Pesca da Tainha na Barra da Lagoa, Florianópolis - Brasil
Foto Bento Viana
O mais provável é que a maior parte dos Brasileiros que vivem no litoral do Sudeste e Sul conheçam ou tenham ouvido falar da tainha (Mugil liza). Isto porque ela é um dos mais emblemáticos e importantes peixes de nossa costa, e a sua pesca não é apenas uma atividade econômica de grande importância, mas também um patrimônio cultural. Não é exagero dizer que, nos meses de inverno, a costa sul e sudeste do Brasil vive a tainha e vive a sua pesca. Mas será que estamos cuidando bem deste valioso recurso que temos em nossa costa? Seguramente não estamos.
Durante a maior parte de sua vida a tainha é encontrada dentro de estuários e lagunas costeiras, área utilizada para crescimento e alimentação. Mas durante os meses de outono e inverno as tainhas se agrupam em densos cardumes e deixam estes ambientes, iniciando uma migração reprodutiva que termina com a desova no mar. É justamente durante esta migração que a pesca da espécie é mais intensa, tanto pela frota industrial quanto por pescadores artesanais.
A pesca artesanal da tainha é a mais tradicional delas, e é tão antiga quanto se tem notícia. Diferentes artes de pesca são utilizadas para a captura deste peixe, incluindo, por exemplo tarrafas, redes de emalhar, redes de caceio e arrastão de praia. Durante a safra, quando há grande demanda por tainha em toda a região Sul e Sudeste, as capturas realizadas por pescadores artesanais abastecem além se suas próprias famílias, os pequenos comércios locais e regionais, tais como peixarias e mercados municipais. A tainha da “safra” é extremamente apreciada nestas regiões, sobretudo pelo teor de gordura elevado e pela presença da ova – uma iguaria muito apreciada na culinária local.
Mas não são apenas pescadores artesanais e tradicionais que esperam pela tainha todos os anos. Estes densos cardumes são também alvo de uma frota industrial de traineiras, que se desenvolveu basicamente focando a exportação da ova para mercados asiáticos. O valor da ova da tainha é elevado, tornando a pesca industrial da espécie extremamente rentável. Na costa sul do Brasil (sobretudo nos municípios de Itajaí e Navegantes) existem empresas que atuam formalmente na cadeia da ova de tainha, gerando centenas de empregos diretos, receitas para municípios e para o país. É, portanto, uma atividade de grande importância econômica, que deve ser levada em consideração.
Mas como equacionar todos estes fatores e garantir que a pesca da tainha (tanto artesanal quanto industrial) não mate a nossa “galinha dos ovos de ouro”? Em primeiro lugar, precisamos saber duas coisas: (1) o quanto podemos remover todos os anos sem comprometer este estoque no futuro e (2) o quanto estamos removendo atualmente. E isto implica basicamente em duas atividades que deveriam ser executadas de forma rotineira: avaliação de estoques e monitoramento dos desembarques.
A resposta para o primeiro ponto já se tem. Recentemente, a Oceana em parceria com a UNIVALI e a FURG, desenvolveu a primeira avaliação de estoque para a espécie. Esta avaliação apontou que o estoque está sobrepescado. Ou seja, temos menos peixes no mar do que deveríamos ter, e com isso temos uma produtividade que está abaixo do seu potencial máximo. A recomendação cientifica atual é que as capturas entre 2017 e 2019 não excedam 4.300 toneladas. Isto permitiria que o estoque se recuperasse, aumentando a sua biomassa total e, consequentemente, as capturas futuras.
A resposta para o segundo ponto também se tem. Em 2015 a safra da tainha em Santa Catarina foi monitorada por um projeto da Oceana em parceria com a UNIVALI. Também foram realizados monitoramentos em São Paulo, pelo Instituto de Pesca, e no Rio grande do Sul, pela FURG. Este ano toda a safra da tainha em SC, PR, SP e RJ será monitorada, por um projeto da Petrobrás em parceria com instituições de cada estado. Em suma, os elementos para o ordenamento da pesca já estão disponíveis. Resta apenas implementá-los.
Mas qual a situação atual e quais os riscos que estamos correndo? Atualmente a gestão da tainha segue baseada no estabelecimento de períodos de defeso, definição de áreas de exclusão e um controle do tamanho da frota industrial. Ainda que estas ferramentas de gestão sejam válidas, elas não garantem que manteremos os níveis de captura dentro dos limites de sustentabilidade. Se as condições oceanográficas e meteorológicas forem adequadas para a desova e migração, poucas embarcações podem capturar mais tainhas do que o limite recomendado. Este fenômeno é denominado “super-safra” e foi observado em 2007. Nesse ano foram reportadas capturas de mais de 13 mil toneladas, mas existem indícios que apontam para números reais ainda maiores, da ordem de 22 mil toneladas. Um fenômeno similar também foi observado em 2016. As super-safras precisam ser evitadas, pois elas provocam a sobrepesca e reduzem o tamanho do estoque. É a fartura de ontem gerando a escassez de hoje.
A melhor forma de evitar esta falsa ilusão de fartura excessiva em um determinado ano é o estabelecimento de um limite de captura anual. Uma quantidade máxima que não deve, em hipótese alguma, ser ultrapassada. Na maior parte dos países onde a gestão pesqueira é eficiente este tipo de medida é adotada, mas não no Brasil. Antes a desculpa era a falta de informações implementar esta medida. Mas hoje vemos que isto não é mais verdade. Temos em mãos todos os elementos para garantir o ordenamento eficiente e a sustentabilidade desta importante pescaria. Porque não adotamos? Até quando vamos aceitar o risco de matar nossa “galinha dos ovos de ouro”? Será que um futuro sem a pesca da tainha é o que nos aguarda? Esperamos que não.
( Do http://brasil.oceana.org/)
#LimitesDeCapturaAnual.
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