sábado, 18 de junho de 2016

ENREDADOS - CORRUPÇÃO, CRIME AMBIENTAL E DESTRUIÇÃO

Foto: Diorgenes Pandini / Agencia RBS

Pesca da tainha sofre revés em SC com bloqueio de licenças

Apenas três embarcações catarinenses receberam licença para captura industrial de tainhas neste ano e prejuízo do setor em Santa Catarina é calculado em R$ 60 milhões


Pela primeira vez nos últimos 70 anos, não há barcos industriais catarinenses em busca dos cardumes de tainha. Até ontem, as três únicas traineiras – embarcações usadas para capturar o pescado – que receberam autorização para pescar no Estado ainda aguardavam a emissão das licenças de Brasília. Dezesseis dias após o início da safra, os barcos continuam parados e pelo menos 50 pescadores receberam o aviso prévio. Abrigo da maior frota de cerco do país, Santa Catarina tem visto os cardumes passarem ao largo.

O impasse é resultado de uma série de fatores que passa pela desorganização do governo federal, inclui as preocupações ambientais relacionadas à captura dos cardumes e chega à crise moral vivida pelo setor pesqueiro catarinense desde que a Polícia Federal deflagrou no ano passado a Operação Enredados. A ação resultou em 90 indiciamentos por emissão ilegal de licenças de pesca em SC e no Rio Grande do Sul. Estima-se que o dano ambiental tenha alcançado R$ 5 bilhões. Em 2015, foram 50 licenças emitidas e, em 2014, 60.

O termômetro da crise de credibilidade está na atuação discreta do Sindicato dos Armadores e da Indústria da Pesca de Itajaí e Região (Sindipi) em relação à tainha. A mais forte entidade empresarial de pesca no país recuou após ter vindo à tona a informação de que o governo negou as licenças aos barcos catarinenses porque houve registro de capturas em área ilegal durante a safra de 2015.

O ex-presidente do Sindipi Giovani Monteiro chegou a ser preso no ano passado e está entre os indiciados da operação da PF. Lutando para recuperar o protagonismo da entidade, o atual presidente, Jorge Neves, resolveu não mover uma ação coletiva e orientou os armadores que recorressem individualmente, embora continue tratando do caso com o Conselho Nacional de Pesca (Conepe). Descontentes, alguns empresários resolveram deixar o sindicato nos últimos dias.

A pesca da tainha é considerada a salvação para os armadores especializados em cerco durante o defeso da sardinha, que é capturada com o mesmo tipo de embarcação. A interdição do pescado começou na terça-feira, depois de um final de safra tímida e nas pesqueiras de Itajaí as tripulações descarregavam ontem os últimos peixes. A estimativa é que, se a situação da tainha não for resolvida, 800 pescadores ficarão sem ocupação.

Frente Parlamentar busca alternativas

Os armadores falam em prejuízo de R$ 60 milhões, contando os investimentos que fizeram nos barcos que não puderam ainda operar — no ano passado, a safra industrial faturou R$ 32 milhões em SC. Além da perda direta, a inoperância da pesca industrial impacta na exportação das ovas, que são o produto mais valorizado da tainha. Sem estoque excedente, a empresa Bottarga Gold, em Itajaí, que produz o “caviar brasileiro”, precisou abrir mão dos planos de turbinar a exportação para Europa e Ásia.

A Frente Parlamentar Catarinense, liderada pelo senador Dalírio Beber (PSDB), tem feito a ponte entre os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente (MMA) para a liberação de licenças. Esta semana, colocaram frente a frente armadores, pescadores e técnicos da pasta. Os empresários saíram esperançosos da reunião, com a promessa de que os critérios serão avaliados o mais rápido possível.

— Há pontos de vista diferentes, interpretação equivocada. Um termo de ajuste de conduta (TAC) poderia permitir que a operação acontecesse. Há muitos trabalhadores em risco de perder emprego — diz Beber.

Ontem à tarde, Samir Pinheiro, indicado para assumir a Secretaria da Pesca no Ministério da Agricultura, recebeu representantes do Conepe e se comprometeu a reavaliar os pedidos de licenças para a pesca da tainha ainda hoje.

Pesquisadora defende que manejo é vulnerável

A pesca industrial é o principal alvo de uma série de medidas mitigatórias determinadas pelo Ministério Público Federal, na última década, para proteger os estoques de tainha. A regulamentação fez o número de barcos empenhados nas capturas diminuir de 120 para 40, e as reduções seguem ano a ano. Também foi delimitada a área de captura para além de cinco milhas da costa no Estado e, desde o ano passado, a pesca industrial começa um mês após o início da captura artesanal.

O foco exclusivo sobre a pesca industrial incomoda os armadores. Para eles, o esforço da pesca artesanal é quase tão intenso quanto o dos profissionais, mas a prática continua sem regulamentação e controle.

A tainha precisa de atenção ambiental diferenciada de outras espécies porque é capturada em período reprodutivo, algo que não se admite na maior parte das pescarias. Ocorre que é durante a reprodução que as tainhas migram da Lagoa dos Patos (RS) para águas mais quentes. E é nesse período que os cardumes estão à disposição dos pescadores.

— É uma espécie importante, abundante e vulnerável – diz a pesquisadora Monica Brick Peres, diretora nacional da ONG Oceana, que atua em todo o mundo na proteção da fauna marinha, e uma das responsáveis pelos levantamentos de estoque do peixe na Lagoa dos Patos.

As tainhas chegam tarde à idade adulta, só pelos cinco anos de idade, e é nessa fase que são capturadas. Como migram juntas, em cardume, os bons números de safra não podem ser usados como parâmetro para determinar o estoque. Pelo contrário: os pesquisadores afirmam que a quantidade de tainhas diminui ano a ano. Os cardumes são densos e a captura se mantém nivelada embora a espécie esteja declinando. Para Monica, o esforço de pesca no Sul e Sudeste — e isso inclui a captura artesanal — é maior do que a população de tainhas pode repor:

— Quando se pesca muito num ano, o resultado só aparece cinco, seis anos depois com falta de reposição e estoque — afirma.

A adoção do sistema de cotas é apontada pela pesquisadora como a melhor solução para gerir a tainha. Mas ela reconhece que controlar uma captura que ocorre em diversas praias simultaneamente é um desafio. A ONG defende o manejo biológico como forma de proteger a espécie e a rentabilidade do negócio. Uma das sugestões é evitar a baixa de preços durante a safra.

— O importante é que os pescadores ganhem mais, não que pesquem mais. Não precisamos esperar a tainha colapsar, queremos que continue gerando emprego, renda, alimentando para as pessoas — defende.

Foto: Marcos Porto / Agencia RBS

Indeferimento das licenças de tainha afeta exportação de ovas

Empresas estão segurando as negociações enquanto aguardam liberação dos barcos

As duas embarcações da pesqueira Pioneira da Costa, de Porto Belo, que entraram na lista de barcos autorizados pelo governo federal para a captura industrial de tainha, na terça-feira, não conseguiram ainda formalizar a licença para pescar.
O Ministério da Agricultura informou, extraoficialmente, que as autorizações só serão emitidas depois que os recursos judiciais apresentados pelos donos dos barcos que foram indeferidos, na primeira lista, forem julgados.

A decisão contraria uma portaria emitida pelo próprio governo federal, que afirmava que os barcos listados esta semana poderiam pescar até o julgamento dos recursos.

A Pioneira da Costa já aguardava o resultado de mandado de segurança impetrado em razão do indeferimento de outras duas de suas embarcações, que haviam sido cadastradas na primeira lista _ e recusadas.

O resultado é que, ontem, nenhum dos barcos saiu para pescar. A empresa, que no ano passado entrou em processo de recuperação judicial, exporta ovas de tainha para todo o mundo. E contava com as negociações com o exterior, em dólar, para estabilizar as contas pelos próximos meses.

Por enquanto a Pioneira tem contado com tainhas capturadas pela pesca artesanal _ mas o volume é pequeno. Na semana passada, um importador chinês que veio a Porto Belo para encomendar ovas foi embora sem fechar negócio por falta de produto.

A empresa pretende entrar com novas ações na Justiça para obter autorização para a pesca.

Sem caviar

O impasse das licenças da pesca industrial também impactou a Bottarga Gold, empresa de Itajaí que produz ovas desidratadas _ o ¿caviar brasileiro¿. A indústria havia planejado turbinar a exportação para Europa e Ásia, mas teve que colocar o pé no freio por falta de tainhas no mercado.


(Do O SOL DIÁRIO - O SOL DIÁRIO)

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