Foto Andrea Ramos Tia Ilda, benzedeira do Pântano do Sul, benzendo redes para a pesca da tainha |
DA ILHA DE SANTA CATARINA
por José Luiz Sardá
Na antiga Europa durante o período da Inquisição, as mulheres que praticavam curas, atendiam a partos e que tinham conhecimento sobre o uso de ervas e plantas medicinais, foram acusadas de bruxas e feiticeiras.
Os açorianos trouxeram uma bagagem cultural repleta de crendices e religiosidade. Essa herança cultural está baseada e enriquecida pela miscigenação das culturas indígenas e africanas, através das manifestações culturais e religiosas. Dentre elas, a sabedoria das mulheres benzedeiras do interior da Ilha de Santa Catarina com suas rezas, crendices, conhecimento da homeopatia e das ervas medicinais.
Nos tempos idos, nos arrebaldes do interior da ilha, muitas mulheres se destacaram como parteiras, benzedeiras, ou no preparo de homeopatia. Este trabalho representava para elas o seu reconhecimento e todas eram respeitadas.
As benzedeiras eram consideradas mulheres que tinham o poder e o conhecimento de curar e afastar os males físicos e espirituais. A prática da benzedura faz parte da cultura açoriana e ainda persiste em algumas regiões da Ilha. São muitas as benzeduras: de arca caída, de cobreiro, de susto, de afogado, de sangue, de pontada, de bucho virado, de espinhela, de sapo, de zipra, zipela e zipelão, de embruxado, de olho grande, de inveja, de umbigo quebrado, de mau jeito e mau olhado.
Tinham conhecimento de rezas, benzeduras e simpatias. Ensinavam remédios homeopáticos e chás caseiros. Em casa num canto da sala, tinham sempre a vista uma bíblia, o crucifixo e imagens de santos. As benzeduras eram recomendadas e compartilhadas entre elas, de acordo com o grau de conhecimento de cada. Ganhavam presentes das pessoas que a procuravam, mas diziam não cobravam em dinheiro, pois era seu dever usar o dom que ganharam de Deus.
As orações de benzeduras foram passadas de boca em boca por gerações. As benzedeiras não se preocupavam com as palavras corretas, mas sim como se falava. Com frases repetidas três vezes, ênfase nos sinais e gestos, na simbologia dos números, na força das palavras e no poder dos elementos da natureza, animais e vegetais.
Para elas, a benzedura é uma forma de esconjurar o mal, se apegando na crença, no poder de Deus, da Virgem Maria, e dos Santos e das palavras certas para pedir a cura. Para o ritual, usam o crucifixo, ervas ou ramos verdes, e com gestos em forma de cruz traçada, fala cantada e de olhos fechados, a voz em sussurros era rezada a benzedura: “Eu te benzo com as três pessoas da Santíssima Trindade. É o Pai, é o Filho é o Espírito Santo acompanhando as cinco chagas de nosso Senhor Jesus Cristo. Tens quebranto, pegasse. No teu comeu, no teu bebeu, no teu dormir ou no teu serviço, ou nos teus negócios. Nas rezas carrega nas tuas mãos, nos passos de tua vida, pras ondas do mar teu mal será levado. Em nome de Jesus”. Ou “Pedro Paulo vai a Roma encontrar com Jesus Cristo. Jesus Cristo perguntou: - onde vais, Paulo? - Eu vou em Roma. - E o que há por lá, Paulo? - Muita zipra e zipela, muita gente morre dela! Com isso eu te curaria em nome de Deus e da Virgem Maria” ou ainda “Treze raio tem o sóli, treze raio tem a lua, sarta diabo pro inferno, que esta alma não é tua. Tosca marosca, rabo e rosca, vassoura na tua mão, relho na tua bunda, e argulhão nos teus pés, por riba do silvado e por baixo do telhado, São Pedro, São Paulo, São Fontista, por riba da casa de São João Batista, bruxa tatara-bruxa, tu não me entre nesta casa, nem nesta comarca toda. Por todos os santos dos santos. Amém”.
Quando uma doença muito grave ou um mal que não era doença, mas de quebranto ou mal olhado atingia alguém, essa pessoa precisava ser benzida. A benzedura também era feita em animais, principalmente em bezerros.
Contavam que muitas vezes o mau olhado pode não ser intencional, mas aquela força maligna sai da forma do olhar da pessoa. O mau olhado pode atingir até plantas e animais. Contra as feiticeiras havia benzeduras e orações especiais, com a tesoura.
Nas primeiras décadas do século XX as mulheres que estavam para dar a “luz” ou os enfermos, eram tratadas na própria casa. As mulheres pariam com a ajuda das parteiras-benzedeiras. Geralmente, depois do primeiro parto era sempre a mesma parteira que realizava os partos seguintes da mesma mulher. A parteira-benzedeira era responsável pela criança recém-nascida e cuidava da mãe até a quarentena pós-parto e não cobravam pelos serviços, pois era preciso retribuir fazendo o bem a outras mulheres.
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