segunda-feira, 25 de julho de 2016

NAQUELE TEMPO...


O COTIDIANO DOS ANTIGOS MORADORES
DA FREGUESIA DE CANASVIEIRAS


Entre 1748 e 1756 com a chegada de 6.000 colonizadores açorianos, começou a ocupação e o desenvolvimento das freguesias e arraiais do interior da velha Desterro. Ao norte as Freguesias de Canasvieiras, Santo Antônio de Lisboa e São João do Rio Vermelho.

Naquela época a economia era voltada a subsistência de seus habitante e a pesca artesanal e a agricultura eram expressivas. Houve períodos de abundância comercial, em função das atividades portuárias, alfandegárias e do comércio de cabotagem, oriundo das safras da pesca e das colheitas das roças da região continental e das freguesias do interior da Ilha.

Na freguesia de Canasvieiras e arraiais circunvizinhos, nativos pescavam e labutavam nas roças e pastagens. Os pescadores após proveitoso dia na lida com o mar voltavam para suas casas com olhares de satisfeitos, trazendo nas mãos cambulhões de peixes frescos e pensando na arrumação da criação e do gado ao abrigo da noite. Cavalos arreados eram utilizados pelos homens para percorrer longos caminhos pelos arraiais. Usavam carroças, carros de bois e charretes que serviam para o transporte diário do peixe e produtos hortifrutigranjeiros até o mercado público.

Essa gente vivia num ambiente bucólico entre morros, campos, caminhos, vielas, picadas, trilhas íngremes, plantações de cafezais, bananeiras e lindos laranjais. Muitos morava em vistosos casarios luso-brasileiros, casas térreas de alvenaria com seus telhados coloniais de cores vivas. Armazéns de secos e molhados, vendas, engenhos, casebres de pau a pique feitos pelas mãos dos pobres nativos. Casas rurais com janelas e portas, cujos donos eram proprietários de plantações de café, mandioca, cana-de-açucar e milho. A hospitalidade, a simpatia, a sinceridade, o sotaque e o linguajar rápido era uma marca do povo ilhéu do interior da Ilha de Santa Catarina.

Contavam-se estórias e lendas de lobisomens, bruxas e aparições de fantasmas, que surgiam no clarão da lua cheia. Falava-se que nos caminhos sombrios e escuros, quem tinha medo não se arriscava a passar por lá, pois o assoviar do vento e farfalhar das folhas nas bananeiras, nos espinheiros, milharais e cafezais formavam sombras assustando os medrosos. Afirmavam que apareciam assombrações na antiga Estrada Real, conhecido pelo nome morro do Maurício, atual Leonel Pereira que liga Cachoeira do Bom Jesus a Ingleses.

Na religiosidade, pregava-se o culto ao Divino Espírito Santo e ao Senhor dos Passos. A procissão de Corpus Christi era celebrada com missa e procissão. O átrio das igrejas e as estradas eram ornamentados com tapetes de flores à adoração ao Santíssimo Sacramento. Nas comunidades pesqueiras em fevereiro era realizada a Festa de Nossa Senhora dos Navegantes, protetora dos Pescadores.

Na herança cultural os Ternos de Reis, as benzeduras, as receitas homeopáticas, supertições e a mitologia ilhoa de Franklin Cascaes. Na literatura o Pão-por-Deus, provérbios e expressões típicas, o artesanato, a culinária, musicalidade, a produção artesanal da cachaça e cestarias em bambu e cipó. As tradicionais manifestações artísticas, culturais de danças e folguedos populares, como o boi-de-mamão, pau-de-fita, a ratoeira e o camcubi, envolviam os arraiais das Freguesias desde São João do Rio Vermelho, Lagoinha até a Ponta Grossa. Outro folguedo tradicional e polêmico do ilhéu é a farra-do-boi, que acontece na semana que antecede a Páscoa. A dita brincadeira consiste em soltar o boi xucro em campo aberto ou em mangueirões e os farristas passam a excitá-lo ao enfrentamento. Atualmente está proibido por lei em Santa Catarina.

Em outubro de 1845 quando da visita que Dom Pedro II a freguesia de Santo Antônio de Lisboa para conhecer a Igreja Nossa Senhora das Necessidades construída entre 1750 e 1756, conta-se que estava programada a visita do Rei a Freguesia de Canasvieiras. A população local dos arraiais circunvizinhos aguardava com expectativa a nobre visita, mas devido uma tempestade acabou não acontecendo. A visita era para conhecer o povoado e a Igreja de São Francisco de Paula, padroeiro desta comunidade. Para a passagem do Rei foi feita uma picada entre a praia e igreja, a qual originou o nome Caminho do Rei, atual José Bahia Bittencourt. Há anos um projeto de lei municipal mudou o nome desta rua, ignorando sobremaneira aspectos históricos e relevantes a memória de Canasvieiras.

Quando falecia um ente querido, tinha-se o costume de realizar o velório na sala de visita por longas horas, para que desse tempo dos amigos e familiares distantes chegarem para o último adeus. O caixão mortuário era feito por marceneiro amigo da família. O féretro seguia caminho para ser sepultado no cemitério da Igreja de São Francisco de Paula, na lentidão do rodado e do chiado sobre o estrado do carro de boi, enfeitado pelas mulheres com fazenda preta e com finas estacas de bambus arcados. Neste cemitério estão sepultados os entes queridos de famílias tradicionais destas freguesias.

Exímios carpinteiros com habilidade e destreza faziam engenhocas, peças de engenhos, baleeiras e canoas esculpidas no tronco de garapuvu. A pesca da tainha era uma festa, todos corriam a praia para ver os lanços de rede. Sentados nos cômoros de areia ou nas dunas, reuniam-se compadres e comadres das circunvizinhanças.

Rapazes e raparigas dos arraiais enamoravam-se nas praças, nas festas de igreja, nos engenhos de farinha, nos bailes de domingueiras. Neste ambiente festivo começava o namoro, e alguns pais não permitiam o namoro dos jovens entre parentes próximos, mas muitos deles, reconhecia o pretendente quando este era de boa família, honesto, ladino e trabalhador. Diante da discórdia do pai, a filha recorria à ajuda da mãe, que com insistência conseguia o consentimento dele. Sem o consentimento dos pais, os enamorados fugiam de casa durante a noite em horário e local combinado pelos enamorados. A fuga era associada às proibições dos cônjuges que tivessem alguma proximidade parental, pois ambos eram primos de primeiro ou segundo grau. As mulheres eram levadas a morar com a família do marido e assim uniam-se. Passado algum tempo realizavam o casamento perante um juiz de paz ou no religioso. Após este acontecimento, o casal retornava para sua comunidade onde eram reconhecidos por todos como casados.

Geralmente na partilha dos bens as mulheres não recebiam a herança de sua família, mas ganhava a herança do marido e os filhos desta união não levavam o sobrenome materno. Se a mulher “morresse de família”, isto é, durante o parto e viesse a ter filho, este não ficava com o marido ou com a família dele. Muitos casamentos e batizados eram realizados nas Igrejas das Freguesias e para a festa de casamento eram convidados parentes próximos do lugar, amigos da roça e da pesca do noivo e da noiva, compadres e comadres. Enquanto na igreja era realizada a cerimônia matrimonial, familiares dos noivos ficavam em casa preparando o banquete.

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