domingo, 8 de julho de 2018

REPORTAGEM ESPECIAL


Foto: Arquivo Pessoal
Dia a dia do médico na estrutura com mais de 3 mil metros de profundidade tem atendimento aos doentes e, também, espaço para o lazer

Conheça o médico catarinense que atende pacientes em alto-mar
Do mar de ondas pequenas da praia do Balneário do Estreito, em Florianópolis, às profundezas do azul e imenso Oceano Atlântico. Assim se faz a rotina do médico catarinense Augusto Otávio da Luz, 36 anos, que dá consultas 300 quilômetros mar adentro. O offshore – longe da costa, em inglês – tem consultório montado sobre uma superfície de 3 mil metros de profundidade e atende a até 900 funcionários de empresas estrangeiras contratadas para operar em plataformas da Petrobras.
–Já conheci o Pré-Sal– brinca.

Formado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 2009, o clínico geral trabalhou como plantonista em hospitais de Itajaí, Navegantes, Gaspar, Alfredo Wagner e Santo Amaro da Imperatriz, até fazer concurso na cidade de Macaé, município do litoral norte fluminense conhecido como “capital nacional d opetróleo”, onde foi apresentado a profissionais que trabalhavam em alto-mar.

Foi então que Spike, como é chamado pelos amigos manezinhos que o achavam “meio parecido” com o cineasta Spike Lee, decidiu encarar duras provas de salvatagem. Regulamentadas pela Marinha Brasileira e seguindo padrões internacionais, as normas priorizam a segurança das pessoas que em caso de um acidente terão o mar como destino.

“CADA ETAPA É MAIS INTENSA QUE A OUTRA”

Entre os conteúdos dos treinos, prevenção e combate a incêndios e técnicas de sobrevivência, como a simulação da queda de um helicóptero na água. Além de ter que assumir a navegação das embarcações, em caso de ausência do piloto, como barco salva-vidas.

– Cada etapa mais intensa do que a outra. Tal qual a vida de um offshore – compara o médico manezinho, que no final da faculdade também passou pelos hospitais Regional de São José, Celso Ramos, HU, Carmela Dutra e Nereu Ramos.

Isso porque, explica, dependendo da localização da plataforma, as idas e vindas levam uma hora e meia desde o aeroporto de Macaé. Em caso de pane, não existe onde o helicóptero pousar.

– Em caso de emergência, (como ocorreu no Golfo do México e retratado no filme Horizonte profundo – Desastre no Golfo, faço parte da equipe de quatro pessoas juntamente ao capitão da embarcação que sempre será a última a sair. Saber disto não dá muita alegria, mas faz parte do trabalho – brinca.

Ainda assim, o médico catarinense, filho do cardiologista Walter da Luz, o doutor Juca, e da psiquiatra Eleonora Deziderio da Luz (já falecida), parece disposto a continuar. No sexto ano de atividades, permanece acumulando bagagem de estar num lugar onde apesar dos altos riscos possibilita-lhe uma experiência multicultural e recebe salário (em dólares) cobiçado para um médico que ainda busca solidificar carreira.

– Nas horas de folga, atualizo conhecimentos em medicina e toco saxofone. A música me ajuda bastante. 

Quando está em terra – a legislação permite 14 dias embarcados– e consegue vir a Florianópolis, o médico aproveita para fazer uma atividade social como voluntário em uma instituição que acolhe dependentes químicos.

–A gente se sente muito pequeno diante da imensidão do mar. Isso desperta o desejo de querer ajudar o outro.
Foto: Arquivo Pessoal / Arquivo Pessoal

ATIVIDADE

“Estamos trabalhando em uma estrutura flutuante que faz reparos nas plataformas da Bacia de Campos, pois essas são muito grandes e não têm como ser rebocadas para conserto em terra. Ficamos a 45 minutos de voo, a uma distância de 220 quilômetros da costa e a uma profundidade média de cerca de 2,5 mil metros de profundidade. Já estive em lugares com águas mais profundas.”

EQUIPE MÉDICA

“São duas equipes (cada uma tem um médico, um enfermeiro e um técnico). Quando uma está no mar, a outra em terra. Temos todos os equipamentos necessários para atendimento e uma enfermaria com 12 leitos. Se necessário, acionamos atendimento e uma aeronave é deslocada para o resgate. O destino também leva em conta o quadro do paciente e a especialidade necessária para o socorro.”

DIA A DIA
A plataforma trabalha em turnos diário e noturno. As primeiras atividades se iniciam às 5h30 mim e se encerram às 17h30mim, quando começa o trabalho noturno. A rotina diária começa com o café (5h). São inúmeras profissões em toda esta cadeia, desde técnicos de segurança do trabalho a especialistas em máquinas modernas. Assim como a tripulação marítima e de apoio."

PACIENTES

“O quadro varia bastante: gripe, mal- estar, pneumonia. Mas muitos se queixam de dor no peito. A angústia muitas vezes tem fundo emocional por causa da saudade da família, ansiedade do retorno, expectativa do desembarque. 

No mar, é preciso dimensionar a passagem do tempo. Assim como a medida das distâncias. Uma coisa é estar longe de casa, mas sobre o mesmo chão. Tudo isso reflete. Temos também trabalhadores de outras nacionalidades, e que ficam até três meses embarcados. Como médico preciso estar muito atento para essas particularidades."

PRECONCEITO

“Médico brasileiro, jovem e negro. Eu enfrentei preconceito no meu segundo ano de embarque. Na ocasião, um supervisor médico inglês que acompanhava por vídeo conferência na Escócia questionou uma conduta tomada durante uma emergência médica. Solicitou que eu interrompesse o procedimento e seguisse a conduta que ele sugeria. Determinou aos auxiliares que parassem tudo e ignorasse minha conduta. Respondi- lhe que o médico no local não era ele e que nem CRM ( autorização no Brasil) o mesmo tinha pra definir a conduta. Continuei o procedimento e mandei desligar o vídeo. Deu tudo certo: o paciente saiu do risco de morte e foi transportado ao hospital. Eu ganhei mais confiança a partir desse fato."

VIDA NO MAR

“O mar fascina a gente. Parece que tudo fica mais intenso. Inclusive a nossa atividade profissional. Eu já atendi pessoas de pesqueiros, desses que partem de Itajaí para o alto mar e que pediram socorro. Se o tripulante fosse levado de barco até a costa, seriam seis dias para chegar em terra. Quem sabe a vida não seria salva. Estar no meio do oceano sendo médico tem dessas coisas."

LAZER

“Ninguém é de ferro. Após o final de cada turno há tempo livre para lazer, como academia, cinema, jogos, biblioteca, TV via satélite. Além de internet e telefone para contato com a família. Eu, particularmente, uso o tempo livre para me atualizar na parte médica e estudar saxofone. A música me ajuda a superar o confinamento."
Foto: Arquivo Pessoal / Arquivo Pessoal



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