quinta-feira, 2 de maio de 2019

O QUE DEU NA MÍDIA...


Missa abriu a safra da tainha 2019(Foto: Diorgenes Pandini / Diário Catarinense)

Missa no Campeche marca abertura da safra da tainha em Florianópolis

Evento ocorre no rancho do Seu Getúlio, na Praia do Campeche. Pesca artesanal da comunidade recebeu o certificado de patrimônio imaterial de Santa Catarina 

Por Dayane Bazzo
dayane.bazzo@somosnsc.com.br

Há 14 anos o pescador Getúlio Manoel Inácio decidiu realizar uma missa em frente ao seu rancho, na Praia do Campeche, no sul da Ilha, para pedir a Deus bênçãos para a pesca da tainha, que se inicia todos os anos em 1° de maio. Desde então, a pequena cerimônia foi ganhando a comunidade e se transformou em uma festa religiosa e cultural. Mais do que abrir a safra, o festejo mantém a tradição da pesca artesanal.

Nesta quarta-feira (1°), um ano e três meses após a morte de seu Getúlio, pescadores da Capital e de outras cidades de Santa Catarina e a comunidade do Campeche se reuniram para mais uma abertura da temporada de pesca e, como no ano anterior, homenagearam o idealizador e pescador mais querido do sul da Ilha.

— Ele foi quem deu origem a esse evento, começou sozinho e foi juntando pessoas e organizando um evento cada vez maior. Hoje é um dia inteiro de atividades que envolve a pesca, a religião, a cultura, o lazer e o espírito de comunidade. É algo que a comunidade acredita, é a cultura da nossa cidade, é importante para manter aquilo que tem a ver com a história de Floripa e o Campeche é protagonista dessa história — comenta Carla Inácio da Cunha, de 44 anos, uma das filhas de seu Getúlio.
Carla Inácio da Cunha, uma das filhas de seu Getúlio(Foto: Diorgenes Pandini / Diário Catarinese)

A festividade começou cedo, às 8h, com café da manhã e seguiu com uma procissão desde a Praça da Estátua do Pescador até o rancho do Seu Getúlio. O cortejo foi aberto pelos casais festeiros carregando as bandeiras do Divino Espírito Santos e as imagens de São Pedro, padroeiro dos pescadores, e São José, padroeiro das igrejas. A missa foi organizada pela capela São Sebastião, do Campeche.

Desde o falecimento de seu Getúlio, quem assumiu o legado foi o sobrinho Pedro Aparício Inácio, de 53 anos. Ele cresceu em meio as redes, barcos e peixes e aprendeu o ofício ainda novo, mas não pensa em parar tão cedo.

— Peço sempre muita saúde a Deus para continuar esse legado que é muito importante para a cultura da nossa região — diz.

E para a safra deste ano, a expectativa é positiva entre os pescadores. Pedrinho, como é chamado pela comunidade, explica que o resultado da pesca depende de vários fatores, se o mar está agitado, se há frente fria e condições do tempo. No caso do Campeche, que tem o mar mais agitado, a espera é por calmaria.

— A expectativa do pescador sempre é muito grande e esse ano já deu muito vento sul, o que vem trazendo o peixe mais cedo para cá, vai ser uma safra boa — acredita.
Procissão contou com a presença dos festeiros do Divino (Foto: Diorgenes Pandini / Diário Catarinense)
Patrimônio cultural

Nesta quarta-feira, a Associação de Pescadores Artesanais do Campeche também recebeu o certificado que registra a pesca da tainha na comunidade como patrimônio imaterial de Santa Catarina. Claudia Hickenbick, professora do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), explica que o processo começou em 2018, com um projeto de pesquisa, coordenado por ela, sobre a pesca artesanal do Campeche, uma pratica centenária e que passa de geração para geração.

Em novembro, o IFSC solicitou o registro à Fundação Catarinense de Cultura e no mês seguinte saiu oficialmente o certificado, que foi entregue de forma simbólica após a missa desta quarta. 

— Com isso, o Estado reconhece a pesca da tainha como patrimônio imaterial catarinense por 10 anos. Após esta data, se a pratica seguir como ela é hoje, na sua essência e importância, esse título é renovado — explica.

A pesca realizada no Campeche tem peculiaridades que só se encontra por lá. O pescador Hugo Adriano Daniel, 57 anos, que também participou do projeto de pesquisa, conta que, por conta das condições do mar, o tipo de rede utilizada pelos pescadores é diferente das outras regiões.

— Aqui precisamos usar a rede de três panos. Nas outras praias o mar não é tão sinuoso, então o fundo é reto e quando se puxa a rede o peixe vai junto. A tainha é muito rápida e sempre procura se esconder num buraco. Aqui utilizamos a rede para malhar o peixe, ou seja, ele não fica solto na rede, fica malhado primeiro, depois puxamos a rede, isso é uma característica da pesca do Campeche por causa da característica do mar — explica Hugo.

Para ele, que é pescador, o certificado traz segurança para os pescadores para manterem seus ranchos e a pesca.

— Hoje, muitos pescadores ainda pescam para complementar a renda, mas já não é para o sustento. O mais importante agora é manter a questão cultural, quando começa a pesca o pescador não vive mais em casa, ele vive no rancho, mesmo quando não tem peixe, ele vem pra cá cedinho, almoça no rancho e fica na espera, porque a tainha não avisa quando vai chegar, então tem que ficar sempre de prontidão — diz Hugo.
(Foto: Diorgenes Pandini / Diário Catarinense)

A preocupação dos pescadores em manter a tradição vai além. Pedro Aparício Inácio comenta que as novas gerações já não têm o mesmo apreço pela pesca e não sabe como vai ser quando os atuais homens do mar partirem desta terra. 

— Hoje os jovens só querem ficar na internet, no celular, é outro mundo, eu tenho um filho de 16 anos e vejo o quanto é difícil ele vir para cá e acompanhar a pesca. É complicado, tentamos cativar as pessoas para trazer para perto, para aprender e tomar gosto pela tradição, tentar fortalecer, porque senão vamos perder com o tempo — comenta.

Programação

A abertura da safra da tainha no rancho do seu Getúlio segue durante a tarde desta quarta-feira. Confira a programação:

* 12h – Apresentação de composições musicais sobre a pesca, com Elenir Inácio

* 14h – Atrações recreativas e culturais (corrida de canoa, cabo de guerra, capoeira)

* 15h – Exposição e soltura de tartaruga marinha do Projeto Tamar

* 16h – Apresentação do Boi de Mamão do Campeche 

* 18h – Encerramento

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