Foto Andrea Ramos
ABRAXAS
Pântano do Sul, março, 1975, Um galo
flameja na soleira do botequim, arauto
da estação feroz. Tudo mergulha
nas cinzas, tu pensavas. Habitual
sobrevivente das marés, nada
te foi dito nem cobrado.
Resignado,
resolvestes ficar por ali. Sozinho.
Apoiado no balcão, duplicado na retina
Impertinente da ave empolgada entre
garrafas, dominós, e um jornal
amassado.
Arrancando as ataduras
interrogas o forasteiro. Fala quase
com doçura e te chamavas Coimbra.
Muitos passaram por ali sem
ver a duna perfeita além
da janela, rasgada pelo corno
da lua. Amordaçados, foram
vendidos em Tanger todos os filhos
da casa. Descendias daquele que
escondeu-se na tulha de azeite.
Sim, gentil Coimbra, dormias sempre
no fundo de algum barco, no morno
rancho da praia. Mostrou-me
logo a moeda: era verde
o
perfil régio, quase apagado.
Na outra face estava
o galo. E o chicote de Abraxas.
(Rodrigo de Haro, em "Andanças de Antonio", 2005)
Rodrigo de Haro (Paris, França 1939 ). Pintor, desenhista, gravador, escritor, poeta e contista. Divide suas atividades profissionais entre Florianópolis e São Paulo. Em 1958, realiza sua primeira exposição individual na Faculdade de Direito de Florianópolis. Em poesia, atua, desde 1960, como organizador do movimento surrealista e tem seus poemas publicados em livros no Brasil e em antologias na Espanha e Estados Unidos.
Um comentário:
fernandovski!
pantano do sul, março, 1975 e a primeira linha do poem, faz parte dele, ok?
abração
rod
Postar um comentário