para estudantes ou grupos de 15 a 20 pessoas, com agendamento prévio. Também são feitos mutirões e plantio de espécies nativas. “Todo esse trabalho é fundamental para a preservação da lagoa”, avalia Valtinho.
Unidade de conservação abriga também uma paleo-lagoa, mais antiga, com três tipos de vegetação; água fica quase invisível devido à estiagem – Flavio Tin/ND
Veja o que é permitido fazer na Lagoa Pequena
Pode:– contemplar a paisagem e caminhar nas trilhas
– tomar banho
– fazer piquenique (e recolher seu lixo)
– praticar esportes náuticos não motorizados
– fotografar e usar drones desde que não afete a fauna
Não pode:– levar animais domésticos
– pescar
– ouvir som alto
– jogar lixo e entulhos
– alimentar os animais
– acampar
– coletar plantas
– fazer fogo e churrasco
– usar veículos automotores
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