Inscrito para o sorteio do Mapa desta quarta-feira, Luciano Valdir acredita que conseguirá uma das 62 licenças - Marco Santiago/ND
Licenças para pesca artesanal da tainha com barco a motor excluem 85% das embarcações
Cerca de 600 pescadores artesanais associados irão à Justiça pelo direito de capturar pescado
por FÁBIO BISPO, FLORIANÓPOLIS
Apesar de liberada desde segunfa-feira (15) pelo Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), a pesca artesanal da tainha com barcos motorizados ainda não tem data efetiva para começar. Nesta quarta-feira, será realizado o sorteio de 62 licenças que serão distribuídas pelo Mapa. Depois disso, as embarcações ainda passarão por vistoria e fiscalização para então serem liberadas ao mar. Mesmo assim, estima-se que 85% da frota catarinense envolvida na pesca da tainha de forma artesanal ficarão de fora devido ao número limitado de autorizações.
Para tentar evitar que boa parte dos barcos fique ancorada durante a principal temporada de pesca no litoral catarinense, pescadores associados da Appaecsc (Associação dos Pescadores Profissionais Artesanais de Emalhe Costeiro de Santa Catarina) deverão ingressar na Justiça para garantir o direito de capturar o pescado. “Nossa pesca é sazonal e se as embarcações não conseguirem a licença agora muitas famílias serão prejudicadas”, afirma Ricardo João Rego, pescador da Costa da Lagoa e secretário da associação. Publicada no dia 27 de abril deste ano, a portaria nº 23 do Mapa fixa um número de licenças para os barcos motorizados 20% menor que no ano anterior.
A principal indignação dos pescadores é de que mesmo com capacidade maior de embarque que as canoas a remo, juntas, todas as embarcações motorizadas do Estado não representariam 1% do que é capturado pelas embarcações da pesca industrial, que serão liberadas a partir de 1º de junho. “Esta regra é extremamente desproporcional ao impacto que a pesca artesanal tem e acaba gerando um grande impacto financeiro. O argumento de preservação da espécie não tem estudos que embasem isso”, explica o advogado Ernesto São Thiago, que ainda estuda a melhor forma jurídica para ingressar com o pedido dos mais de 600 pescadores associados que representam aproximadamente 70 embarcações em todo o litoral catarinense.
“Não sabem como funciona a pesca”, desabafa pescador
Luciano Valdir, 34 anos, não esconde o misto de ansiedade e descrença com a aproximação da liberação da pesca artesanal motorizada. Ele se inscreveu para o sorteio, tem fé de que conseguirá, mas caso o resultado seja negativo prevê período de dificuldades financeiras para manter o sustento em casa.
“O negócio é que eles não entendem a pesca artesanal, eles não sabem como as coisas funcionam aqui no mar”, dispara criticando os critérios adotados pelo Mapa. “A anchova não deu nada, a lula também não, só falta não poder trabalhar na tainha. Ano passado peguei oito toneladas, isso, no fim, com todos os gastos de embarcação e tudo mais, acabou não sobrando quase nada para manter a família”, reclama.
Arrasto de beira de praia cata o que pode
Desde o dia 1º de maio, quando foi aberta oficialmente a safra da tainha, que o mar é só das canoas a remo. Entre sábado (13) e segunda-feira (15), pescadores da Grande Florianópolis capturaram cerca de 20 mil peixes. Os maiores lanços foram registrados no Norte da Ilha e em Palhoça. Mesmo assim, os pescadores estimam que o volume capturado represente menos de 10% do que passou rumo ao Norte mais afastado da costa.
“No Santinho, que tem uma vigia mais ao alto, o pessoal viu peixe passando o dia todo por fora sem conseguir cercar com a canoa a remo. No sábado, aqui na Barra da Lagoa, pegamos 1.200 em dois lanços, mas um monte passou por fora”, contou Laurentino Benedito Neves, que toca a parelha da canoa Saragaço com outras 26 pessoas.
Segundo Neves, o peixe que está encostando no litoral catarinense vem da bacia do Rio do Prata, é maior e mais manso.
“Esse peixe vem por fora e como não tem embarcação no mar ele vem manso. Mas a maior parte continua indo embora paro o Norte para desovar”, conta.
Pescador experiente, há 12 anos Neves resgatou o arrasto de beira de praia na Barra, onde a maior parte dos pescadores capturam a tainha com embarcações motorizadas. “Tem peixe pra todo mundo do artesanal. A ‘naba’ mesmo é a pesca industrial, depois que diminuiu a sardinha eles foram para a tainha por conta do alto valor da ova”, explica.
Neves lembra que a pesca artesanal é uma atividade comunitária. Na parelha de rede da Barra ele divide o pescado com outros 26 pescadores. "Ai sempre tem mais um ou outro que ajuda a puxar a rede e no fim de ml peixe 300 é distribuído assim, na praia mesmo", conta.
Este ano, o Ministério da Agricultura liberou 150 licenças para canoas a remo. Pelo menos outras 150 que estavam habituadas a entrar no mar nesta época do ano ficaram de fora depois que os pontos de pesca passaram a ser georreferenciados e delimitados fisicamente com boias.
Saulo, Elenir e Márcio, da parelha de rede do Getílio e Neco aguardam o vento virar pra armar o cerco - Marco Santiago
Piratas da tainha são inimigos do pescador regular
Entre tanto peixe que já abastece o mercado local e faz a felicidade das famílias manezinhas, um episódio protagonizado no último domingo (14) na praia do Campeche entristeceu todos os envolvidos na pesca da tainha. A confusão protagonizada no Campeche, que acabou com a apreensão de 720 tainhas pela Polícia Militar Ambiental, trouxe à tona uma prática recorrente, mas pouco falada, que é a pesca irregular.
No caso do Campeche, a apreensão se deu depois de um desentendimento entre as embarcações da parelha de rede do Chico Doca com o pessoal do Nem. Num acordo interno, as duas embarcações fariam revezamento para fazer o cerco, mas a embarcação do Nem só tem autorização para sair de segunda, ou seja, somente depois que a primeira canoa faz o cerco é que poderia ter entrado no mar. No entanto, o acordo interno não era unanimidade entre todos os envolvidos. Os peixes apreendidos foram doados.
Já na noite domingo, segundo pescadores, um bote motorizado cercou em torno de mil peixes na Barra da Lagoa. Na tarde de segunda (16), a Polícia Militar Ambiental apreendeu outra embarcação em Balneário Camboriú sem licença para pesca da tainha. Isso sem contar as inúmeras denúncias que acabam não sendo flagradas devido à velocidade como agem os irregulares.
Diante da situação, os pescadores associados à Appaecsc (Associação dos Pescadores Profissionais Artesanais de Emalhe Costeiro de Santa Catarina) se comprometeram junto aos órgãos de fiscalização de não se lançarem ao mar sem licenças. Quem fizer será expulso da associação. Além disso, a corrente de pescadores está mais atuante nas denúncias aos órgãos de fiscalização. “Tem que denunciar isso, porque não é certo. O próprio pescador quer se habituar ao regime regrado, mas tem uns perversos”, diz Laurentino Benedito Neves.
Passado o desentendimento do fim de semana, a segunda-feira foi de reflexão na praia do Campeche, segundo Saulo Inácio, 50. “Ainda não pegamos nada aqui, a maré está cheia, é bom pra ficar refletindo. Aqui no Campeche, agora, só dará tainha mesmo depois que esse vento virar”, afirma. Enquanto o barco Glória da parelha do Getúlio e Neco não vai ao mar, Saulo atualiza os demais companheiros das notícias que chegam via Whatsapp. "Pessoal do Santa Marta [Farol de Santa Marta] tem matado algumas, mas não muita coisa!", avisa.
(Do https://ndonline.com.br/)
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