segunda-feira, 24 de setembro de 2018

MANEMÓRIAS


Relíquia de 1866 é encontrada em universidade dos EUA

Aquarela do marinheiro Hermann C. Raebel Jr. mostra a Ilha de Anhatomirim e foi descoberta por Marli Cristina Scomazzon, pesquisadora e colecionadora

Repousa no acervo da UCLA (Universidade da Califórnia, EUA) uma aquarela desconhecida da maioria dos pesquisadores brasileiros, em especial os catarinenses: a Ilha de Anhatomirim retratada pelo marinheiro alemão Hermann C. Raebel Jr. (1848-1869), formado pela U. S. Naval Academy e que participou de manobras da marinha norte-americana na costa do Brasil em 1866.

A descoberta dessa relíquia ocorreu na semana passada, quando a pesquisadora Marli Cristina Scomazzon recebeu um email da UCLA com a imagem. O contato da universidade foi uma consequência das pesquisas desenvolvidas por ela para a elaboração do livro “A Caminho do Ouro – Norte-americanos na Ilha de Santa Catarina”, lançado em 2015, que resgata a corrida do ouro pelo mar, praticada por exploradores dos EUA entre os anos de 1849-1856. Estima-se que mais de 700 mil norte-americanos passaram pela Ilha de Santa Catarina (Desterro) e seus arredores durante esse período, nas longas viagens que contornavam a América do Sul para chegar à costa Oeste dos EUA.

Marli Cristina tem dedicado grande parte de seu tempo a descobrir referências iconográficas relacionadas a Desterro. Ela conta que conserva hoje de mais de mil documentos, entre mapas, aquarelas, gravuras, fotografias e livros. Trata-se de uma das maiores coleções do gênero especificamente sobre Desterro e Florianópolis, entre os séculos 15 e 19. Todo o acervo vai ser doado para o Sesc (Serviço Social do Comércio), assim que a entidade assumir a gestão do futuro Museu da Cidade, na antiga Casa de Câmara e Cadeia.

A pesquisadora e escritora, que também é jornalista, estima que existam mais de três mil documentos desse tipo espalhados pelo mundo, em arquivos públicos ou particulares. “São referências que não conhecemos, por dificuldade de acesso. Às vezes são descobertas por acaso, como essa aquarela de Hermann C. Raebel Jr. que está na UCLA”, diz.

Garimpagem histórica

O trabalho da colecionadora é de autêntica garimpagem e inclui visitas a galerias nos Estados Unidos e em países europeus. Nas viagens frequentes ao exterior ela dedica seu tempo a buscar material e acrescentar ao imenso arquivo que será doado ao Museu da Cidade.

A coleção começou a ser formada há cerca de cinco anos, justamente quando Marli Cristina pesquisava elementos para o livro sobre a corrida do ouro pelo mar. Um fato pouco conhecido em Florianópolis e sobre o qual não existem registros locais. O recurso foi trabalhar nos EUA, na busca de informações em fontes primárias. O resultado foi uma obra magnífica, apreciada tanto no Brasil quanto no exterior.
Desenho da viagem de Hans Staden, que mostra a Ilha de Santa Catarina (abaixo), é o documento mais antigo (do século 16) preservado no acervo da pesquisadora catarinense - Reprodução/ND

Segundo documento mais antigo, de 1600, mostra variedade de peixes encontrada no entorno da ilha - Reprodução/ND

Desde o século 16

Entre tantas riquezas visuais preservadas no acervo encontram-se, por exemplo, gravuras e desenhos que formaram a primeira edição do livro “Ilha de Santa Catarina – Relatos de Viajantes Estrangeiros nos séculos 18 e 19”, coordenado por Marcondes Marchetti e Martim Afonso de Haro, com produção de Gilberto Gerlach, editado pela assessoria cultural da Assembleia Legislativa, em 1979, durante a gestão do presidente Waldomiro Colautti (1929-2010).

O documento mais antigo é um desenho original da expedição de Hans Staden (1525-1576), aventureiro alemão que passou pelo litoral catarinense entre 1549 e 1551. O desenho mostra a Ilha de Santa Catarina e seus habitantes da época, barcos e atividades agrícolas.

A segunda riqueza iconográfica mais antiga é uma gravura que apresenta os peixes existentes no litoral da Ilha de Santa Catarina em 1600.

Mapa confeccionado pelo espanhol Tomás López, entre 1773 e 1774, preparatório para a invasão espanhola à ilha, em 1777 - Reprodução/ND

Para os estudiosos da cartografia há uma abundância impressionante de mapas antigos, entre os quais dois exemplares preciosos: um de 1700 e outro feito por Tomás López, entre 1773 e 1774, preparatório para a invasão ocorrida em 1777, quando os espanhóis dominaram a ilha.

É impossível fazer aqui o inventário de todos os documentos e imagens. “A ideia de doar ao Museu da Cidade é para que todos possam ter acesso ao acervo”, diz Marli Cristina.

A pesquisadora não para. O projeto atual e inédito é uma pesquisa sobre a primeira circunavegação feita por brasileiros, entre 1879 e 1881. No livro será narrada, por exemplo, a participação de diplomatas na expedição, em busca da mão de obra chinesa que poderia substituir os escravos (libertos em 1888). Não há prazo para lançamento.

(Coluna do Carlos Damião no ND de hoje, domingo - https://ndonline.com.br/)

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