Esqueleto encontrado no Rio Tavares pertencia ao primeiro grupo de humanos que ocupou o litoral de Santa Catarina - Daniel Queiroz/ND
Os Homens do Sambaqui: Uma viagem pela história dos pré-históricos da Ilha de SC
Reportagem: Maurício Frighetto (Especial para o ND)
Edição: Beatriz Carrasco e Rodrigo Lima
Os Homens do Sambaqui
O esqueleto encontrado na obra do elevado do Rio Tavares, no Sul da Ilha, na semana passada, pertencia ao primeiro grupo de humanos que ocupou o litoral de Santa Catarina. Os Homens do Sambaqui, como são chamados, iniciaram a jornada nestas terras há cerca de 8.500 anos. Eram caçadores, coletores e pescadores e enterravam seus mortos, muitas vezes, com adornos. O que aconteceu com eles ainda é um mistério. Após a descoberta do esqueleto, a reportagem do ND visitou dois dos museus mais importantes de Florianópolis para contar essa história: o MArquE/UFSC (Museu de Arqueologia e Etnologia Oswaldo Rodrigues Cabral da Universidade Federal de Santa Catarina); e o Museu do Homem do Sambaqui Padre João Alfredo Rohr, do Colégio Catarinense.
O incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, colocou em evidência a importância do patrimônio histórico. Será que conhecemos nosso passado? “Muitas pessoas não têm ideia de que há muito tempo existiam habitantes aqui. Elas visitam e percebem que os lugares por onde passam têm muito mais história do que imaginavam”, disse Roberta Pôrto Marques, analista de museologia do Museu do Homem do Sambaqui.
A característica mais importante destes primeiros habitantes são os sambaquis, palavra em tupi que significa “monte de conchas”. De acordo com Luciane Zanenga Scherer, arqueóloga do MArquE, discutiu-se por um tempo se as estruturas eram naturais ou construídas. Alguns acreditavam que era uma espécie de “lixeira pré-histórica”. “As pesquisas indicam que era uma construção, grande parte usada para enterrar os mortos. Colocavam esqueletos e pequenos montes de conchas por cima, junto com oferendas funerárias, com comida, objetos”, explicou.
Segundo o livro “Panorama arqueológico de Santa Catarina”, os sambaquis são distribuídos pela costa brasileira e estão, geralmente, em regiões lagunares e áreas recortadas por baías e ilhas. Um dos mais altos, em Garopaba, tinha 20 metros de altura por cerca de 500 metros de comprimento. A maioria é menor, mas não menos importantes, como o do Rio Tavares, onde foi encontrada a ossada.
Homens do Sambaqui, como são chamados, iniciaram a jornada nestas terras há cerca de 8.500 anos - Marco Santiago/ND
Homens do Sambaqui, como são chamados, iniciaram a jornada nestas terras há cerca de 8.500 anos - Marco Santiago/ND
O que aconteceu com o grupo é um mistério
Antes da chegada dos portugueses ao Brasil, três grupos habitavam o litoral catarinense: os Homens do Sambaqui, os Jês e os Guaranis. O que ocorreu com os primeiros habitantes ainda é um mistério.
A divisão em três grupos é didática, mas há muitas questões sobre a relação entre eles. Uns encontraram com os outros? Lutaram? Viveram em paz? São perguntas a serem respondidas. Uma das hipóteses, por exemplo, para o que ocorreu com os Homens do Sambaqui, é que tenham se juntado com os Jês. Cada nova descoberta, como a ossada do Rio Tavares, é mais uma peça que pode ajudar a montar o quebra-cabeça.
Mas uma coisa é certa. Esses grupos encontraram um grande lugar para viver no litoral de Santa Catarina. E a Ilha de Santa Catarina e ilhas adjacentes é onde se encontra grande parte dos sítios arqueológicos. “A Ilha é um lugar maravilhoso para se viver. Hoje em dia todo mundo quer vir para cá. Imagina isso aqui há 6.000 anos, sem poluição, com águas lindas, natureza exuberante, com comida fácil, tanto do mar quanto da terra, rios para navegar”, disse Luciane Zanenga Scherer, arqueóloga do MArquE
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Característica mais importante destes primeiros habitantes são os sambaquis - Marco Santiago/ND
Sítio mais antigo de Florianópolis tem 5.200 anos
O sítio arqueológico mais antigo de Florianópolis tem datação de 5.200 anos antes do presente (AP), segundo a arqueóloga Luciane Zanenga Scherer. Está localizado no Rio Vermelho. Isso quer dizer que os Homens do Sambaqui já viviam na Ilha em 3.070 antes de Cristo (AC).
De acordo com o livro “Panorama arqueológico de Santa Catarina”, 115 dos 295 municípios catarinenses têm culturas pré-coloniais. A Grande Florianópolis, assim como outras partes do Estado, pode ser considerada um museu a céu aberto, com gravuras rupestres e oficinas líticas.
Os sítios de representação rupestres são um conjunto de desenhos gravados em rochas e estão espalhadas pelo litoral, numa faixa de cerca de 120 quilômetros, entre Porto Belo e Garopaba. As mais conhecidas estão na Ilha do Campeche e no Costão do Santinho, em Florianópolis, e na Ilha do Arvoredo. São formadas por círculos, linhas, retas e até figuras humanas.
As oficinas líticas são um conjunto de concavidades em rochas que eram usadas para produção de artefatos a partir de outras rochas. Eram usadas, provavelmente, para polir machados e gumes e artefatos com figuras humanas (antropomorfos) ou de animais (zoólitos).
Provavelmente, os três povos utilizaram as oficinas líticas. Em relação às gravuras, ainda é um debate sobre quem as produziu.
Inscrição rupestre achada no praia da Armação, no Sul da Ilha - Marco Santiago/ND
Acervo catarinense estava no Museu Nacional
Em 1950 e 1951, o arqueólogo e antropólogo Luiz de Castro Faria escavou o Sambaqui de Cabeçuda, em Laguna. O local era ameaçado de destruição. No sítio foram recuperados artefatos e restos ósseos de mais de duas centenas de indivíduos. Parte do material estava no Museu do Rio de Janeiro e, provavelmente, também se perdeu.
A história está contada em um texto do Centro de Memória, do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Na época da escavação, o tamanho da estrutura já era 1/10 do original. “Ele relataria em 1954, em tom desolador, a continuidade da destruição implacável e a desfiguração total do sítio, então considerado por ele como de todo inviabilizado para estudos estratigráficos”, diz um trecho do texto.
Luciane Zanenga Scherer, arqueóloga do MArquE, e Roberta Pôrto Marques, analista de museologia do Museu do Homem do Sambaqui, têm outro ponto em comum além de trabalharem em museus. São doutorandas em Arqueologia no Museu Nacional do Rio de Janeiro. No entanto, o material de pesquisa delas encontra-se em Santa Catarina.
De acordo com Roberta, o Museu Nacional é a principal referência na área. “Cada indivíduo perdido é único. Eram pessoas que estavam lá representadas por seus esqueletos. O museu pode ser reconstruído na estrutura, mas o acervo é irreparável”, avaliou.
Luciane disse que quando viu o incêndio pensou que não ia sobrar nada. “É lamentável. Precisa acontecer um negócio desses para as pessoas verem a importância do que temos. De uma maneira ou outra, todo mundo perdeu. Perde o Brasil. Vai ficar uma imagem muito negativa. Em questão de horas, tudo queimou”, disse.
SERVIÇO
MArquE/UFSC
Museu de Arqueologia e Etnologia Professor Oswaldo Rodrigues Cabral da Universidade Federal de Santa Catarina
Quando visitar: De terça a sexta-feira, das 9h às 13h, e no primeiro sábado do mês, das 13h às 17h.
Quanto: Entrada gratuita
Telefone: (48) 3721-9325
Site: museu.ufsc.br
Museu do Homem do Sambaqui
Museu do Homem do Sambaqui Padre João Alfredo Rohr do Colégio Catarinense
Quando visitar: Terças, quartas e sextas-feiras (9h às 12h e 13h às 16h) e quintas-feiras (7h30 às 13h45)
Quanto: Entrada gratuita
Telefone: (48) 3251-1516
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