quarta-feira, 3 de julho de 2019

MAR DE ESPERANÇA E DOR...


A crise dos refugiados imortalizada para sempre no fundo do mar

É através da arte que muitos episódios tristes da humanidade ficaram eternizados. Foram retratados em quadros, pinturas ou esculturas momentos que deverão ser relembrados constantemente pelas próximas gerações para que nunca mais voltem a se repetir.

Mas infelizmente, sabemos que nem sempre é assim que acontece. Em 1816, a embarcação francesa Medusanaufragou pouco antes de chegar à costa do Senegal, na África. Como estava superlotada, poucos passageiros conseguiram lugar nos botes salva-vidas. Alguns ficaram à deriva e outros tentaram sobreviver em jangadas feitas com restos da fragata. Passaram fome e desespero. A tragédia, conhecida como um dos maiores desastres marítimos da época, foi retratada pelo pintor francês Théodore Géricault na tela A balsa da Medusa.

Exatos 200 anos depois, o artista britânico Jason deCaires Taylor buscou inspiração na obra de Géricault para retratar outra tragédia que vem acontecendo nos dias atuais no Mar Mediterrâneo: a fuga – e morte no mar – de refugiados de zonas de conflito para a Europa.

A balsa de Lampedusa, nome da obra de Taylor, que abre este post, é uma das instalações criadas por ele para compor o acervo do primeiro museu submarino da Europa, o Museo Atlantico, localizado em Lanzarote, uma das ilhas do arquipélago das Canárias.

Lampedusa é o nome da ilha italiana onde a grande maioria dos refugiados que saem da África ou de países como Síria, Líbano e Iraque, tenta chegar para conseguir asilo no continente europeu. O que tem acontecido, entretanto, é que em embarcações em péssimas condições ou até em botes, centenas de pessoas – incluindo crianças – já morreram na travessia. Em 2015, a foto do corpo do menino encontrado na areia de uma praia turca, após o naufrágio, chocou o mundo todo.

As esculturas do Museo Atlantico ficam a 14 metros de profundidade, nas águas cristalinas de Lanzarote. “A obra não é um tributo ou memorial para as centenas de vidas perdidas, mas um lembrete veemente de nossa responsabilidade coletiva como uma comunidade global”, enfatiza Taylor.

Na balsa, estão dez pessoas. Todas têm no rosto a expressão do abandono. Entre elas, há algumas crianças. Uma delas, uma menina debruçada sobre a beira do bote, olha sem esperança o horizonte. A imagem é tão forte, que dispensa qualquer palavra. Exatamente o papel da arte.

De acordo com a Agência das Nações Unidas para Refugiados, desde setembro de 2015, duas crianças morrem afogadas diariamente na tentativa de travessia do Mediterrâneo. Nos últimos seis meses, foram quase 350 mortes. A maioria delas eram bebês e menores de 3 anos.

O trecho do Mar Egeu, que vai da Turquia até a Grécia, é atualmente considerado uma das rotas em que mais refugiados morrem no mundo. Estima-se que nas primeiras semanas de 2016, houve aproximadamente 410 afogamentos ali. Foram 80 mil – isso mesmo, 80 mil – , pessoas tentando chegar até a Europa. O número é 35% maior do que o registrado no mesmo período do ano anterior.

Além de A balsa de Lampedusa, o Museo Atlantico abriga outra instalação do escultor do Reino Unido. Chamada de Rubicon, ela mostra 35 pessoas andando em direção a um mesmo ponto. Ao olhar mais atentamente para as esculturas, percebe-se a relação – quase doentia – do ser humano com a tecnologia e o ambiente em volta. São homens e mulheres absortos em celulares e tablets. No rosto de alguns, a apatia perante o planeta. Algumas das estátuas estão de olhos fechados, pois não conseguem mais enxergar o mundo à sua volta.

O museu de Lanzarote será inaugurado na quinta, 25/2. E como é mesmo a visitação em um museu debaixo d’água? Mergulhando obviamente. Os visitantes podem explorar as incríveis obras de Jason deCaires Taylor fazendo snorkeling ou mergulho livre.

Esculturas submarinas

Jason deCaires Taylor é um artista da água. Mergulhador profissional, passou a infância explorando corais na Malásia. Sua formação em escultura e cerâmica, veio do London Institute of Arts.

Suas esculturas aquáticas são sempre em tamanho real e geralmente feitas com moldes de pessoas de verdade, habitantes do lugar onde a instalação artística será instalada.

As esculturas são produzidas com cimento marinho, que tem pH neutro e é muito mais resistente que o tradicional. As obras têm como função se tornar recifes de coral artificiais. O artista e sua equipe fixam nas esculturas extratos de corais vivos, técnica que estimula o crescimento dos mesmos, criando assim novos parques marinhos.

O Museo Atlantico não é o único deste tipo a ser idealizado pelo britânico. O primeiro foi construído em 2009, em Cancun, no México, com o qual Taylor ficou mundialmente conhecido pelas impressionantes 500 estátuas da exposição A Evolução Silenciosa. Todo seu trabalho é comissionado pelas cidades onde as obras são instaladas.

Abaixo mais imagens das esculturas de Jason deCaires Tayor para o museu das Ilhas Canárias:






Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.

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