domingo, 28 de abril de 2019

LÁ & CÁ

“Os caiçaras estão em extinção!” Essa frase eu ouvi de um senhor caiçara que mora no Bairro “Sítio de São Lourenço”, município de Bertioga/SP.

Os caiçaras irão desaparecer? A atual realidade dos povos tradicionais

Era para ser um passeio de final de semana. Uma amiga, que vinha nos convidando há muito tempo para conhecer o local onde ela nasceu e se criou. Ela costumava dizer: “Vocês vão amar! Vão conhecer o povo caiçara.”

Quando você olha no mapa, o município de Bertioga fica aos pés da Serra do Mar, nas margens do Parque Estadual da Restinga de Bertioga. A esquerda, em duas partes, compartilhando a mesma praia, temos a cidade. A segunda praia é hoje chamada de Riviera de São Lourenço, um condomínio de luxo, com residências e comércio de alto padrão. Bem na pontinha direita da Praia de São Lourenço, fica o Jardim São Lourenço, ou sítio, como os nativos o chamavam. A terceira praia faz parte da área de proteção e é quase deserta – a praia do Itaguaré e Guaratuba (divididas por um rio).

Imagem: Janaína Steffen – Autossustentável

Imagem: Janaína Steffen – Autossustentável
Imagem: Janaína Steffen – Autossustentável

Minha amiga é descendente de nativos da região. De acordo com ela, há mais de 3 gerações a família está naquele local. Eram duas famílias que foram casando entre si e no final das contas quase todos por lá são primos. O primeiro tio que conheci deve ter seus 60 anos. Comentou que teve que largar a pesca para trabalhar na construção. Que desde pequeno pescava com o pai e que todos na localidade sabem costurar redes de pesca. Contou que os antigos conseguiam inclusive dizer em qual dia os cardumes de tainhas chegariam na praia. Que chegavam a pescar 5 mil tainhas em grupo, formando uma barreira de redes. Que a vida ali ainda é pacata, apesar dos turistas. Que ele pesca hoje em dia só para comer mesmo e que as vezes um turista pede para comprar: “Eu respondo que eu não vendo peixe, mas que se a pessoa quiser eu dou um.”
Imagem: Janaína Steffen – Autossustentável

Mas foi o segundo tio que me encantou. Um senhor com mais de 80 anos, que estava se recuperando de um problema de saúde. Foi nos receber com passos curtos e lentos, e um sorriso fraquinho. Comecei a brincar que tinha ouvido histórias de pescador do outro tio. Ele sorriu maroto e disse: “Sobre as tainhas?”. Falei que sim e que tinha ficado impressionada. Ele então começou a contar:

“Eram pouco mais de 20 famílias no local, a maioria parentes. Havia um senhor de idade que subia no morro e tocava um berrante quando as tainhas estavam chegando. Era verdade sim! Já pegamos mais de 9 mil tainhas de uma vez só, juntando as redes de todos na praia. Quando pegávamos até 1.500 peixes dividíamos entre as famílias, mas quando era mais, levávamos de burro e depois de barco até Santos para vender no Mercado Municipal. Durante muito tempo fui o responsável por levar e trazer o dinheiro. Ao retornar, o dinheiro era repartido entre todos, uma cota para cada adulto e meia cota para crianças de 0 a 14 anos.”

Fiquei curiosa quanto à conservação dos peixes e ele disse que eram salgados e colocados para secar no sol. Eles também plantavam mandioca. Minha amiga diz que farinha de mandioca como eles faziam não existe mais. Também colhiam palmito, mas que hoje é proibido. Perguntei se eles plantavam o palmito ou apenas colhiam. Ele respondeu que antigamente a Riviera era um palmital imenso e que não era necessário plantar. Mas quando começaram a colher para vender, o palmito acabou.

Ele chamou o bairro ao lado de Dona Riviera. Perguntei como eles se sentiam em relação aquele condomínio vizinho. Ele disse que é Dona Riviera porque é muito chique, mas que ela quase expulsou eles dali.


Ficamos espremidos no cantinho. O palmito foi extinto quando construíram o condomínio, a tainha foi extinta porque pescam antes do peixe chegar aqui e os caiçaras estão quase extintos.

Senti a animação dele indo embora de novo. E no meu coração uma pontada de tristeza. Toda vez que consigo sentar com um nativo, seja ele agricultor ou pescador, tenho certeza que estou com um ancestral. Aquela pessoa que ainda tinha tempo e paciência para observar a natureza e aprender com ela. Precisamos de um deles sempre por perto. Para nos lembrar o valor que as coisas simples têm, para nos mostrar o quão valiosa e bela é a sabedoria da natureza, para nos ensinar como viver em harmonia e equilíbrio sem exaurir.
Imagem: Dicionário e Gramática

Que tal conversar com um nativo do lugar onde você mora? Com certeza ele irá te relembrar de coisas muito importantes que a pressa tem feito você esquecer!
Imagem: Janaína Steffen – Autossustentável


Caiçara – do Tupi Guarani caá-içara=a cerca de ramos. Palavra de origem tupi, que se referia aos habitantes das zonas litorâneas. As comunidades caiçaras surgiram a partir do sec. XVI, com a mistura de brancos e índios. Caiçara também é o nome de dois municípios: um no estado da Paraíba e outro no Rio Grande do Sul. Informação: Dicionário Ilustrado Tupi Guarani.

(Por Janaína Steffen)

(Do http://autossustentavel.com/)

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