sábado, 18 de maio de 2019

LIMPANDO O RIO





Pescadores fazem mutirão
para recuperar rio Ratones

Desta vez as canoas não voltaram vazias ao rancho. Na falta de peixes e camarões, transportaram cerca de 500 quilos de garrafas pet, sacolas de supermercados e outros tipos de plástico, vidros, isopor, restos de eletrodomésticos e até uma carcomida bateria de automóvel, lixo recolhido no leito e no manguezal às margens do rio Ratones, maior bacia hidrográfica de Florianópolis - são 61 km² espalhados entre sete bairros do Norte da Ilha. Outros graves sinais da degradação ambiental comprometem a qualidade ambiental do estuário, sendo visíveis, por exemplo, efeitos da contaminação pelo lançamento esgoto doméstico, do assoreamento de trechos antes navegáveis e a interferência na dinâmica natural das marés por causa dos escombros das antigas comportas de concreto existentes sob as pontes da SC-402, no acesso a Jurerê e praias vizinhas. 
A carga com meia tonelada de lixo urbano recolhida na manhã de sábado (11 de maio) é resultado de apenas três horas de mutirão organizado por voluntários da Associação dos Pescadores do Rio Ratones e integrantes da ong Floripa Plástico Zero. Repetida uma vez por ano na área liberada à pesca, no entorno da Estação Ecológica de Carijós, unidade de conservação federal administrada pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes da Biodiversidade), a ação pretende conter o acúmulo da sujeira descartada diariamente por parcela dos próprios moradores e ocupantes de veículos que trafegam nas rodovias do entorno, ou é carregada pelas enxurradas, além de monitorar o surgimento de pontos de despejo de esgoto e os bancos de areia aparentes, principalmente, durante as vazantes da maré.
“Todos esses impactos estão de alguma forma relacionados à existência das comportas, construídas entre as décadas de 1960 e 1970 para impedir a passagem de água salgada e transformar o entorno do manguezal em campo para criação de gado”, explica o presidente da Associação dos Pescadores do Rio Ratones, Orlando Silva, 55 anos, que pesca naquelas águas salobras desde os oito anos de idade. Silva se refere à transformação de áreas naturalmente alagadiças em pastagens durante o governo de Celso Ramos, industrial e pecuarista lageano que administrou Santa Catarina entre 1961 e 1966. 
Filho e neto de pescadores, Nestor da Silva Filho, 43, confirma a escassez cada vez mais preocupante de peixes e camarões em todo o leito do rio. Tainhas e paratis ainda pululam em um ou outro trecho de maior profundidade, mas bagres, pescadas amarelas, corvinas e robalos estão entre as espécies em extinção no estuário onde se reproduzem antes de migrarem para desenvolvimento do ciclo biológico nas águas salgadas da baía Norte.
“Nem sempre voltamos para casa com pescaria. É preciso apressar a retirada das comportas”, diz, enquanto mostra aos colegas uma bateria veicular desenterrada da lama junto às raízes tortuosas de uma árvore de mangue branco. 

SEM COMPORTAS E COM TURISMO
Iniciadas em dezembro de 2016 pela empresa Araújo Construções, com término previsto para o fim do ano seguinte, as obras para retirada das comportas estão com pelo menos um ano e cinco meses em atraso. Foram orçadas em R$1,1 milhão, resultado de acordo judicial intermediado pela Justiça Federal em Santa Catarina. Por enquanto, foram demolidas apenas as colunas aparentes da estrutura de concreto.

Para Gilberto Ribas, diretor da Associação de Pescadores do Rio Ratones e da Comissão Nacional de Fortalecimento das Comunidades Extrativistas Costeiras (Confrem), é indispensável a retirada da laje e da mureta de concreto submersas, que impedem o vaivém natural da premar (enchente) e das vazantes. “Trouxeram uma máquina grande, mas o braço da concha bate na estrutura da ponte, impedindo a retirada de todas as colunas. É fundamental a entrada da água salgada do mar para revitalização da parte de cima do rio”, argumenta. 

Outra preocupação de Ribas é o acúmulo de cascalhos junto às cabeceiras das pontes. “Esses entulhos, se não forem retirados logo, aumentarão a sedimentação e o assoreamento, inviabilizando ainda mais a navegação com embarcações de pequeno porte e a remo”, diz. Para o futuro, a volta dos peixes e camarões ainda é incerta, mas os pescadores têm outras sugestões para se manterem conectados ao velho rio. 
Umas das propostas é a elaboração de projeto de turismo ecológico monitorado por eles mesmos. A intenção é viabilizar o acesso ao rio e interligá-lo às trilhas de acesso à Costa da Lagoa da Conceição, localizada na vertente oposta do morro da Virgínia, no maciço central da Ilha. De lá, descem as nascentes preservadas do Ratones. 

“A ideia é trabalhar inicialmente com pesquisadores, universidades e órgãos ambientais, utilizando a população local como guias para passeios monitorados em embarcações a remo ou a vela”, explica Ribas. É prevista também a abertura dos roteiros a passeios monitorados, com paradas para almoço e lanche na sede da Associação dos Pescadores, onde já existe boa estrutura de cozinha e salão para funcionamento de restaurante rústico. Também participaram do mutirão os pescadores Eliseu Pereira, Edson da Silva, Osnildo Padilha e Valmir Euclides Ferreira, além de três representantes da ong Floripa Plástico Zero, entre eles, o vereador Pedrão Silvestre.

(Do Edson Rosa)

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