quinta-feira, 9 de maio de 2019

“TÁS VENDO, COISA LINDA NÉ?"

AS SAGRADAS CHEGARAM!
Foto Andrea Ramos

Por Arante José Monteiro Filho

"Para mim a tainha é o peixe mais sagrado, mais abençoado do mar. É nesta época que todos comem peixe. É só ajudar a puxar a rede, seu mandrião.

Quando menino, observando um lanço de tainhas dado pelo meu avô Zé Gancheiro, famoso patrão da canoa do Seu Dionísio, ele me disse: “Tás vendo, coisa linda né? Óia, essa aqui é a tainha maricá, pequeninha , gordinha e cabecinha bem redonda. Essa outra é um facão, magra e comprida como um facão.” Apertou o “umbigo” de uma tainha grande, saiu um pouquinho de ova amarela e disse: “Essa é da ova boa.” Apertou outra e saiu uma aguinha branca: “Essa é ova leiteira, não é boa para se comer. Essa grandona aqui nós chamamos de tainha maranhão, é a maior de todas. Dizem que ela é criada em lagoas. Na Lagoinha do Peri existem muitas dessas.”
Disse ainda: “Acho que essas tainhas não vem todas lá da Lagoa dos Patos, do Rio Grande do Sul. Acho que algumas vem de mais longe. Veja o tamanho daquela de lá, é grande e diferente.”

Agora, com meus cinqüenta e poucos anos, já há alguns anos também na lida da pesca da tainha, venho percebendo que não são só “os hermanos” uruguaios e argentinos que nos visitam no verão. A maior quantidade de tainhas que pescamos no nosso litoral vem mesmo é do Rio da Prata, daquele grande rio que divide o Uruguai e a Argentina. Lá eles chamam a tainha de “lisa” e não há pesca e nem consumo dela por lá. Graças a Deus! O motivo: gosto ruim de óleo e de barro. É nessa grande viagem para o Brasil que ela se limpa e sua carne fica gostosa e apetitosa. Até as que vem da Lagoa dos Patos perdem o gosto de barro nessa viagem.

Ainda vem muita tainha maricá da Lagoa dos Patos. Mas a pesca predatória durante o ano todo naquela lagoa tem diminuído ano após ano a quantidade de tainhas.

O nome científico da “sagrada” é mugil brasiliensis. Elas vem em cardumes para alegria dos pescadores de todo o nosso litoral. Dizem que vai até Cabo Frio, no Rio de Janeiro. Depois volta para o mesmo lugar de onde saiu. Mas ninguém explica direito como ela volta para esse mesmo lugar de onde saiu. A verdade é que sabe-se muito pouco sobre essa migração. Se sabem não é divulgado. E o pouco que se sabe é devido a experiência dos próprios pescadores mais antigos.

Argentinas, uruguaias ou brasileiras, elas são gostosas de todo jeito. Frita, assada escalada na brasa ou na folha da bananeira, cozida no feijão, no caldo com alfavaca, grelhada na chapa, recheada ao forno ou até seca desfiada ensopadinha. Sua ova é uma iguaria que equivale ao nosso caviar manezinho. A moela é a única que nós saboreamos dos peixes que consumimos. Por isso que se diz que a tainha é a galinha do mar. Não tem dente e tem moela, igual galinha.

Diz um velho pescador que para se saber se a tainha é brasileira ou “hermana” é só olhar no movimento da boca na hora que é pescada. A brasileira mexe a boca em português. Já as “hermanas” argentinas e uruguaias mexem de um jeito tão “portunhol” que nenhum pescador entende direito. Tu me compreendes?"

*Arante José Monteiro Filho, o Arantinho, do Pântano do Sul, é pescador de tainhas, historiador e um dos proprietários do tradicional "Bar do Arante".

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