Memória de Canasvieiras
"JOAQUIM DA ILHOTA"
Localizada na baía de Canasvieiras, Norte da Ilha de Santa Catarina, a Ilha do Francês, do Argentino ou Ilhota, como é popularmente conhecida pelos pescadores e nativos da região, é um ícone de beleza natural impar. Sua vegetação é formada principalmente pela mata atlântica, costões e de difícil acesso, de exuberante flora e fauna e duas pequenas praias.
Há uma nota publicada em revista local de 1949, pelo jornalista da época Celso Perrone que cita: “dizem que seu nome, como é fácil de deduzir, proveio do fato de ter sido habitada há cerca de um século por um veterano da Grand Armée de Napoleão Bonaparte e que emigrara após a derrota de Waterloo”. Já meu saudoso bisavô "Joaquim da Ilhota", contava que naquela época, tripulantes de uma nau francesa morreram a bordo, em decorrência de uma epidemia, e que os corpos foram enterrados lá, que deu origem a denominação de Ilha do Francês.
Existem ainda registros de que esta ilha foi adquirida em 1824 por Manoel Vieira, através de escritura de compra e venda. Mais tarde se tornou propriedade de João José Monteiro e José Frederico Kreff e ao longo dos anos, foi ocupada com sucessivas trocas de proprietários. No livro Mares e Campos - Contos “Na Ilhota” de Virgílio Várzea – 1891, há uma linda descrição onde aparece o nome do antigo proprietário João José Monteiro: “Nessa Noite de S. João, em Canasvieiras, tudo gelava. Mas, desde o escurecer que o estreito e arenoso caminho da praia, nos outros dias, silencioso e deserto, cobrira-se de gente, enchera-se de animação e ruído. Eram famílias da freguesia e circunvizinhanças que se encaminhavam para o mar, até à Ilhota, onde havia os festejos de todos os anos, em casa de João Monteiro. A festa lá, nessa noite, ia ser boa, porque coincidia com as festas da chegada do Manuel Lemos, o capitão do Estrela, o noivo da Mariazinha, que vinha da costa da África, por onde errara longos meses, sem se saber dele, na última viagem: e a sua volta, depois de tanto tempo, derramava uma grande alegria no seio da boa gente do Monteiro e por todo o sítio, onde era muito estimado”... “O Estrela estava fundeado no estreito canal de águas muito seguras que existe entre a Ilhota e a Ponta das Pedras; e ao cerrar-se a noite, na densa escuridão que se alastrava em torno e afogava a paisagem em redor, só o seu farol luzia, como um olho de sangue que espreitasse sinistramente o canal, riscando as ondas com um trêmulo fio de nácar”.
Em 1893 a ilha passou às mãos de João Ignácio Schroeder, segundo consta em escritura pública no Patrimônio da União. Naquela época a Ilha vivia em êxtase, florida com orquídeas e plantas raras. Em 6 de dezembro de 1916 a ilha do Francês foi repassada aos engenheiros ingleses Edward Simons e John Williamson (contratados pelo governador Gustavo Richard) – que supostamente, veio à cidade instalar a luz elétrica na Capital e comprou a ilha de Ignácio Schroeder e ali instalou a sua oficina.
Em 18 de agosto de 1928, Williamson comprou a parte de Simons, tornando-se proprietário dela. Nessa época havia uma casa de moradia construída com pedras e tijolos, com diversos cômodos residenciais, além de plantações e o sortido orquidário. Encantado com a profusão de orquídeas selvagens, o alemão Ignácio Schroeder tratou de montar um orquidário, e mais tarde, em 30 de setembro de 1938, a posse foi para as mãos de Antônio Muniz Barreto. Após sua morte, a propriedade ficou com o filho Antônio Emílio Muniz Barreto. O argentino foi o responsável pelo auge da beleza da Ilha, incrementando o orquidário e criando jardins com flores raras, importadas de todo o mundo. Entre elas, a orquídea elegante, uma variedade totalmente branca.
”João Ignácio Schroeder foi meu tataravô, meu bisavô Joaquim da Costa casou-se com Maria Virginia Schroeder da Costa, filha do alemão. Até a sua morte, “Joaquim da Ilhota”, como era conhecido, foi o responsável pela guarda da Ilha, passando então a administração para sua filha, tia Rute da Costa Siqueira e seu esposo Dário Siqueira, ambos falecidos. Cheguei a conhecer o senhor Antônio Emílio Muniz Barreto, a “Vó Bisa” e meu bisavô Joaquim. Minha falecida mãe Rute Cunha Sardá, desde moça trabalhou na Ilhota, auxiliando minha tia nos afazeres domésticos. Desde menino tive a oportunidade brincar e explorar por várias vezes, os recantos da ilhota e guardo ainda lindas recordações daquele tempo.
Minha mãe contava que o argentino era um milionário apaixonado pela Ilha, queria morrer e ser enterrado lá. Tinha até um motorista de táxi o “Seo Boneco”, que morava em Florianópolis. Quando chegava da Argentina para passar suas férias, “Seo Boneco” fazia o transporte para o argentino. Como não havia telefone, o sinal para avisar meu bisavô na Ilhota, era dado pelo espocar de foguetes ao largo do átrio da igreja. Nesta época o ponto de partida mais usado para se chegar até a Ilhota era pela Praia do Porto, pequena praia localizada no promontório, abaixo da Igreja de São Francisco de Paula. Costumava presentear os pescadores, nativos e amigos que iam visitá-lo, era generoso e acolhia com carinho os visitantes. Quando Antônio Barreto envelheceu e adoeceu, os filhos não o trouxeram mais para Canasvieiras. Hoje a posse da Ilha do Argentino pertence aos seus netos Emílio e Francisco.
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