quarta-feira, 17 de julho de 2019

PALAVRAS DO MAR

Os enormes trirremes gregos levavam até 400 tripulantes!

Dez livros náuticos que todo homem do mar deveria ler

Não há nada mais gostoso que viajar. Por isso o Mar Sem Fim preparou uma lista dez livros náuticos que todo homem do mar deveria ler. Há para todos os gostos. Das viagens épicas, às idílicas; uma corrida contra o tempo, ou uma bem devagar, a força de músculos e estratégia. Viagens de exploração, e antropológicas; algumas, solitárias, outras, com equipes grandes. Parte delas escritas por expoentes da literatura, outra, por anônimos (até então…). E ainda assim, em ambos os casos, são relatos espetaculares. E há os feitos históricos que nos fazem viajar no tempo, ou descobrir a fibra de um navegador que sofre por meses seguidos o terror dos terrores dos marinheiros: à deriva, ao sabor de ventos e correntes. Todas são fascinantes e únicas
1) Começando com o primeiro que se tem notícia: História, de Heródoto

O ‘choque fatal’ entre Grécia, e Ásia, narrado pelo Pai da História (484 a.C). Ele nasceu na Ásia Menor, e viveu na Atenas do período áureo, civilização helênica, “entre uma das maiores constelações de valores intelectuais que o mundo já produziu.” Andou e pesquisou por todos os cenários antigos. Anotou respostas de soldados que participaram das batalhas. No texto, um diário de suas viagens, ‘você volta para o século V’ a.C, e ‘assiste’ incríveis batalhas navais da esquadra persa contra a do gregos.

Enormes trirremes, que levavam até 400 tripulantes, em manobras ousadas e impetuosas. Os persas, que já haviam perdido cerca de 400 navios em razão de violenta tempestade, ancoram o que restou da frota a defronte a Atenas. Era tudo que os gregos queriam. Num lance de estratégia, investiram sobre o inimigo numa brilhante vitória assistida pelo rei persa, Xerxes.
Ilustração: seguindopassoshistoria.blogspot.com.br/2013/04/xerxes-o-rei-dos-reis.html

Heródoto atribui a derrota persa na batalha de Salamina, ao “combate desordenado e sem tática alguma”, contra “forças que se batiam em boa ordem e obedecendo a um método de luta.” Na mesma peleja naval, a princesa Artemisa (persa), acuada, jogou seu navio contra outro e “fê-lo soçobrar, o resultado foi que o trirreme ateniense que estava em seu alcance fez-se de bordo para juntar-se ao resto da frota.” O relato, “síntese do pensamento progressista da antiguidade, e seu embate contra o colosso da Ásia primitiva”, é um trilher. E narra, pela primeira vez, as mais incríveis batalhas navais da história.
2) No Brasil, um mito da vela mundial, Joshua Slocum e a Viagem do Liberdade

Ele é um dos maiores ícones da vela moderna mundial, o ‘Mestre dos Mares’. Autor do clássico da literatura náutica, Sozinho ao redor do Mundo, onde relata a primeira viagem em solitário (1895 – 1898), num veleiro ao redor do mundo. Mas não é este o destaque. ‘A Viagem do Liberdade’, sim, “fundamental para nós porque boa parte da aventura se passa no Brasil como, de certo modo, se passa por causa do Brasil.”

O mestre dos Mares, Joshua Slocum

Começa em 1884, quando o comandante compra a barca Aquidneck e parte para a América do Sul onde fazia navegação de cabotagem com cargas. Slocum perde o barco num baixio em Paranaguá. Paga, e dispensa a tripulação. Com um machado, um enxó, dois serrotes, alguns parafusos, uma lima e brocas, entra Mata Atlântica adentro; escolhe a madeira de cada árvore, e constrói um barco de 35 pés cheio de novidades tecnológicas. Metade era ao estilo sampang, japonês; mas o mastro de junco, chinês. Equipa os dois lados do casco com tubos de bambu ocos; estabilizadores, que impediam o veleiro de capotar. Joga na água dia 13 de maio de 1888, por isso o nome Liberdade, em português mesmo, homenagem ao fim da escravidão.
O Liberdade

Tripulação formada pela mulher e dois filhos, navega com o Liberdade mais de cinco mil milhas até chegar em casa, em Washington. Uma aventura com “A” maiúsculo.
3) Jack London – A Travessia do Snark

“O gênio imortal do romance de aventura, desta vez num cruzeiro à vela nos Mores do Sul.” Ele saiu de São Francisco, acompanhado pela mulher e um amigo leigo, num veleiro inacabado e fazendo água, sem obedecer ao leme, que pretendia consertar em Honolulu. Corria o ano de 1907. Havia pouca informação sobre os Mares do Sul. London visitou os lugares mais lindos do planeta, e os descreve com precisão. Conviveu com leprosos e canibais.


Em Waikiki descobriu uma novidade, um ‘esporte real’, como diz, que mexeu com sua cabeça. Esporte hoje conhecido como o surf, então praticado por nativos.Foto: www.sonomanews.com/lifestyle/5763554-181/celebrating-jack-london-the-cruise

Embevecido, faz a primeira descrição: “…de repente, enquanto a onda enorme ergue-se para o céu e rola na direção da praia, surge a cabeça de um homem. Rápido, ela se ergue sobre o branco espumante…todo corpo se projeta para cima, como uma visão. Onde segundos antes havia apenas uma enorme parede de água, está um homem ereto, em toda sua altura; ele não se debate, não é sepultado ou esmagado pelo monstro poderoso, mas, sim, se mantém de pé e cima dele, calmo, soberbo…”

O Sanrk
4) Bernard Moitessier – O Longo Caminho

Ah, os franceses…não fossem eles e muito não se saberia da vela em cruzeiro, ou regatas. Moitessier (1925 -1994), francês, nascido no Vietnam então Indochina, partiu para a primeira regata em solitário através do mundo, a Golden Globe Challenge, em 1968.
O longo caminho, imersão na mente de Moitessier, mas um dos dez livros náuticos que todo homem do mar deveria ler

Largada em Plymouth, Inglaterra. Nos dez meses seguintes, sem escalas, passou pelo Cabos da Boa Esperança, na Africa do Sul; atravessou o Índico e cruzou o Cabo Leeuwin, na Austrália; de volta ao Pacífico, velejou até cruzar o Cabo Horn. Depois, começa a subir o Atlântico Sul mas, no meio do trajeto… desiste da regata. “Não sei como explicar minha necessidade de continuar rumo ao Pacífico…não se explica em palavras, seria inútil tentar.”

Dá um bordo e navega outra vez para o Cabo da Boa Esperança. Cruza o Índico, ultrapassa o Cabo Leeuwin pela segunda vez para, por fim, terminar na sua adorada Tahiti. Entre os equipamentos de bordo um estilingue, para jogar filmes e relatos aos navios com quem cruzasse, informando sua posição ao jornal Sunday Times, organizador da prova.
Moitessier treinando com o estilingue. Foto: expresso.sapo.pt/multimedia-

Seus companheiros na aventura, albatrozes e petréis. E a yoga, que praticava regularmente. Vale cada parágrafo.
5) Robert Louis Stevenson – Nos Mares do Sul

O escocês é um dos grandes da literatura mundial. Autor do clássico, A Ilha do Tesouro, e dezenas de outros
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Roberto Louis Stevenson

A tuberculose o levou a procurar um clima que amenizasse sua agonia. Em junho de 1888 partiu a bordo da escuna Casco, para o Pacífico Sul, com sua família e uma tripulação.
O Casco : (jakesjackofhearts.blogspot.com.br/2008/10/o-captain-my-captain.html)

Passaria seis anos na Oceania, quatro deles na ilha de Vailima, em Samoa. Nos Mares do Sul, obra-prima da literatura de viagem, conta suas peripécias de seis anos de contatos com polinésios e melanésios dos arquipélagos das Marquesas, das Tuamotu, das Gilbert, e dezenas de outras ilhas. É um livro lírico, onde mostra que estava a frente de seu tempo.
6) Alfred Lansig – A Incrível Viagem de Shackleton

Existem vários livros sobre a viagem de Shackleton, até um escrito por ele. Mas os melhores, para este site, são o sexto indicado, ou O Endurance, de Caroline Alexander. Ambos contam em detalhes de prender o fôlego, uma das maiores sagas náuticas que se tem notícia. Uma história que, não fosse o protagonista, seria fisco tremendo. O gênio de Shackleton a transformou em exemplo de perseverança e superação.

Era o período heróico da descoberta da Antártica. Shackleton saiu da Geórgia do Sul em dezembro de 1914, e navegou para a Antártica, que pretendia cruzar a pé. Em janeiro de 1915 seu navio é aprisionado pelo gelo. Em Outubro, com o Endurance sendo esmagado, decide abandona-lo.
Endurance preso no gelo.

Começa uma marcha com sua tripulação puxando os escaleres sobre a banquisa de gelo. Em abril de 1916 atinge a ilha Elephant. Shackleton sabe que ninguém o resgatará. A ilha estava fora das rotas
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Na banquisa…

Com um dos escaleres melhorado, atravessa o estreito de Drake até retornar para a Georgia do Sul. Oitocentas milhas de puro inferno. Um feito épico! De lá, navega para resgatar seus homens, mas é impedido em razão do gelo. Toca para Punta Arenas, Chile. Ali consegue o empréstimo do rebocador Yelcho. Com ele segue até Elephant e salva todos os seus homens. Uma saga admirável!
7) Nathaniel Philbric – No Coração do Mar

A verdadeira história que inspirou Herman Melville a escrever Moby Dick. A saga do baleeiro Essex, de Nantucket, USA, então centro mundial da pesca à baleia, Em 1820, quando estavam a cerca de mil milhas, a Oeste das ilhas Galápagos, em pleno Pacífico, longe de tudo e de todos, o navio é abalroado e afundado por um cachalote de 26 metros, enfurecido.
Um dos dez livros náuticos que todo homem do mar deveria ler

A tripulação pega o que consegue, e embarca em três botes. Durante três meses passam por provações insuportáveis. Entre elas, tirar a sorte e escolher quem deveria ser comido pelos companheiros. Uma tragédia que abalou o mundo na época, reconstituída pelo historiador Nathaniel Philbrick. “Embora os instintos do capitão Pollard fossem corretos, faltou-lhe caráter forte para impor sua vontade aos dois jovens oficiais. Em vez de velejar para o Tahiti, rumo à salvação, partiram numa viagem impossível, vagando pelo deserto de água do Pacífico até que a maior parte deles tivesse morrido.”

“O desastre do Essex não é uma história de aventura. É uma tragédia que constitui também uma das maiores históricas verídicas já narradas.”
8) Thor Hayerdal – Kon Tiki

O explorador, arqueólogo, antropólogo e escritor, nasceu na Noruega, em 1914. Aos 25 muda-se para a Polinésia. Intriga-o, descobrir como colonizaram aquelas ilhas remotas.
Kon Tiki, mais um dos dez livros náuticos que todo homem do mar deveria ler

Concebe nova teoria: seguindo as correntes oceânicas, os colonizadores teriam vindo do Ocidente. Contestado, constrói a réplica de uma balsa aborígene, a Kon Tiki e, em 1946, parte com cinco companheiros do Peru em direção à Polinésia. Oito mil Km, e 101 dias depois, encalha no recife Raroia, no Taiti. Delícia de leitura.
9) Steven Callahan – À Deriva, setenta e seis dias perdido no mar

“Dedicado às pessoas de todos os lugares que conhecem, ou conheceram ou irão conhecer sofrimento, desespero ou solidão.” Foi publicado três anos depois do acidente, quando ondas de mais de sete metros de altura fizeram picadinho do pequeno Napoleon Solo, veleiro de 21 pés, construído por ele mesmo. Atravessava o Atlântico Norte em direção aos USA.
Steven Callahan

Saindo de Lisboa, escalou na Madeira e Canárias. E seguiu em direção à Guadalupe. Até que os mares disseram basta, quando estava a 450 milhas ao Norte da ilhas do Cabo Verde. Seu destino, as ilhas do Caribe, a mais de 1 800 milhas. Mal teve tempo de pegar os equipamentos de sobrevivência. Já na balsa, onde passaria míseros 76 dias na mais prolongada agonia de um náufrago, construiu um sextante primitivo com um lápis. Pescava com arpão. Coletava água da chuva, e sua fibra jamais o fez desistir. Por isso foi selecionado. No 71º dia, escreve: “…o último destilador solar desagregou-se completamente…” Durante o périplo, cruza com cinco navios mas, para seu desespero, não consegue avisa-los. Navegando como pode, 76 dias depois arriba em Guadalupe. Um ‘aula’ de sobrevivência.
10) Amyr Kink – Cem dias entre céu e mar

Por último, mas não menos importante, nossa sugestão é o primeiro livro de do melhor navegador brasileiro. Aquele que alçou seu nome à constelação de supernavegadores mundiais. A história é por demais conhecida. Best- seller, ultrapassou dez edições. O ‘orgulhoso dono da canoa Rosa’ estuda cada detalhe da rota, e suas necessidades. Constrói um barquinho com 5,94 metros, por 1,52 de boca (largura). Movido a remo, atravessa o Atlântico Sul, da Namíbia à Bahia, em 101 dias. De queda cita Fernando Pessoa, e explica, com desconcertaste simplicidade, a história náutica brasileira ao tempo das descobertas:
Amyr no IAT

“Como puderam então alcançar (as caravelas) terras tão ditastes, unir continentes e depois regressar se os ventos que sopravam favor na ida eram contrários na volta?”

“Simplesmente nunca retornando pelo mesmo caminho.”

(Do https://marsemfim.com.br/)

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