NOCA: a Estação, o Campo de Aviação e o Morro do Lampião
Na década de vinte o Campeche foi escolhido como local de aterrissagem dos aviões da Compagnie Génerale Aeropostale, Companhia de Aviação Francesa, sob o comando do jovem piloto Antoine de Saint Exupery , conhecido pelos pescadores do Campeche por Zé Perri, autor da célebre obra O Pequeno Príncipe.
A origem dos voos é a cidade de Paris (França), e o destino final a cidade de Buenos Aires Argentina e as vezes Santiago do Chile com a finalidade de entregar as correspondências para os países da América do Sul. O Campeche aparecia como uma parada obrigatória de descanso, abastecimento, manutenção e reparo da aeronave, seguindo viagem posteriormente. A passagem por aqui se dava na ida e na volta após cruzar o Atlântico. Temos relatos de aterrissagem no Campeche de diversos pilotos franceses até o ano de 1940 quando as aeronaves passaram a aterrissar no centro de aviação naval, no bairro Carianos atual aeroporto Hercílio Luz.
As terras onde hoje se denomina Campo da Aviação eram propriedades dos nativos (Rafael Inácio, Pedro Mateus de Andrade, Mané Faustino, João Francisco Bregue, entre outros) e foram arrendadas ou vendidas à Air France (companhia da Aviação Francesa). Até hoje, entre os herdeiros, persiste a dúvida sobre o tipo de transação imobiliária. O fato é que ao fim das atividades da Air France na cidade, na época da Segunda Guerra mundial, 1940-1945, as terras passaram para domínio da União.
Conta a história que Exupery se tornou muito próximo dos moradores e para entender e aprofundar sobre a relação do Zé Perri com os pescadores locais, indico como leitura o livro Deca e Zé Perri , de autoria de Getúlio Manoel Inácio.
Mas onde entra o Noca nesta história?
A chegada da aeronave era precedida por aviso vindo por mensagem telegráfica e transmitida via radio. Os voos geralmente eram noturnos e aí entra em cena o acendedor do lampião, Zeferino João Bregue (Noca), filho de João Francisco Bregue.
Noca era agricultor, casado com Maria José da Silva Bregue e residia a beira da Estrada Geral (Avenida Campeche) onde possuía um engenho de açúcar e de farinha de mandioca, que foi demolido no início deste século dando lugar a um empreendimento residencial, o Riozinho Style. Em sua propriedade passava um rio que foi denominado pela comunidade de Rio do Noca, coletor das águas do morro, das baixadas e brejos da planície norte do Campeche, desaguando na praia onde hoje localiza-se o Point do Riozinho.
Como narrado anteriormente, Noca era responsável pela tarefa de acender o lampião e colocá-lo no ponto mais alto do morro, na Pedra do Urubu para sinalizar e orientar os pilotos Zé Perri, Jacquinot e outros franceses na aterrissagem de suas aeronaves. Subia o morro ao entardecer e no dia seguinte bem cedo retornava para apagar o lampião repetindo esta ação pelo tempo que fosse necessário.
Daí a denominação Morro do Lampião, que era anteriormente denominado de morro do caboclo, segundo a narrativa no livro Deca e Ze Perri de Getúlio Manoel Inácio. Esse morro possui uma trilha que se tornou um ponto turístico com acesso a pedra do urubu de onde se pode usufruir de uma paisagem exuberante. Desse ponto do Morro do Lampião do Campeche se avista, entre outros, toda planície e costa sul/leste da Ilha, toda região do aeroporto e estádio do Avai, os bairros da costeira e saco dos limões, parte da região central da cidade e do continente, e a ponte Hercílio Luz.
Voltamos ao Noca. A função do Noca de acendedor do lampião foi muito breve. Este treinou o jovem Lino Machado, pai da Dona Nicota, pescador, agricultor, comerciante e Cirilo , agricultor, para sucedê-lo na função. Noca passou a dedicar-se ao seu trabalho na Estação Telefônica de cabo submarino, desenvolvendo simultaneamente a agricultura familiar. Em 1873 D. Pedro II, Imperador do Brasil, assina um contrato de concessão com a Empresa inglesa (Companhia Inglesa South American Cables Ltd) instalando um cabo telefônico submarino atravessando o Atlântico Ligando Londres ao Rio de janeiro, Capital do Império. No ano de 1893, agora sob o Regime de República o cabo submarino é estendido do Rio de Janeiro até a cidade de Belém do Pará ao norte e ao sul até a cidade de Desterro, atual Florianópolis, também sob concessão de uma empresa inglesa a Western Telegraf Company. O cabo submerge (afunda)no litoral do Rio de Janeiro em direção ao sul passando por Santos e emergindo na praia do Campeche em frente a Ilha de mesmo nome, onde se ergueu uma construção de recepção da mensagem, denominada de Estação. Também é construída uma caixa subterrânea nos fundos do atual bar do Zeca na entrada da Praia, fazendo-se uma bifurcação onde um cabo retorna ao mar até a cidade do Rio Grande no Rio Grande do Sul. Posteriormente o cabo foi enterrado da Estação do Campeche até o centro da cidade mais precisamente até cabeceira da Ponte do Vinagre sobre o rio denominado hoje de canal da avenida Hercílio Luz, estendendo-se ainda até a sede da Estação Central na rua João Pinto, prédio este ainda existente, em frente a Secretaria da Educação e posteriormente na Praça XV de novembro. Desterro (Florianópolis) passa a ser a primeira cidade do Sul do Brasil a se conectar com o mundo por via telefônica.
Era na Estação de Recepção do Campeche que o Noca trabalhava. Devido a construção desta Estação, localizada na esquina das ruas Corticeiras e Pequeno Príncipe, em terras de João Francisco Bregue, pai do Noca, o pico da praia em frente a Ilha do Campeche passou a ser conhecida como Praia da Estação e mais ao sul Praia do Pontal.
Seo Miguel Braz, genro do Noca e patrão de Canoa relata que na mocidade viu muitas vezes a chegada do navio da companhia que atracava na proximidade da Ilha do Campeche, por semanas, onde eram feitos os reparos e manutenção da linha do cabo submarino, como os nativos denominavam.
Com a instalação de satélites e a criação da Embratel (Empresa Brasileira de Telecomunicações), o contrato foi rompido, mesmo antes do fim do termo de concessão estabelecido por cem anos. Em 1973 o sistema telefônico submarino foi desativado e a Empresa de Telefonia inglesa teve seus bens vendidos, doados e muitos incorporados a Embratel . Seo Miguel ainda relata que os nativos sempre comentavam que ficaram muitos rolos de cabos enterrados na Ilha do Campeche. No início da década de 1980 os cabos foram arrancados e substituídos por fibras óticas dando início aos modernos meios de comunicação.
A Companhia inglesa havia instalado em 1911 na entrada da rua da Estação Central um relógio de origem inglesa de pontualidade britânica, onde os moradores passavam para acertar o horário dos seus relógios. Em 1975 ele foi removido e instalado no vão central do mercado público onde continua a marcar a hora e a vida desta cidade.
Noca exercia uma forte liderança na comunidade do Campeche e por duas ocasiões, em 1954 e 1959, desempenhou a função de Imperador da Festa do Divino
Noca nasceu em 1901 e já viúvo, casado agora com Guilhermina, faleceu vitimado pelo diabetes no mês de seu aniversario, em 19 de agosto de 1971 aos setenta anos de idade, deixando seu único irmão; Eliazário João Bregue e seus cinco filhos; Nair Braz (Tita do Miguel), Francisca Santos, Eva Bregue Daniel, Maria da Rocha (Maria do Cândido) e Reduzino Zeferino Bregue, esse um exímio patrão de canoa.
Texto: Hugo Adriano Daniel – Professor/Historiador
Profhugoadriano@gmail.com
via TV Vento Sul
Fotos: Arquivo pessoal de Maria da Rocha e de Nida do Miguel
Nas fotos: Noca, esposa Bicota e os netos (da esquerda para a direita) Nida do Miguel, Eva e Vani do Gino e Irio do Miguel | Engenho do Noca | Crianças da Festa do Divino de 1959 – Eva do Gino e Piano
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