quinta-feira, 31 de maio de 2018

ESCALANDO O PEIXE...


Ilustração Andrea Ramos
"E até a madrugada, nessas cozinhas e varandas inundadas de peixe, há uma alegre algazarra de faina que só termina quando a última tainha é escalada. A essa hora então, empilhados os balaios cheios a um canto, onde ficam a escorrer, e despejadas e arrumadas as gamelas, pegam-se em oito ou dez tainhas —, conforme o número de pessoas — e, preparadas, escamadas e reduzidas a postas, são lançadas à panela para o caldo ou peixada da ceia.
 O caldo é o peixe cozido em água e sal, com tomate, cebola verde e poucos outros temperos. É prato simples e comum, mas ali tão bem feito às vezes que constitui excelente repasto. Em geral, ao largar do serviço já a peixada está pronta, pois que fôra cuidada antecedentemente.
 Livre e arranjada a varanda, puxa-se um largo estrado portátil, muito usado na roça como mesa para as refeições, e, estendida sobre ele uma pequena toalha alvíssima, que as mais das vezes não cobre senão a parte central, colocam-se os pratos em quadrado, põe-se-lhes ao pé a panela, com a competente colher de pau para tirar-se o caldo. 
Sentados todos aos seus lugares, a menagère entra a servir — primeiro ao marido que está a seu lado, em seguida aos filhos e outros pela gradação das idades. Um molho de laranja-azeda ou limão, com uma porção de pimentas esmagadas, enche ao centro um prato fundo, junto à cesta da farinha forrada de pano por dentro e junto à travessa colossal onde as postas alastram em montículo.
 Com o seu prato de caldo em frente às pernas, cruzadas comodamente à beira do estrado, cada um abarrotado de farinha, deixando porém um lugar aberto, por onde, antes de mexer o pirão, bebe algumas colheradas... Finda a ceia com uma tigela de café, após a qual todos se vão deitar."

(Virgílio Várzea, no livro Santa Catarina — A ilha. Rio de Janeiro, 1900)

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