*Por Diego Pacheco e Tiago Alves
Especial para o Tainhanarede
Lisboa, 10° graus. O frio não nos impedia de apreciar todas as novidades de uma capital charmosa, antiga e vigorosa. A velha capital portuguesa nos interessava não só pela milenar história cristã ocidental, mas, sobretudo, por sua cultura tão próxima, porém, exótica aos nossos olhos de antigos colonizados de uma pequena Ilha do Sul do Brasil.
Nossa Ilha é mundialmente conhecida por seu vasto e rico litoral, fonte de uma abundante vida marinha que enriquece os pratos dos chamados “manezinhos” com peixes, moluscos e crustáceos. Em território desconhecido uma das primeiras preocupações dos viajantes, ávidos em desbravarem os hábitos e costumes, é conhecer as opções alimentares da terra investigada. Com isso, uma pergunta mediata ao primeiro lisboeta encontrado não poderia ter sido outra: “e os peixes, como são?”
O atencioso nativo, como se já estivesse preparado para uma pergunta óbvia, respondeu de “bate pronto”: “são os melhores!” A explicação veio assim: “nossos mares, frios e pedregosos, provocam e dificultam a circulação dos peixes, deixando os seres que lá vivem robustos e fortes. Dessa forma, nossos peixes tem uma carne mais firme, menos oleosa, muito mais saborosa”.
A explicação para o gosto diferenciado dos peixes convence os ouvidos pouco especializados, além de despertar profundo interesse nos investigadores sobre a vida do povo lusitano. Assim, preferimos não entrar na polêmica. Não falamos das tainhas, corvinas, cocorocas, anchovas e linguados do nosso Atlântico Sul, achamos melhor entender o que o gajo nos disse, experimentando os peixes de cá, oras. Partimos para a observação e exploração das peixarias dos mercados e dos pratos de Lisboa.
De fato, ao experimentarmos alguns dos peixes daqui, comprovamos que são mais rígidos e que o saber é diferente, mas nada que comprometa a qualidade dos peixes do Atlântico Sul, ambos resguardam suas especificidades e sabores. Não conseguimos coloca-los numa disputa competitiva nem afirmarmos que os peixes do Sul são melhores que os do Norte e vice-versa.
Outro ponto que nos gerou curiosidade foi o fato de que a vida marinha em Lisboa hegemoniza os ambientes, disputando o paladar de turistas e lisboetas. Não por acaso, Portugal possuí a maior região marítima da União Europeia e uma das maiores do mundo, o elemento marítimo pesa sobre a história e sobre a geografia portuguesa. O mar sustentou sua autonomia política, definiu boa parte da identidade coletiva de seu povo e projetou a nação lusa para longínquas regiões do planeta.
Influenciados por essa vida íntima e conectada com o mar, ainda que alguns afirmem que Portugal virou as costas para seu vizinho salgado ou que não aproveita todas as suas capacidades, é indiscutível a visibilidade que frutos do mar e peixes possuem em toda a cidade. Nos mercados sempre há um espaço privilegiado para as peixarias, na maioria das vezes maiores que os açougues e padarias, elas acumulam as pessoas curiosas pelos preços, pelas novidades causando nesses sítios a maior densidade demográfica dentro dos mercados lusitanos. Nas peixarias, o freguês escolhe como quer o peixe: limpo, escalado, em postas, sem escamas, para assar, fritar, cozinhar, seja fresco ou congelado. Nas gôndolas, diversas marcas de enlatados oferecem atum, carapau, sardinha e patês de frutos do mar, a diversidade é grande.
Caminhando pelas ruas de Lisboa, seja num restaurante, pastelaria, bar, lanchonete, os pescados estão depositados em vitrines convidativas para quem passa na frente desses estabelecimentos. No destaque estão as lagostas sempre nadando silenciosamente nos aquários, mal imaginam que estão no topo da moda pesqueira e dominam os paladares humanos.
Em Lisboa a grande estrela dos pratos ainda é, sem dúvida, o bacalhau. Os preços, muito mais em conta que no país irmão do sul, ajudam esse destaque culinário a ganhar diversas formas e apresentações: Bacalhau com Nata, Bacalhau à Brás, Bacalhau à Gomes de Sá, versões caseiras ensopadas e diversas outras modalidades que invadem os restaurantes e as casas portuguesas.
Essa vastidão de opções pesqueiras chega a Lisboa pela pesca industrial/artesanal e pela produção da aquicultura, essa a principal fornecedora dos pescados da cidade. Há robalos, pescadas, douradas, pargos, camarões, espadas, corvinas, espadas, carapaus, sardinhas, sapateiras, amêijoas, salmões, mexilhões, berbigões, ostras, lulas e uma infinidade de espécies. Independente da origem desses alimentos, o fato é que eles ainda representam uma fatia importante da alimentação do lisboeta e circula de forma majestosa sua culinária.
De todas essas impressões, nos ressalta o caso de pensar o mar como uma perspectiva de futuro, vê-lo como um ator importante na preservação do planeta, um espaço valoroso de cultura, turismo, esporte, lazer, produção de alimento e um elemento ambiental que conecta toda a humanidade.
Por fim, não há dúvida: as águas são a grande atração lisboeta. O mar que banha a península e o rio que trás vida a Lisboa dão o tom da alimentação e do humor português. Não por acaso, a vida noturna da cidade também olha para as águas, ou dela faz sua moldura. As docas, o Bairro Alto, o Chiado, a Bica, todos sítios têm a moldura do Tejo. Se a água é vida, em Portugal é mais do que isso, ela representa a construção da nação e a formação de um universo lusófono. É preciso cuidar das nossas águas.
*Tiago João José Alves é historiador, músico e agitador cultural. É baixista da banda catarinense Esporão de Bagre e acordeonista do Boi de Mamão do Ribeirão da Ilha. É doutorando em história pela UFSC e integra o Laboratório Sociedade, Política e Cultura no Mundo Contemporâneo e o Laboratório de Estudos de História da África.
*Diego Pacheco é mestre em história cultural pela UFSC. Doutorando pelo Programa de Pós Graduação em História e membro do Laboratório Sociedade, Política e Cultura no Mundo Contemporâneo da Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente é investigador visitante no Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa.
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