domingo, 20 de novembro de 2016

O LATÃO JÁ TÁ SAINDO...

Vamos nessa galera, que o latão já tá saindo... Bom final de semana a todos!

Assim baldeia a comunidade...

“Corre! Se perder esse, só depois das dez!”. Todo dia era isso. Uma grande parcela da população do sul da Ilha se deslocava pra cidade de ônibus. A maioria de estudantes, funcionários públicos e comerciários. Misturados a crianças de colo, rendeiras, lavradores, lavadeiras, muambeiros, diaristas, gaiteiros, galistas, passarinheiros, farristas, boleiros, bicheiros, bichinhas e “vasilhas” em geral. Uma fauna riquíssima. Partilhando o mesmo espaço e tempo (ou, invariavelmente, a falta deles!). Dividindo também humores, odores, amores e contos dos Açores. O coletivo era templo da oralidade, fábrica de fábulas, fonte fecunda da manezice. Um prato bem cheio pra qualquer estudioso do comportamento humano. Todavia, humildemente suspeito que – entre tantas baldeações e pokemons – essa singularidade vem desaparecendo, assim como as personagens que transformavam uma viagem até o Centro em verdadeira aventura antropológica.

Desconheço os detalhes sobre o surgimento das empresas que prestavam serviços de viação local. Porém, lembro pormenores das relíquias sobre rodas da Ribeironense, Limoense e Trindadense (quanta criatividade!) que eram reconhecidas pelas cores. Os motoristas, pelo nome ou apelido: “Ô Lê! Vais com o Altair?”. “Não. Vou pegar o Caieira com o Bili-Bili...”. Numa época em que ninguém – ninguém – possuía um celular e os passageiros interagiam livremente. Não havia twitter, skype, whatsup e era ali, dentro daquele mundo (sur)real que tudo acontecia. Construíam-se amizades ou afloravam desavenças. Rolavam paqueras e fofoca. Marcavam-se baladas, peladas e pescarias. A turma da “cozinha” aprontava sem parar o trajeto inteiro. O condutor fazia uma curva fechada e laranjas fugiam da bolsa da senhora distraída rolando corredor afora. Festa! Se pulasse uma lombada a rapaziada advertia de imediato: “Carga viva!”. Mais bagunça. A menina educada oferecia: “O senhor quer que eu carregue a sacola?” E ouvia: “Obrigado quirida. Mas quem tá cansado é eu, não a sacola!”. A cacalhada chorava de rir. O cobrador ia à loucura e pedia impaciente: “Um passinho à frente, fazendo favor...”. Inesquecível. Inclusive, aposto contigo, viajante leitor, que deves conhecer uma boa estória sobre a matéria. Em Floripa, o assunto é folclórico.

Agora, temos terminais espalhados, nos deixando esperando empalhados. E elevados, viadutos, túneis, avenidas expressas. Papa-fila e amarelinho. Novas obras e moderna frota que deveriam agilizar o transporte da massa. Ao contrário, perco os mesmos 60 minutos que, há 30 anos, gastava num percurso que era mais longo. Parece ilógico, mas é fato. Percebo, contudo, que não foram apenas as vias e veículos que mudaram. Hoje, cada cidadão dirige seu próprio carro e o caos instalou-se em nosso trânsito. Estilo Adis Abeba. Uns passando por cima dos outros, desrespeitando as leis e o bom senso. Por que, então, alternativas inteligentes e economicamente viáveis, desprovidas de interesses pessoais escusos ou do lobby obscuro de cartéis (como se observa atualmente) não são discutidas e implantadas? Aquele que souber as respostas faça a gentileza de esclarecer ao povão. Enquanto isso, tento decidir se invisto num Chevette velho e engrosso as filas ou me alio à geração de zumbis tecnológicos e compro um andróide pra caçar bonequinhos no “busão”. Pois não quero perder o trem da história...

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