Canoas usadas na viagem na comunidade de Barbados, no Paraná
Foto Nicole Lopes
Caravana de canoas roda 200 km para ajudar comunidades no litoral do PR
AMANDA AUDI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM GUARAQUEÇABA (PR)
Sete canoas caiçaras e seus canoeiros atracam na minúscula Ilha do Benito, no Paraná, onde há apenas três casas e nenhum morador oficial.
O grupo de 30 pessoas, com integrantes de diversos Estados, deixou o conforto de cama, energia elétrica e banheiro de suas casas para viver uma imersão na cultura caiçara no litoral paranaense.
"Quer dizer que vocês saíram das suas cidades pra viajar de canoa e vir pra esse fim de mundo?", questiona Dalésia Lima, 57, que nasceu na ilha (a única família do local) e agora dorme lá duas vezes por semana para pescar junto com seu marido. "Eu acho muito bonito isso."
Dalésia recebe os participantes da caravana que há 17 anos leva doações e oficinas educativas para as comunidades da região.
O trajeto de 200 km percorridos a remo em 15 dias passa por comunidades tradicionais, como a da Ilha do Benito, e aldeias indígenas praticamente isoladas na baía de Guaraqueçaba, a 160 km de Curitiba, em uma espécie de turismo de cunho social.
A rotina é puxada. O grupo acorda ao amanhecer, faz trabalhos nas comunidades durante o dia –como ajudar na construção de casa de rezas em uma aldeia– e rema as canoas em trechos que chegam a 30 km. As refeições são preparadas no fogareiro ou em fogueiras.
Sem nenhuma estrutura, os turistas aprendem a se virar. Pegam ostras vivas na falta de comida, passam lama no corpo para aliviar as picadas de insetos e improvisam estruturas para estancar o frio do inverno paranaense.
Nem todos conseguem completar os 15 dias. Dos 30 que participaram da última edição, na segunda quinzena de julho, quatro voltaram para casa mais cedo. A reportagem acompanhou uma parte do trajeto.
"É uma proposta pra gente se despir um pouco daquilo que a gente pensa que sabe", afirma Márcia Regina, 46, professora de socioeconomia e saberes locais da UFPR (Universidade Federal do Paraná), uma das participantes.
"Estivemos numa escola a céu aberto, em que o conhecimento está com as pessoas da comunidade. É só você entrar, sentar e tomar um café" diz Leo Cardoso, 30, músico de Ourinhos (interior paulista) que esteve na última viagem.
A iniciativa do projeto é de um morador da região, Renato Siqueira, 46, que viu na viagem de canoa um meio de promover o turismo local e ajudar as comunidades.
O custo de R$ 450 por pessoa engloba gastos com alimentação, combustível de um barco de apoio e parte das doações às comunidades. O barco que acompanha as canoas leva bagagens e doações –na última caravana, foram levados alimentos, roupas, brinquedos e eletrodomésticos.
Qualquer pessoa pode participar, mesmo sem tanto preparo físico –cada canoa é compartilhada por três ou quatro tripulantes, que se revezam nas remadas. Mas os candidatos devem apresentar um projeto de oficina ou benfeitoria para ajudar as comunidades. A faixa etária vai dos 20 anos aos 60 anos.
DIFICULDADES
Os moradores das comunidades têm dificuldade de acesso aos serviços públicos.
O posto de saúde mais próximo, em Guaraqueçaba, chega a demorar três horas de barco. Algumas escolas foram totalmente destruídas por causa de uma tempestade em junho e estão sem aula. Não há esgoto encanado, e alguns locais ficam dias sem água.
Arlindo Martins, 76, morador de Taquanduva, comunidade com 13 famílias, perdeu uma das pernas, mas nem sabe explicar direito a razão. "Já levei picada de cobra coral, de aranha armadeira, ferroada de arraia e enxadada no pé."
Os sintomas dão a entender que se tratava de uma trombose, mas ninguém deu diagnóstico. Hoje em uma cadeira de rodas, ele não consegue viajar para uma consulta e assiste à outra perna inchar. "Eu choro toda noite", diz.
Além das comunidades caiçaras, os canoeiros passam pela aldeia Kuaray Guatá Porã, da etnia Guarani.
O pequeno Poty, 5, se prepara para ser o novo cacique da aldeia, enquanto brinca com outras crianças, os únicos que fazem barulho no local. Sob o céu limpo típico de um lugar sem energia elétrica, o pajé da aldeia pede energia para a lua e sopra do seu cachimbo no topo da cabeça dos visitantes.
Durante a bênção, a documentarista Antônia Moura, 36, de Paraty (RJ), pede ao pajé para abençoar a sua câmera fotográfica também. "Na câmera, não", respondeu, seco.
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